quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

"Adeus, até ao meu regresso...!"

 


Nicolau Saião, Ite missa est



  Com votos de Boas Festas para todos os confrades & amigas/os, despeço-me por uns dias até ao regresso que se dará depois do Ano Novo.

 

  Na tebaida onde com a família nuclear costumamos passar os períodos festivos, sem por estes tempos nos preocuparmos, como justa e habitualmente sucede, com ladrões, corruptos, incompetentes e tendenciosos politicamente correctos que no "desgraçado país" - como Luís Amaro dizia apropriadamente - pululam com descaramento e à-vontade proverbial, refrescaremos o quotidiano com amenidade.

 

  E endereçamos a todos vós, com desejos de boa saúde e alegria sensível, o abraço proverbial.

  O vosso confrade & amigo,

  n.


Elvis Presley and Martina McBride, Blue Christmas

 



quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Para um minuto de meditação - 145

 


Não se mede o valor de um homem pelas suas roupas ou pelos bens que possui, o verdadeiro valor do homem é o seu caráter, as suas ideias e a nobreza dos seus ideais.

 Charles Chaplin


Um poema de Dusan Matic

 


ns



   Dusan Matic nasceu em Cuprija, Sérvia, em 1898. Estudou filosofia em Belgrado.   

   Começou a escrever em 1923.

   Foi um dos fundadores do Círculo Surrealista de Belgrado e, sendo amigo íntimo de André Breton e Juan Miró, pertencia no sentido espiritual aos surrealistas franceses.

   Autor, entre outros dos livros Bagdala: poemas, Os dados estão lançados, Noite acordada, Segredos das chamas.

   A influência de Dusan Matic na poesia sérvia é notável.

   Morreu em 12 de setembro de 1980 em Belgrado.

(ns)

 

 

ANTES DA TEMPESTADE

 

Deixa a noite ser o que tu queres que seja de novo

Eu não sei mais nada

Eu não entendo nada

Até a noite quando chega áspera e resinosa

Noite e noite e noite.

 

Um lugar de ouro e mal e bem e uma parede de desespero

O que não significa que eu bato com a cabeça a cada hora

Um êxtase sem personagem, uma razão sem choro

Pela longa noite que está a chegar

Olha e pareça ridículo e engraçado para sempre.

 

Exceto pelo sangue que flui entre a dor de todos e a dor de todos

Não há excedente para medir a sua profundidade.

 

Esquece a sua memória esquece o seu esquecimento

Como um viajante disperso, estarei numa estação desconhecida

Uma ponte ferida pelas feridas do mundo estende-se por entre essas ruínas

Sobre aquele horror e lama

Onde o hábito da luz é quebrado numa lágrima não redimida.

 

Lá na clareira daquele horror sem fundo para assistir e dormir

Frágil no sótão e sozinho.

A insolência não me ajuda em nada.

 

(Tradução de ns)


Amália Rodrigues, Fado português

 



quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

PÓRTICO

 

Henrik Edstrom



PORTUGAL COMO DISTOPIA ASSUSTADORA


  Muita água vai correr debaixo das pontes até que o Caso Cabrita seja esclarecido, pois o fulcro da questão só agora começou verdadeiramente.

  A Nação, os cidadãos, puderam assistir na TV às declarações do ex-governante. Entre a estupefacção e a indignação. O país, depois de estar a ser uma brincadeira sinistra está agora a transformar-se numa farsa lamentável. Com um executivo que a cada momento parece poder ser pior que no momento anterior, o quotidiano vai-se obscurecendo como de há muito não se via.

  O Partido Socialista, que teve no passado homens como Vasco da Gama Fernandes, Henrique de Barros, Salgado Zenha e António Arnaut, vê-se agora a braços com políticos sem estatura e sem brio, para falarmos de forma civilizada, como o ex-titular da pasta da Administração Interna.

   Cremos que os cidadãos, enquanto próximos eleitores, terão uma palavra importante a dizer, antes que a Nação passe da presente farsa a uma futura tragédia.

Jorge Gaillard Nogueira


Para um minuto de meditação - 144

 

  Tal como durante os tempos do primeiro PREC, o que qualquer indivíduo com sensibilidade verdadeiramente democrática sente que anda no ar é, da parte do partido na governação e do seu chefe em exercício, um esforço autoritário e simultaneamente cínico de baralhar os factos para permanecer no poder, tanto quanto possível discricionariamente.

