terça-feira, 27 de setembro de 2022

Para que a Terra não esqueça

 


ns


  No Irão, dezenas de pessoas (homens e mulheres), são baleados nas ruas e praças por se manifestarem em prol da Liberdade que desde há mais de quatro décadas lhes é retirada por uma corte de fanáticos barbudos.

  Por seu turno, na Rússia do quadrilheiro imperialista Putin, rodeado de apparatchikis e sicofantas, quem se manifeste contra uma mobilização guerreira abusiva e cínica é detido de imediato e posto sob a ameaça real de 10 anos de prisão.

   Cabe citar aqui a frase final da antiga Declaração dos surrealistas franceses que escreveram: “Em período de insurreição o juízo moral é pragmático: os fascistas são os que reprimem e atiram sobre o Povo”.

    E são aqueles dois blocos criminosos que, entre nós, têm recebido apoio impresso ou expresso de gente que se pretende isenta, muitos deles e delas reclamando-se do nome de poetas e artistas!

    A esses/essas apenas dirigimos o nosso repúdio e o nosso desprezo.


Nicolau Saião, Joaquim Simões, Jorge Gaillard Nogueira, Álvaro de Navarro, Manuel Caldeira, João Garção, António Garção


Um poema de Jenny Joseph

 


(Birmingham, 1932 - 2018)



AVISO

 

Quando eu for velha irei usar um vestido roxo

e um chapéu vermelho que não combina com ele  e não me favorece.

E irei gastar a minha pensão em conhaque e luvas de verão

e sandálias de cetim e direi que não há dinheiro para manteiga.

E vou sentar-me no chão quando me cansar

e devorar amostras nas lojas e accionar os alarmes

e vou passar a minha bengala sobre as grades públicas.

E compensarei a sobriedade da minha juventude.

Vou andar de chinelos na chuva

e cortar flores nos jardins de pessoas alheias

e vou aprender a cuspir.

 

Uma pessoa pode usar camisas horríveis e engordar

e comer três quilos de salsichas de uma só vez

ou apenas pão e picles durante toda a semana

e guardar canetas e lápis e porta-copos e outras coisas em caixas.

 

Mas agora devemos ter roupas que nos mantenham secos

e pagar a renda e não praguejar na rua

e ser um bom exemplo para as crianças.

Devemos ter amigos para jantar e ler o jornal.

 

Mas talvez eu deva praticar agora um bocadinho?

Para que os meus conhecidos não fiquem chocados

ou demasiadamente surpreendidos

quando de repente notarem que ela está velha

e começa a usar roxo.

 

(Tradução de ns)


José do Carmo Francisco, Livros e autores

 





«Diz-lhe que estás ocupado»: conversas com Alexandre O´Neill, de Joana Meirim


Alexandre O´Neill (1924-1986) deu entre 1944 e 1985 16 entrevistas que este livro reúne. Joana Meirim na Introdução refere: «As entrevistas de O´Neill são paratextos significativos para a configuração da sua personalidade literária e convidam à releitura da sua poesia e das várias crónicas que publicou.» Das diversas entrevistas escolhemos a de 1983 no programa «Ler para Crer» de Adelino Gomes na Rádio Comercial. Sobre que livros lê, cinema, teatro e música, eis a resposta; «Leio sempre muito e com muita variação. Luís Cernuda e Pérez Galdós são neste momento os meus autores de cabeceira. Cinema vejo pouco. Teatro ainda menos. Música oiço a que anda no ar, enquanto faço a barba. Talvez seja um bárbaro!» Em relação a mitos portugueses como Amália, Eusébio, Joaquim Agostinho, Infante D. Henrique, Salazar, Maria da Fonte, irmã Lúcia, D. Sebastião e Nun’ Álvares, a resposta é «Eu acho que chamar mitos a essa gente é exagerar. Alguns serão enigmas, não mais que isso. Nun´Álvares seria o meu biografado.» Sobre a sua Poesia afirma: «Não me importa nada de estar fora de moda.» e «O público tem péssimos hábitos; pede muito à poesia.» Um dado curioso é o que o maravilha: «Maravilha-me assistir a um pobre de um reformado que está numa bicha para receber a reforma.» Outro será a sua preocupação: «Preocupa-me o destino de um país chamado Portugal. Isso preocupa-me embora não tenha nenhum cargo de velar pelo país a que pertenço mas, como sou português, penso nele e efectivamente preocupa-me o destino deste país». Termina esta nota de leitura com o epitáfio possível do Poeta: «Aqui jaz Alexandre O´Neill/ Um dos homens do seu tempo/ Que menos dormiu/ Bem merecia isto.»

