segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Para que a Terra não esqueça

 

Oito distritos do continente sob aviso amarelo

 para precipitação na sexta-feira

 

Os distritos de Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Leiria, Portalegre, Porto, Santarém e Viseu vão ser afetados por aguaceiros, por vezes fortes, o que leva à indicação de aviso amarelo.

(Dos jornais)

 

 Isto prenuncia um natal molhado e frio, o que é muito desagradável principalmente para gente pouco abonada como diz o chefe da banda estatal no seu linguajar meio hipócrita. Com o preço a que está a eletricidade e o gás, o zé povinho vai amargar. E se as inundações ajudadas pela incúria continuarem, será uma festa de arromba arrombada.

  Silvino Carrola


Um poema de Joaquim Simões

 


ns



Do silêncio

                   Para Lúcia Helena Weiss

 

Há um silêncio que surge,

súbito, na minha vida;

diz, sem dizer, que algo urge

p’ra que não fique perdida.

 

E há outro, que mantém

constante o meu movimento,

um que eu sinto como alguém

que sou eu, noutro momento.

 

Omnipresente em mim,

clareia outro ainda,

que me segreda, esse sim,

cantando em surdina, assim:

“Nada principia ou finda”.

 

Beringel, 17 de Dezembro de 2022


Nicolau Saião, Dois poemas e um desenho para o Natal

 

   Com cordiais desejos de Boas Festas a todos/as os confrades & leitores






RECEITA PARA UM NATAL

 

Primeiro, ficar parado

durante um momento, de pé

ou sentado, numa sala ou mesmo

noutra dependência do lar.

Depois preparar

os olhos, as mãos, a memória

e outros utensílios indispensáveis. A seguir

começar a reunir

coisas, por ordem bem do interior

do coração e do pensamento:

a ternura dos avós, uma mancheia;

rostos de primos distantes, uma pitada;

sons de sinos ao longe, quanto baste;

a recordação duma rua, uns bocadinhos

um velho livro de quadradinhos

duas angústias mais tardias, alguns restos de azevias,

a lembrança de vizinhos   ainda vivos mas ausentes

e de uns já passados.

Quatro beijos de seres amados ou de parentes

um cachecol de boa lã cinzenta aos quadrados

e um pouco de azeite puro e fresco

igual ao que a mãe usava noutro tempo saudoso.

Mexe-se bem, leva-se ao forno

e fica pronto e saboroso

 

- mesmo que, nostálgica, se solte uma pequena lágrima.

 


NATAL ZERO 22

 

Quem fala de Natal perde palavras

à entrada do Inverno, na secura dos dias

no vasto frio das noites, tão lúcidas e antigas

tão de infância e de Agosto. O fogo

misturado: árvores, luzes, fantasmas

e as doces mãos das Avós. E ainda

um postal velho velho cheio de vento e de memórias.

 

Quem fala de Natal perde palavras, ganha

e perde as demais coisas que as palavras edificam.

 

“Quem grita no Natal? E Deus

não os fulmina? “. Quem mergulha os seus pulsos

na fria água do rio?  Com seus chapéus à banda

em barcos engalanados

os anjos vão passando, dizendo amores esquecidos

dizendo estranhas frases, assombrando as moradas

onde afinal não nasce o tal de Nazareh. O sal e o

pão terrenal dos que ainda não foram

pelo ar, pela vida, pelos túmulos vazios.

 

Sim, pelo Natal as pobres casas em ruínas.

 

Para ser do Natal é preciso possuir

uma lembrança ardente, um brinquedo estripado

e muita tristeza feita nos anos em leilão

dos retratos tombando com um nó na garganta.

Para ser do Natal é preciso morrer

e viver de seguida com o sangue nos braços

esperando a estrela fixa do brusco espanto nocturno

junto à porta perdida dum milagre adiado.

 

Ah falar de Natal! Quem o consente?