   Há um claro enfoque ditatorial, que se sente desprezar a cidadania que assiste à população encarada como entidade a ter sob custódia discreta.

    E preciso acentuar, uma e outra vez com decisão mas sem descanso, que o que o actual Poder visa, é agir não para bem da Nação mas sim para garantir os seus privilégios, mesmo que nefastos para com os cidadãos em geral.


Manuel Carreira Viana

Dois poemas de Carlos Alvarez

 


   Carlos Álvarez Cruz - Jerez de la Frontera, dezembro de 1933.

   De família republicana, o seu pai foi fuzilado durante a guerra civil. Mais tarde, passou alguns anos na prisão pela sua oposição ao franquismo, chegando a conhecer o exílio. Esses eventos marcaram profundamente a sua obra poética.

   Participou na homenagem ao poeta Antonio Machado em Baeza, em 20 de fevereiro de 1966, organizada, entre outros, por Jesús Vicente Chamorro.

   Foi finalista do Prêmio Antonio Machado com a obra “Escrito nas paredes”. A tradução dinamarquesa desta obra propiciou-lhe o prêmio bienal Lovemanken para poetas dinamarqueses em 1963.

   Autor, entre outros, dos poemários “O uivo do lobisomem”, “Os poemas do bardo”, “Papéis encontrados por um preso”…

   A sua poesia, inventiva e frequentemente experimental, tem também claros indícios de empenhamento social. (ns)

 

OS DIAS QUANDO NASCEM SÃO OS MESMOS

Os dias, quando nascem, são os mesmos.

Nenhum presságio anuncia o que se esconde

e espreita pela sua cobertura.

A luz do sol que invade lentamente

os objetos, o sonho,

vai despovoando o túmulo de imagens.

Diário

onde um lento cansaço nos avisa

muito pontual e teimoso a cada ciclo

do retorno final ao seu começo,

o sol,

nunca é uma garantia da luz plena,

satisfação alcançada, trabalho preciso,

viagem brilhante.

Porque no final do dia existe a morte,

e, no meio, as palavras antigas

aquela marca como fogo,

que gostam do veneno que nos enevoa ...

e a lua ...

e a lua, meu amor, assalta-me por vezes

vinda do espelho mais inofensivo,

(se houver um espelho que possa ser sem culpa)

e do canto onde dorme uma árvore.

(se houver uma árvore sem um galho balançando).

 

 

PARA MIM NÃO HÁ LUGAR

 

Não há lugar para mim. O homem tem isso

de comum entre os homens, como o lobo

o tem na sua ninhada.

Todos sabem o porquê e o onde

da sua raiz semeada ...

e o canal do seu impulso, e como dar ao vento

a vela desdobrada

dar ao filho um dia distante

a tocha levantada

e gentilmente apoiar a sua cabeça

maculada no seu travesseiro.

Só eu fiquei sem uma resposta

sobre a encruzilhada

onde na luz mais branca da noite

a pegada é notada

de um homem que mata, e de um lobo

de inocente mirada.

 

(Tradução de nicolau saião)


My Back Pages (Bob Dylan, Roger McGuinn, Tom Petty, Neil Young, Eric Clapton & George Harrison)

 



quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Para um minuto de meditação - 143

 

Juiz do Tribunal de Aveiro

acusado de corrupção pelo Ministério Público

 

João Evangelista, juiz do Tribunal de Aveiro, foi acusado de corrupção pelo Ministério Público, por favorecimento de um empresário e um autarca, a troco de um carro Mercedes e dinheiro.

(Dos jornais)

 

   Até nisto Portugal é modesto e pobrete. Se fosse por exemplo na Inglaterra ou EUA recebia era um Rolls Royce ou um Cadillac…

Manuel Lingrinhas

 

  Não falam da quantia recebida. Terá sido uma ou duas pápulas de mil? Ou pelo contrário este alegado corrupto jogou em grande, como se diz do Pinto da Costa?

Jorge Lopes


Um poema de Vicente Aleixandre

 

A JANELA

 

Tanta tristeza numa folha de outono,

sempre duvidosa, no último extremo, de se apresentar como navalha.