(Edição, organização e introdução: Joana Meirim, Editora: Tinta-da-China, Capa: V. Tavares, Composição: P. Serpa, Apoio: Fundação Calouste Gulbenkian e Universidade Católica)


Carlos Paredes, Verdes anos

 



terça-feira, 13 de setembro de 2022

Para que a Terra não esqueça

 





Rei Carlos III

discursa em Westminster e compromete-se a seguir

o "exemplo de dever abnegado”

da Rainha Isabel II

 

Rei Carlos III falou ao Parlamento britânico esta segunda-feira de manhã. Ao longo de 3 minutos e 50 segundos agradeceu condolências e comprometeu-se a seguir o "exemplo de dever abnegado" da mãe.

(Dos jornais)


That´s the spirit, dude! And God save the Queen!

Manuel Severiano


Um poema de José Carlos Costa Marques

 


ns



AS INVASÕES FRANCESAS

 

Nada de novo sob o céu.

A pilhagem dos tesouros do Eufrates teve nobres antecedentes.

A prestimosa Companhia das Índias Orientais tinha já mostrado o exemplo.

Antes dela, uma infindável guirlanda de despojos, coroada de louros

em Roma e de folhas de oliva na Hélade.

É nosso porque o roubámos pelos mais nobres dos motivos.

Proudhon nada inventou.

Roubo, a propriedade? Talvez sim, o dos antepassados.

Mas agora é nosso e bem nosso. Não interfiramos.

Se preciso for o expugnaremos outra vez com sangue,

com o nosso e sobretudo o dos outros.

E se preciso for voltaremos a roubar, com os mísseis teleguiados

pela mais fina cibernética.

É certo que Junot se apoderou de grandes arcas de metal

à sombra da Convenção de Sintra.

Justo retorno? Pois que o Terríbil, o Albuquerque,

o não tinha feito por menos.

Sempre perdem uns, sempre rapinam outros.

Engravatados, solenemente proclamamos o legítimo esbulho do pobre,

o sacrílego roer das posses do afortunado.

E o céu, o gratuito céu, o azul profundo,

que nada custa e nada vale,

nenhum testamento o legitima,

e ele aí está magnificente e indiferente cobrindo

espoliados e espoliadores

a imensa riqueza inútil a desmedida insuportável miséria

e a fraternidade é essa.

 

in “Safra do regresso”






Nicolau Saião, As profissões recusadas

 



  O pormenor está em ouvir ainda que Breton defendesse um dia que o que era preciso, para chegar ao último estádio da Obra – discretamente, falo por símbolos… - era um superior mergulho na grande ausência, aquele estado de distracção fervilhante capaz de levar o poeta, ou o fulano por extenso, pelo mar ou a planície de casas, corpos, intensidades bruscas, sentimentos e esperas. O viandante transformar-se-ia, assim, num telescópio – ou num microscópio, porque o grande e o pequeno incluem-se e o que está em baixo é como o que está em cima – navegando como uma escuna que recebesse no casco o embate dos habitantes dos oceanos, os ventos de longe, o fulgor dos astros ainda inocentes.

   Mas refiro-me a ouvir tudo. Os ritmos secretos da Terra? Sim, mas parece-me que foi chão que deu uvas, a acreditar em anos e anos de má literatura ou, mais grave, de más consciências transbordadas em “gestos cívicos” a dar por um pau, amores próprios e alheios, corridas pedestres. Jogging, como se diz. A verdade, aqui para nós, é que não existe segredo que contemple, por banda dos deuses da escrita, o ligeiramente ingénuo sujeito que se ponha ao trabalho: a corte celeste será então de loucos ou de poetas absolutos e não seria demasiado pensar que Diana ou Artemisa, no intervalo dos seus “affaires” normais, compusessem olhando em volta com certa angústia uma ode, um alongado canto onde se mesclariam porventura os lamentos por um planeta perdido, ou por uma terra distante, ou simplesmente uma interrogação mais ou menos rendida de como se encontra a chave do mistério – que segundo parece não entra todavia em nenhuma fechadura.