 

O pão e o sal

talvez

de toda a gente. E um olho de animal

pairando no poente. Decisivo, visceral. E Deus, pobre dele

abrindo a água lustral (no bem, no mal)

frente ao horror da morte

terrena e inocente.

 

Por isso, no Natal

os segredos demoram

e tudo muda e tudo se envolve num pano branco barato

para que ninguém esqueça um corpo ferido que por debaixo jaz

uma nova e desconhecida espécie de cadáver achado na ilha

dos animais inominados

e outras diversas coisas que por desespero se não apontam.

 

No Natal treme a casa, a casa

sempre caiada, como um sepulcro sem número e sem nome.

 

E o inventário dá, se estiver certo:

um coração ardido todo azul

uma recordação minúscula que se guardou num bolso

um riso salutar ensanguentado

uma pequena ironia desenhada a tinta de colegial

uma apenas esboçada mão posta sobre um antebraço

o lenço de cabeça duma tia que desapareceu na manhã

um gato tranquilamente dormindo ao cimo das escadas

uma rosa e uma palavra que a si mesmas se julgaram

duas mãos de pedra tremendo atravessadas por uma ferida

numa cruz de polo a polo

um hálito que soprado no peito nos enlouquece

um arrepio, uma agonia

uma tarde a fechar-se repleta de amargura e de alegria.

 

Talvez o Natal seja um rosto

ou uma madrugada de outono

ou um avião nocturno

ou um verão por detrás das coisas aparentes

ou um combatente jazendo de borco numa pia baptismal

ou os bramidos de dois seres abandonados encarando-se de súbito

numa rua da cidade

no escuro muito escuro de uma cidade do universo

quer dizer – luminosa e aterrada. E talvez

 

que tudo afinal esteja a mais, que tudo afinal

se resuma a filhós e azevias de um outrora

a canecas de café familiar

algures num horizonte, numa idade, num momento

no imenso murmúrio de uma voz sulcando o tempo.

 

E a chuva   que diabo   irá cobrindo tudo

no infinito Natal dos mundos desaparecidos.


Gregorian, Nothing else matters

 



segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Para que a Terra não esqueça

 

 O Governo Costa e a questão ética


António Costa revelou um sentimento de impunidade nos casos Miguel Alves e Carlos Costa. Nada como um estudo sobre "Ética e Integridade" para recordar a importância dos valores democráticos.

(Dos jornais)


  Foi para isto que tanto sonhámos com uma Democracia que o 25 de Abril presumivelmente traria? A corrupção e o arbítrio, afinal desta gente, transformam o nosso país num lamaçal. O governo e os seus dependentes não se importam minimamente com Portugal e os cidadãos, e a decência, mas apenas com os seus interesses de casta.

  Augusto de Oliveira


  É para isto que lhes serve a maioria absoluta que tiveram e lhes foi dada confiadamente e ingenuamente pelos portugueses.

  Amâncio Benevides


Maria Estela Guedes, Poema a Lorca

 




Ontem à noite

 

Cheguei tão cansada, Federico!

A primeira coisa em que o olhar se deteve

Nesta parte antiga de Madrid

Foi no Teatro Lara.

Passei os olhos pelos cartazes,

Nada vi teu

Nem de nenhum dos teus amigos.

                                      E tu sussurras:

Não precisas de procurar tudo o que é meu

                        Porque eu conheço tudo o que é teu.

E a fadiga é demasiada para ir ver qualquer

Coisa só para poder dizer-te

Que sim, conheço o Teatro Lara, então, foi lá que vi

A casa de Bernarda Alba

Sei no entanto que representaram

Há pouco

                   Uma peça bem premiada

                        Lorca, la correspondencia personal.

O calor é grande neste debutado outubro

Transpira-se sob a cirúrgica máscara

Que a cidade, pejada de turbulentos jovens, pouco usa.

Fui almoçar à Plaza Mayor

Andando por aí e perguntando

Sim, fica perto, 11 minutos de caminhada

                                 Informou o Google.