Quanta hesitação na cor dos seus olhos

antes que se esfrie como uma gota amarela

Tu tristeza, minutos antes de morreres,

apenas és comparável à lentidão de uma rosa quando finda,

essa sede com espinhos que implora ao que nada pode,

gesto de pescoço, carne doce que treme.

És bela como a dificuldade de respirar numa sala fechada.

Transparente como o nojo de um sol ardente,

quente como esse chão onde ninguém pisou,

lento como o cansaço rendido ao ar parado.

A tua mão, sob a qual as coisas eram vistas,

cristal finíssimo que nunca outra mão acariciou,

flor ou vidro que, jamais desfolhado,

era verde no reflexo de uma lua de ferro.

A tua carne, na qual o sangue parado mal consentia

uma triste bolha quebrando-se entre os dentes,

como a débil palavra que quase redonda é

segurada na língua docemente na noite.

O teu sangue, em que esse lodo onde a luz não entra

é como o beijo falso das poeiras ou do talco,

um rosto em que a morte brilha ténuemente,

beijo doce que dá uma cera gelada.

Oh tu, amoroso poente que te despedes como dois longos braços

quando por uma janela agora aberta a esse frio

uma fresca borboleta penetra,

asas, nome ou mágoa, tristeza contra a vida

que esvoaça como o último raio.

Oh tu, calor, rubi ou pena ardente,

pássaros em chamas que são mensageiros da noite,

plumagem vermelha em forma de coração

que no preto se espalha como duas grandes asas.

Navios distantes, silvo amoroso, velas que não soam,

silêncio como uma mão que acaricia a quietude,

imenso beijo do mundo como uma única boca,

como duas bocas fixas que nunca se separam.

Oh verdade, oh morrer numa noite de outono,

longo corpo que viaja até à luz do fundo,

doce água que sustenta um oferecido corpo,

palidez verde ou fria que vestes um desnudo!


(Sevilha26 de abril de 1898 - Madrid13 de dezembro de 1984)

Prémio Nobel 1977

(Tradução de nicolau saião)


Nicolau Saião, Os enigmas do quarto fechado e da fotografia artística

 


ns



    Há na Literatura Policial um tema que é o clássico dos clássicos: o quarto fechado onde algo de inusitado se passou. Dentro, um morto. Aparentemente, sem assassino. Inúmeras variações, mas um só dado exacto: a interrogação. De que maneira se oficiou? Interrogação que pouco a pouco se vai construindo/desconstruindo à medida que a novela se desenvolve e progride. Objecto sem construtor, criatura sem criador? Digamos: como uma fotografia sem máquina ou como máquina sem fotógrafo? Aparentemente, sim. E, no entanto, a nossa razão e o sentido da leitura (do jogo) dizem-nos que não pode ter sido assim. Que tudo é pois simulação – como nos retratos. E há outro corpo e outra máquina: o leitor e o livro. Duas máquinas, dois quartos, dois corpos, etc. Jogo de espelhos que forjamos ao ler e assumimos ao começar a ler (a fotografar). Em suma: no plano estrito do relato, um como de que não se conhece o porquê e naturalmente sem quem.

  No enigma do quarto fechado a máquina (o quarto) tem algo lá dentro (o morto, a fotografia) sem que tenha havido um dedo a premir o botão. Ou antes, sem que a presença desse dedo se tenha manifestado indubitavelmente – dedo mindinho, polegar, indicador? E teria mesmo havido um dedo (o assassino)? Temos de o admitir. O que se sabe (se intui) fica então pairando sobre o que se não sabe, ou melhor: que se virá a saber lá mais para diante, unindo-se então à outra imagem em negativo.