   Digo para mim entredentes: passemos por esta rua, hoje o sol abriu contra os muros das velhas casas claridades insuspeitadas. Entreguemo-nos por alguns minutos às nossas selvagens alegrias. Façamos de conta que a literatura não existe e que sentarmo-nos num banco, no antigo Jardim da Corredoura, não traz imediatamente à lembrança uma página de Bulgakov, quando Margarita contempla o despertar de Moscovo e em sua volta se movem estranhas influências que iriam culminar no grande baile de Satã onde os sete palmos da existência e as cinco dimensões teriam uma palavra a dizer. Mas a literatura existe e é escusado querermos afastar as suas reminiscências.

    Afastar é como quem diz, porque não se dispensa a música ao longe seja qual for o sentido que se lhe dê. Resumindo: quem iria dizer (pensar, o que vai dar no mesmo) que o Tio Brandão era farda? Por estranho que pareça, ou não – e nisto os Liceus é que têm a culpa - só por volta dos vinte e muitos soube que o nosso homem era oficial do Exército. O que aliás não tem mal nenhum, acentuo. Pode ser-se militar quase como se é pasteleiro ou director dum clube de críquete. E os futebolistas canadianos que participaram com pundonor no campeonato do mundo no México, ou coisa, não eram empregados-de-balcão, advogados, estudantes e por aí fora?

    Vou então ficcionar por uns momentos. E atribuir profissões desencontradas a este, aquele, aqueloutro. Por exemplo: Tolstoi como jornalista no “Expresso”; Marco Aurélio como escriturário em Queluz ou Campo Maior; Camilo como farmacêutico num estabelecimento em Lisboa; Proust como árbitro de andebol nos momentos livres e, para ganhar a sopinha, primeiro-oficial num município; Abelaira como gerente duma casa de fados e, para espairecer, pintor de domingo nos intervalos das escritas; Eça de Queiroz, odontologista em Montemor-o-Novo; Pessoa, evidentemente, funcionário do FAOJ destacado em Sintra; Marguerite Yourcenar, professora de História em Beja; quanto a Rimbaud seria excitante imaginá-lo por uns segundos aluno da Faculdade de Letras alfacinha, assim como será difícil resistir a congeminar Flaubert como médico de senhoras em Elvas ou Alenquer.

    Se, como alguns excelentes críticos pretendem, os axiomas são desmontáveis mais que não seja dentro das suas cabeças, a suprema festa seria então abandonar os textos ao seu destino. E teríamos: “O vermelho e o preto” por David Mourão-Ferreira; “A morgadinha dos Canaviais” por Witold Gambrowicz; “Por quem os sinos dobram” de José L. Peixoto; “Histórias do fim da rua” por Chateaubriand; o “Só” de Saint-John Perse; finalmente, “A vida em Middlemarch” por Ramalho Ortigão.

    Imaginemos mais um pouco: não haveria maneira de se entretecerem as escritas? Assim, as frases iniciais de “O deserto dos tártaros” poderiam enroscar-se a dado passo num trecho de “A Cartuxa de Parma”; e o “Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho” não ficaria descabido, convenientemente acomodado, numa página de Jorge Luís Borges. E o conflito moral de “Beau Geste”, antes e depois de ir para a Legião Estrangeira? Pelo andar que as coisas levam não seria de estranhar vê-lo na escrita sugestiva e ágil daquele romancista que ficou tão galhardo em telenovelas.

    Leio, dos “Princípios” de Eyrinée Philalète, o décimo-terceiro e não porque tenha simpatia pelos números ímpares: “Encontrando-se as coisas assim dispostas, colocai o ovo onde estiver a vossa matéria nesse forno e dai-lhe o calor que a Natureza pede, isto é, fraco e não demasiado violento, começando aonde essa Natureza o deixou. Não deveis ignorar que a dita Natureza deixou a vossa matéria no reino mineral e que, embora nós tiremos as nossas comparações dos vegetais e dos animais, é necessário contudo que concebais uma relação apropriada ao reino no qual está colocada a matéria que quereis trabalhar(…)”. Se o romancista é alguém para quem nada está definitivamente perdido, como se disse (com propriedade? sem propriedade?) o truque estaria porventura em efectuar passages à tabac aos sentimentos, às sensações, às alegrias e aos infortúnios. Como nas batalhas em jogos de computador. Mas como os jogos são todos de vida ou de morte, quer sejam no interior do núcleo (a palavra, leia-se) ou no grande exterior (ainda a palavra, previno) deixemos o Norte a norte, o sueste a Sueste e os rios correndo franca e limpidamente para a sua foz.