Mas divagando por vielas e entrando em lojas

Para comprar uns chinelos de quarto

Demorei bem mais do que isso.

Na calle de Zaragoza, uma casa de flamenco

O ar sombrio e duvidoso

Recordou-me as tuas estudantinas madrilenas.

Já devia existir no teu tempo, estou a ver-te entrar,

Ouvir, bater os dedos na mesa ao ritmo do sapateado

Antes da brusca estacada, as asas elevadas

De Fénix em suspensão ardente.

            Flamenco, tango, amor brujo – tudo flamingo de fumo

                  Planando sobre a fogueira do fado.

Quanto ao mais, Federico, comi umas chuletas de lechal

Pensando em quanto sabemos que não sabemos

E vem à tona quando precisamos

Como este espanhol necessário para a comunicação

Já que do vosso lado nenhum esforço vejo igual…

                    O mistério anda na boca

                    De cá para lá, trincado nos dentes,

É tenro, soltam-se as palavras da saliva

Guardadas sabe-se lá em que glândulas

Desde as leituras dos Machado e Cervantes

                                     Que importa?

Servem, ainda são úteis, o moço percebe,

E a mim sabe-me a pouco esta mistura

De picantes especiarias

                A temperar o anho e a dura língua

Mas quero ainda e sobretudo

             O louro olímpico

                        Alho, salsa e mel.


in Conversas com Frederico García Lorca


Adelto Gonçalves – Sobre Maria Estela Guedes e o seu livro “Conversas com Federico García Lorca”

 



Obra reconstitui trajetória do vate espanhol em périplo poético
que soa como uma conversa íntima com o espírito do poeta


I

Uma ode formada por versos inspirados na vida e na obra do poeta espanhol Federico García Lorca (1898-1936) é o que o leitor irá encontrar no livro mais recente da dramaturga, poeta e ensaísta portuguesa Maria Estela Guedes, que acaba de sair pela Editora Urutau, estabelecida no Barreiro, em Setúbal, do lado de lá do rio Tejo, em Portugal, e em Cotia, no Estado de São Paulo, no Brasil. Com capa que reproduz desenho do próprio poeta, a obra Conversas com Federico García Lorca traz 107 poemas que procuram reconstituir a breve e fulgurante trajetória do vate que seria interrompida com o seu fuzilamento por hordas direitistas comandadas pelo general Francisco Franco (1892-1975).

Lenda em vida, e ainda longe da idade madura, Lorca já era à época um ícone daquela que, mais tarde, viria a ser definida como a geração de 27, que incluía, entre outros, Pedro Salinas (1891-1951), Jorge Guillén (1893-1984), Rafael Alberti (1902-1999), Vicente Aleixandre (1898-1984) e Luis Cernuda (1902-1963), ainda que não constituísse um grupo movido por qualquer motivação histórica ou influxo literário ou mesmo por um líder.

Como se sabe, toda a obra de Lorca, que inclui Romanceiro Gitano e Bodas de Sangue, Pranto por Ignacio Sánchez Mejías e Seis Poemas Galegos, entre outros textos poéticos, está profundamente enraizada na cultura popular espanhola. Nascido em Fuente Vaqueros, província de Granada, na região da Andaluzia, ao Sul da Espanha, ainda bem jovem, desde logo se mostrou contra aquelas ideias que defendiam a opressão promovida pelas classes privilegiadas.

Esteticamente, sempre se mostrou moderno, a partir de sua estada no centro cultural Residencia de Estudiantes, em Madrid, em 1919, quando compartiu sua amizade com o poeta Juan Ramón Jiménez (1881-1957), que viria a se destacar na oposição ao regime franquista e ganharia em 1956 o Prêmio Nobel de Literatura. Às expensas do pai, grande proprietário rural de ideias liberais, viveria por uma década em Madrid, sem deixar a Residencia de Estudiantes, onde se destacou também por seus dotes de orador.

