(Efectuadas por Edson Cruz para o blog SAMBAQUIS, Brasil)
Respostas de ns
Pergunta - O que é poesia para você?
Busquemos
distinguir desde já: há a poesia inerente às coisas, essa que subjaz ao
acontecimento de viver com tudo o que lhe pertence – contentamentos e mágoas,
sabores e cheiros, os ruídos e o silêncio, o alto e o baixo, o de fora e o de
dentro, como sagazmente diziam os antigos ou modernos alquimistas. A poesia que
existe no “simples cair dum lenço”, para usar a expressão de Péret.
Ou
seja, aquilo que se propicia através da simples existência sensível e nos
permite perceber a beleza, como por exemplo dizia Raymond Macherot, “que reside
no reflexo dum raio de sol, quase ao crepúsculo, ao bater na porta de madeira
dum armário antigo”. Ou, como referia Cesariny, sentir algo “tão alto e seroal/
tão de minha invenção”.
Depois há a poesia que nós fazemos ou que outros fazem, aquela poesia
palpável que se constrói ou desconstrói, em todo o caso se forja, através da
escrita, da palavra posta na brancura do papel. E que apanhamos dum momento
para o outro, de súbito, que nos chega sem sabermos bem de onde veio, de que
recantos misteriosos partiu. E, noutras alturas, atingimos depois de um
trabalho aturado e que, a uma volta da frase, apanhamos de chofre e logo após
guardamos como um tesoiro, como uma descoberta amorável e definitivamente
plasmada no tempo e no espaço.
O que um iniciante no fazer poético deve
perseguir e de que maneira?
Se
te referes a um iniciante na escrita, no criar poesia mediante a escrita, creio
que deve saber escutar os sinais que o rodeiam, as vozes interiores e
exteriores que existem e que o poeta, se o é, pode captar para depois lhe
possibilitar escrever perduravelmente. Escrever mesmo, ser persistente – é
preciso ter músculo para resistir às emboscadas e aos embustes - não
escrevinhar ou recrear-se através da escrita, o que os literatos muitas vezes
fazem com os piores resultados para os que amam verdadeiramente a poesia e para
o que a poesia realmente é.
E
ter, de igual modo, a humildade de saber que dependemos dessa coisa um pouco
secreta, um pouco velada, um pouco desconhecida, que é a organização das
palavras de certa forma algo imprecisa.
A
poesia nada tem que ver com a literatura, essa que os aproveitadores ou os
simples falsários erguem (como se ergue um bloco de apartamentos...) e que
depois habitam com todas as vantagens que em geral esse tipo de gente artilha.
A
poesia pode ser e muitas vezes é uma maldição, ou uma incursão no mistério, ou
uma aventura no mal, ou uma naturalidade doméstica... Mas nunca um sujeito de
literatura, como infelizmente certa gente medíocre ou primária, mas altamente
colocada sectorialmente, no país que melhor conheço (Portugal) pretende incutir
nas gentes.
Creio
que me faço entender...
Cite-nos
3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que estas
escolhas?
Há
poetas de grande qualidade, que profundamente apreciamos, mas cujo mundo
enquanto hacedores, contudo, está completamente distante das
nossas próprias pesquisas, da nossa pessoal via poética. Dito isto, citaria o
nome de Samuel Becket pela exemplar desconstrução do poema e da escrita a que
se entregou e submeteu; o de Rilke, pela persistência em excursionar por mundos
pouco prováveis de darem rendimento perante os donos da circunstancia temporal
e devido à capacidade de se emocionar ante os ritmos do mundo; e o de Czeslaw
Milosz, pela coragem que teve de ser poeta autónomo e autentico no recinto de
feras em que teve de viver durante largo tempo.
Estes são nomes, note-se, entre vários outros que também poderia epigrafar.
Mas são absolutamente representativos do que sinto e por isso os relevo.
Textos referenciais? O que vou dizer talvez não seja muito canónico, mas
é sincero e por isso – contra ventos e marés, rs – aqui o deixo dito (se o não
fizesse estaria a atraiçoar a minha juventude de forma repelente e cobarde):
alguns textos que mais me fizeram sentir a maravilha, a variedade da escrita,
foram – nos meus 14/15 anos os que encontrei nas Selecções do Reader's Digest
(edição brasileira) dos tempos da Segunda Guerra Mundial e que estavam na
biblioteca de meu padrinho. Eram extractos de obras da literatura universal,
tanto ali se encontravam trechos de Vítor Hugo como de Garrett, de Victor
Heiser como de Henry Morton Stanley, etc.
Isto
em primeiro lugar. Seguidamente, pedaços da monumental obra de Alves Morgado
“História da Criação dos Mundos”. Depois e finalmente, reflexões de “Ofício de
viver” e alguns poemas singulares de “Trabalhar cansa” de Cesare Pavese, em
paralelo com o extraordinário trecho sobre a génese da criação poética inserida
a dada altura no rilkeano “Os cadernos de Malte Laurids Brigge”.