  Na máquina fotográfica, uma vez retirado o corpo de delito (o rolo impressionado) dá-se um imenso vazio: o corpo morto (o fotografado) vai entrar noutro mundo de martírio – molhado, quimicamente macerado para que esplenda de vida simulada. Um morto torturado que só depois de trans-figurado (des-figurado?) pode viver então de uma vida equívoca (numa carteira, num dossier, emoldurado ou plasmado numa medalha ornamental, colado num suporte próprio, trans-ferido quiçá para as páginas de um jornal). O morto, no relato, vai ter as circunstâncias da sua vida (da sua morte) analisadas, dissecadas, descriptadas. Vai ganhar exactidão, ou antes: vai ser o sinal palpável de uma exactidão reconhecível, forjadora de luz. A fotografia, por seu turno, verá os sinais da sua realidade transformarem-se paulatinamente, até desaparecerem com o passar do tempo – com o passar da luz. As inflexões, os pormenores – os habilidosos detalhes da encenação do crime – que a tornaram artística ir-se-ão dissolvendo irrevogavelmente, tornar-se-ão pertença e parte dum imenso território onde impera o desconhecido. Mas, dado que tudo é convenção (ficção dentro da ficção que um texto ou uma fotografia não deixam de ser) tudo está (fica) repleto dum sentido muito próprio: há um como absoluto, mas sem aclaramento (o flash) nunca se chegará ao quem e ao porquê (como nos retratos: ao olharmos para uma fotografia de nós mesmos é como se nos olhássemos a um espelho do passado, um espelho onde não nos conseguimos reflectir; o direito é o esquerdo e vice-versa, mas a foto está paralisada, faz parte de um além imutável). Na fotografia artística – vestígio de algo existente, ainda que simulado – o porquê ocupa grande parte da cena e antecede (justifica?) o quem e o como. Ou seja: um morto (criatura, retrato) que já não tem continente (a máquina, o quarto) e que a prazo nem terá (será?) conteúdo. Por outras palavras: a criatura sem criador nomeável, comportável, reconhecível.

  Ao entrar no quarto (aposento, mas também câmara) o detective (a fonte de luz) começa de imediato a destruir as simulações engendradas pelo oficiante (o criminoso, o fotógrafo), tal como a brusca aparição da luminosidade ao penetrar na câmara escura destrói a película fotográfica. Há pois que saber preservar a dose apropriada de sombra (o mistério do crime, o mistério que é a matéria ela-mesma que conforma a escrita enquanto elemento palpável). Depois de solucionado, o enigma do quarto fechado evidencia os limites da arte que o possibilitou, ou seja, das encenações perpetradas para iludir a verdade dos factos: a realidade, que é o que os autores (os assassinos) tentam transformar em algo reconhecível (como uma foto).

  A literatura não será pois tanto a criação de fantasmas (de negativos) mas o lançar de fantasmas transfigurados (os negativos transformados, reconvertidos, ou seja retratos) no tráfego quotidiano, nos foros da realidade. Tornando-os vivos dessa vida esquiva, insólita e peculiar – fotografia aproximada de algo que se sabe ilusório mas fortemente ilustrativo. No princípio há o espanto, o arrepio do mistério, à guisa do que sentiam os primitivos fotografados. Depois há a realidade, ou seja: a imobilização da fantasia, em suma – o retorno à Razão que subjaz à descriptação do crime. Na fotografia artística forja-se assim a perfeita imagem invertida do enigma do quarto fechado ou, ainda melhor, a imagem no espelho duma lente: acumulação de simulações para iludir uma realidade ultrapassada por flashes sucessivos (os raciocínios sagazes do investigador). Verdadeira acumulação de realidades presuntivas feitas para propiciar uma Realidade que é, afinal, só aparência, cópia armadilhada de alguma coisa que só o artista, o assassino, deu à objectiva a ver, ou antes – que esta só viu através duma máquina mortal. O assassino apoderou-se desta maneira do corpo do assassinado e expõe os seus vestígios a quem os quiser ver.

   Por isso é que a fotografia é a arte obsessiva deste tempo, um tempo de homicidas: simulação encenada, não inocente – tal como o autor do relato – reflexo duma exposição à escuridão (a luz que mata, que não é a iluminação mas a destruição do objecto retratado) que qualifica o fotógrafo (o criminoso) e a sociedade que o multiplica, a sociedade de imagens em que vivemos.

  Uma sociedade que, ironicamente, exibe e protege os sinais dos seus crimes (as fotografias). Como se o quarto fechado assim ficasse através dos anos, com o morto e os seus sinais reproduzindo-se surpreendentemente no exterior por um passe de mágica (uma revelação).

  Como, digamo-lo assim, algo impresso na matéria existente em quaisquer retratos mortos ou vivos da possível eternidade.


Marcelo Falcão, Ladrões

 



Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...