    Raul Brandão era pois militar? Era militar e ainda bem – e nem sequer lhe foi preciso, como a Mac Orlan, ter ido para os aquartelamentos legionários no deserto. Foi o que no seu teatro próprio melhor lhe quadrou (porque foi dess’arte e não doutra maneira) de resto parece que ao mandar os taratas efectuar “esquerda ou direita volver” acrescentava frequentemente “se me fazem o favor”. Reminiscências, dirão os mais experientes em tratos místicos, dos hortos de uma certa Arcádia, da pureza das areias argelinas ou da serenidade das planícies de Saskatchewan.

    Não sei, não quero opinar e além do mais as partidas é como se as tivéssemos, já, todas ganhas.

     Aqui ou em Sidi-bel-Abbès.

 

NS, do capítulo A Caixa de Pandora

in “As Vozes Ausentes”


Hans Zimmer, Chevaliers de Sangreal

 



terça-feira, 6 de setembro de 2022

 




Zelensky: "Todos podem ver

que os ocupantes já começaram a fugir da Crimeia.

Esta é a escolha certa".

 

No seu discurso habitual, feito em vídeo e publicado todas as noites, o Presidente da Ucrânia adiantou que estão a ser feitos progressos na ofensiva ucraniana na região sul do país, onde estão concentradas as forças russas.

“Todos podem ver que os ocupantes já começaram a fugir da Crimeia. Esta é a escolha certa”, referiu Zelensky. E acrescentou: “Acredito que a bandeira da Ucrânia e a vida livre voltarão à Crimeia novamente. Libertaremos todas as nossas terras”.

(Dos jornais)

 

   Os russos não contaram com a determinação dum povo que persiste em ser livre. Tal como fizeram quando se uniram aos hitlerianos para invadir a Finlândia, onde foram derrotados, calcularam mal a sua estratégia. No final as ditaduras acabam sempre por perder, ainda que durante certo tempo dominem. Foi o que se passou com a URSS, que se desfez e caiu de podre devido aos crimes dos seus dirigentes e à miséria da sua doutrina.

Rodrigo de Carvalho

 

   Viva a democracia, na Ucrânia e EM TODO O MUNDO!

Vasco Trindade


Dois poemas de José do Carmo Francisco

 

Poema periférico do meu operador

 

Um vago primo que nasceu em Salvaterra

Brilhou na baliza nos Jogos de Amsterdão

Sereno com seu coração em pé de guerra

Ele voava no ar com a leveza de um balão.

Chegava sempre aos dois cantos da baliza

Quando olhava para o campo tudo media

Com os seus olhos na medida mais precisa

Separando devagar a amargura e a alegria.

Todas as derrotas e as vitórias acumuladas

São quase calendário privativo do jogador

Que joga parte da sua vida nas bancadas

Na multidão que o aplaude num clamor.

As mãos desse vago primo tinham magia

Que foi depois herdada pelo meu operador

Mãos tão precisas num ritual de cirurgia

Que assim vai separando a morte do amor.

 


Poema periférico para a Farmácia

 

Não é comum este nosso lugar-comum

De espaço no balcão ponto de encontro

Onde se recebe apenas só o que se dá.

Às vezes entram cheiros de roupa lavada

De pedras, sabão e vozes de mulheres

Na ribeira que um dia por aqui passou.

Sabemos o princípio activo das lágrimas

E o excipiente da moderna amargura

Temos literatura explicativa das dores.

Só vendemos tudo com receita médica

E mantemos fora do alcance das crianças

No comércio onde há algo mais que troca.

A transacção foi concluída com angústia

Fica um espaço de tristeza no balcão

Entre o «adeus» e o final «bem-haja!».

 

in “Poemas periféricos”


José do Carmo Francisco: Hospital de Abrantes - Urgência

 

Urgência de cinco estrelas

Num tempo de «bota abaixo» em que é fácil dizer mal de tudo e de todos, vou contra a corrente para dizer bem da Urgência do Hospital de Abrantes. Vitimado por uma síncope no dia 25-7-22 na Praia Fluvial do Penedo Furado, bati com a cabeça nas pedras da zona das merendas. Transportado pelos impecáveis Bombeiros de Vila de Rei, fui sujeito no Hospital de Abrantes a uma Tomografia que felizmente não acusou derrame interno. A maneira competente e simpática como fui tratado durante o «episódio» leva-me a recordar a frase ouvida no ano de 1962 em Vila Franca de Xira sobre um rancho de raparigas da região de Abrantes a caminho da Lezíria: «São sérias, asseadas e danadas para trabalhar!».  


Giovanni Marradi, Lysistrata

 



Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...