A esse tempo, teria deixado de lado certa eloquência sentimental e piegas, adotando um estilo eivado por metáforas ultraístas, provavelmente influenciado também pelo pintor Salvador Dalí (1904-1989), outro frequentador daquela hospedaria de estudantes. Como se sabe, o ultraísmo constituía uma vanguarda poética que procurava sintetizar todas as tendências da vanguarda mundial com o mesmo desejo de ruptura e de impacto.

 

II

Em 1928, publicou Romanceiro Gitano, seu trabalho de maior sucesso. Nos anos seguintes, passaria a ser conhecido como renovador do drama com a publicação de Mariana Pineda (1928), Bodas de Sangue (1933), Yerma (1934) e A Casa de Bernarda Alba (1933-1936). Inquieto, em 1929, viajou para Nova York, seduzido pela leitura das obras dos poetas norte-americanos Walt Whitman (1819-1892) e T. S. Eliot (1888-1965).  Lá, permaneceu na Universidade de Columbia, de 1929 a 1930, época em que escreveu poemas surrealistas, que seriam reunidos em Poeta em Nova York (1940). Em abril de 1931, retornou a Espanha, entusiasmado com a Segunda República Espanhola, quando criou o movimento teatral La Barraca.

A essa época, fez uma travessia pelo Atlântico, com três escalas no Brasil:  as duas primeiras aconteceram em outubro de 1933 a bordo do navio Conte Grande, que o levaria a Montevidéu e aportou a 9 daquele mês no Rio de Janeiro e, dois dias depois, em Santos, onde, tomando água de coco e comendo abacates, perdeu o navio que seguiria para Buenos Aires, depois de passar um dia inteiro na companhia do jornalista Francisco de Azevedo, o Azevedinho, à época repórter do jornal local O Diário.

No Rio de Janeiro, Lorca fora recebido por Alfonso Reyes (1889-1959), poeta norte-americano que foi o embaixador do México no Brasil de 1930 a 1935. Segundo o biógrafo Ian Gibson, Reyes acompanhou-o em uma turnê pela cidade. A derradeira e fugaz estadia de Lorca no Brasil teve lugar em 30 de março de 1934 no Rio de Janeiro, durante a parada do Conte Biancamano, que zarpara de Buenos Aires e o levaria de volta a Barcelona. Acusado de homossexual e odiado por seu entusiasmo pela república, seria fuzilado a 19 de agosto de 1936 e seu corpo enterrado numa fossa comum, que até hoje não teria sido localizada.

 

III

Essa vida breve, mas intensa, está perpassada em cada poema e até em cada verso que Maria Estela Guedes reuniu neste livro, que começou em Nova York com seis peças poéticas que foram publicadas no caderno Risco da Terra (Lisboa, Apenas Livros, 2011), enquanto os demais, escritos e reescritos em Portugal, Pontevedra, Madrid e Granada, são inéditos, como se lê em nota aposta à abertura da obra. São composições poéticas líricas de enredo elevado que mais se assemelham a conversações com o possível espírito do poeta que ainda estaria vagando pelo planeta, como se pode constatar em “Café Moderno”:

(…) E eu sinto o teu cheiro, Federico. / Usavas perfume discreto / Fumavas cigarrilha elegante / Os sapatos sempre engraxados / Luzindo como a caneta de tinta permanente. (…) Mas foi aqui / Na Praza de San Xosé / Ainda não tinha sido postada / Ao centro / A tertúlia em bronze dos / Intelectuais e artistas do teu orbe / Foi aqui, no Café Moderno, aberto / Em Pontevedra em 1903 / Que redigiste algum do teu moderno / “Poeta en Nueva York”.

