Poema
periférico para António Bárcia
Já não se morre como no
passado
Hoje todo o morto tem um
funeral
Com urna e fato pago pela
Santa Casa.
Muitas
vezes vai apenas um funcionário
No
acompanhamento trinta dias depois
Do
corpo chegar à Morgue de Santa Maria.
Porque a lei mudou a vala
comum acabou
Mas seu nome ficou nas
fichas dos livros
E no coração de quem não
o vai esquecer.
Morrer
não é apenas deixar de ser visto
Nem
as estradas têm curvas como antes
Morrer
é sempre um mistério, outra coisa.
Talvez calhe e seja o
Pedro a acompanhar
A sua urna se ninguém se
chegar à frente
Para tratar de todas
essas formalidades.
Tenho
um livro onde as suas palavras
Aparecem
num tão discreto anonimato
Mas
a posteridade essa vai continuar.
Poema
periférico para António Rego
Um homem subia aos
telhados para falar
Não havia megafone,
Internet ou telemóvel
Nem é correcto chamar
telhados aos terraços.
No
fundo é tudo uma questão de contexto
Com
quando se escreve que uma homem rico
Possui
muitos rebanhos, criados e mulheres.
A Bíblia é assim mas podia ser bem outra coisa
Um livro aberto a tão
dispersas interpretações
Sempre novo e sempre
antigo ao mesmo tempo.
O
leitor de CDs do automóvel todas as manhãs
Continua
a tocar o Vinde Espírito Santo Criador
Na
pressa da cidade onde a febre tudo aquece.
Um terraço não é um
telhado, é só parecido
É só quase a mesma coisa
sem o ser de facto
Saiu dos telhados e está
hoje mais nos livros.
Porque
oração e poema são coisas iguais
Maneiras
de juntar de novo nas palavras
Tudo
aquilo que a morte devagar separou.