Já no poema “Senti”, em que se percebe a ondulação assimétrica peculiar ao ritmo, a poeta procura reconstituir o que podem ter sido os últimos dias de García Lorca, ao se referir à visita que fez ao Hotel Reina Cristina, em Granada, antiga casa da família Rosales, seus amigos. Na lateral daquele prédio, o poeta teria sido detido e fuzilado dois dias depois, em meio ao massacre de Viznar, promovido pelas hordas fascistas fantasiadas de tropas pelo general Franco:

(…)Tu ou Nossa Senhora das Angústias / Que também me seguia / Ambos me levaram pela mão à Casa Rosales / Em cujo átrio, hoje Hotel Reina Cristina, / Um mono de papelão em tamanho natural / Finge que és tu / De branco vestido, ao corrimão encostado, / A fazer guarda de honra à máquina de escrever (…)

O diálogo com o espírito do poeta prossegue mais adiante:

(…) O empregado, de casaco branco, guardanapo no braço, / entendeu e então contou, contou, contou. / Contou que fora ali, à saída da Casa Rosales, / na Calle Angullo, que foras detido. / Caminhaste pela rua à frente dos fuzis até ao Jardim / Botânico, dobraste o / belo edifício, hoje Faculdade de Direito, e à frente dos fuzis / entraste no que então era o Gobierno Civil. / A partir daí, Federico, / Diz-se, / Conta-se, / Há mais convicções do que provas, / Mas sem elas, as provas, / Sem corpo ao qual dar solene sepultura, És um / Desaparecido (…).]

Já no poema “Sejamos claros”, a poeta dá a impressão de que procura deixar o espírito de Lorca informado sobre que ocorre no Brasil no começo da década de 20 deste século XXI em que negros e indígenas que, ao lado dos ciganos, sempre foram defendidos pelo poeta, continuam a sofrer a vilania da opressão:

(…) Voltamos, Federico, a sofrer por aqui / Neste pequeno mundo esférico / Ideias fascistas, retrógradas, virulentas / Que até a Terra achataram / Garantindo que é plana. / Além de fascismo e nazismo / Fala-se de negacionismo: além da esfericidade / Nega-se a lei dos graves, o valor da vacina / E o da vida humana. / Erige-se (…) como valor – imagina! – a supremacia branca / Sobre os que amamos tanto: negros, gitanos, índios, / enfim, / A nós mesmos, latinos. (…)

Por fim, em “Os nossos lugares”, o diálogo torna-se ainda mais íntimo. E, como se pode constatar, o tempo presente é predominante, ainda que o tempo referido seja o passado, o que constitui uma característica marcante de toda a poesia lírica de alta qualidade:

(…) Fala mais alto, que não te entendo… / Ah, sim, compreendi: / Não preciso ir a todos os teus lugares / Porque estiveste tu em todos os meus… (…).


Teresa Berganza, Los cuatro muleros (de Federico García Lorca)

 



segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Para que a Terra não esqueça

 

Ministro da Saúde nega caos nas urgências

 

Manuel Pizarro disse que o cenário é de "dificuldades" e que, "infelizmente", é habitual. Esta segunda-feira de manhã, o tempo de espera no maior hospital era de 12 horas para os doentes urgentes.

(Dos jornais)

 

O ministro da saúde vai de mal a pior. Andou a dizer que o excesso de mortalidade se deveu a alterações climáticas. Agora nega a evidência de urgências caóticas, quando estão a funcionar. Gostaríamos de saber que condições têm de estar reunidas para que Pizarro considere a situação caótica. Para já temos médicos insuficientes, demissões em bloco, grávidas a não saber onde vão ter o parto ou censuradas se notarem algo de alarmante e recorrerem às urgências, longas horas de espera mesmo quando a situação é de urgência. Que mais é preciso?

Pinto Semedo

 

  Provavelmente só quando começarem a morrer pessoas nas urgências (e mesmo assim não sei)…

Armando de Almeida


Um poema de José Antunes Ribeiro

 


ns



poeta bissexto me confesso. comovo-me com o

sofrimento das pessoas e dos animais.

gosto de todas as luas com a linha do horizonte no

meu mar da Nazaré

nada sei das tempestades que se aproximam e gosto de

cantar o amanhecer. frequento urgências do hospital

e sei ver a dor mesmo a maior de todas tentando

inventar uma história para todos os dramas à minha

volta. naquela fábrica de tantas dores. sempre com a

cabeça na lua continuo agarrado a sonhos e a todos os

mistérios da vida e da morte.

a presença dos insectos e das estevas. as abelhas

beijando as flores. aquele cavalo solitário no campo.

sei que o tempo não tem perdão e este não é ainda

o tempo dos poetas. partiu-se o cântaro da água da

infância e o eco das vozes familiares já não se faz ouvir ao longe.


José Antunes Ribeiro, Mãe Maria Feijoa

 


Mimi Parent


 A tua filha Lena faz anos hoje. Provavelmente vou ser injusto mas não me lembro de comemorarmos os anos lá em casa. A vida sempre te foi madrasta e todos os dias eram para cuidar da sobrevivência. Sei que aos 8 anos já guardavas cabras na serra. Há dois/três anos comecei um livro que deveria ser uma espécie de monólogo contigo e que teria o título SONHEI QUE A MINHA MÃE TINHA UM BLOG. Encalhei a meio do livro e não sei se o irei terminar. Emocionei-me bastas vezes e cheguei a chorar para dentro e não é fácil voltar àqueles tempos. Ao contrário do Pai tinhas as mãos leves e uma vez resolvi enfrentar essa tua forma de ser decidindo que enquanto tu me estivesses a bater eu não iria chorar. Assim fiz...e acabaste tu a chorar! Por isso muitas vezes dizias que eu era “um vivo diabo”. Desde muito cedo protestei contra algumas práticas a maior parte das quais tinham a ver com o teu fanatismo religioso bem evidente na reza do terço à lareira naquelas noites frias de Inverno em que o calor da fogueira também contribuía para que adormecêssemos e tu tinhas um covilhete com água e quando adormecíamos atiravas uns pingos e acordávamos sobressaltados... Uma vez sei que te chateei quando tu no quintal em que eu discutia a justeza da guerra colonial me disseste numa espécie de eco do que diziam os que nos governavam que “Angola é nossa”. Eu respondi que te vendia a minha parte... Não tenho nenhum rancor mas não foi fácil sair disto sobretudo se te comparasse com a bondade do Pai. Fizeste por nós o melhor que sabias e tudo o que pudeste. Provavelmente algumas vezes te privavas tu para que a nós não nos faltasse o essencial. Vejo-te a caminho da horta às 5 da manhã com a tua burra e às quintas-feiras creio eu lá ias para o mercado de Ourém vender o cebolo e outros produtos do campo, também vendias ovos à porta de casa a um pessoal que depois os vendia em Lisboa, sei lá o que inventaste sem saber ler nem escrever para que os filhos sobrevivessem. Uma vez recordo que espetaste um dente da forquilha no pé, outra vez andavas a apanhar figos para o porco na horta da fonte, não sei se era este o nome, e caíste da figueira e eu fiquei atrapalhado sem saber o que fazer. Lá chegámos a casa! Dizia eu que a tua filha Lena faz anos, o teu filho António estará novamente no hospital e não está a passar bem, a tua neta Sofia foi operada e talvez tenha alta na segunda ou na terça-feira! Vamos confiar que a Fé que sempre te guiou e Nossa Senhora da Ajuda para onde caminhavas sempre que podias estarão connosco nestes momentos mais complicados. Eras analfabeta mas mais inteligente que muitos doutores que eu conheci! Sempre disse isto de ti, mas podias ser menos fanática nas questões religiosas que também nos separaram naqueles tempos da juventude. Um dia deixaste-me nos Covões e disseste para com a enxada eu cavar todas as ervas que rodeavam os chícharos e a minha rebeldia levou-me a cortar todos os chícharos e a deixar as ervas em paz. Aquela tareia que me deste acho que foi merecida e estás perdoada de todas as outras que eu considerei injustas!

Salvé Maria!


Brit Floyd, Mother

 



Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...