quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Para um minuto de meditação - 147

 


ns



   O Presidente dos Estados Unidos chamou “filho da p*** estúpido” a um jornalista da Fox News, durante uma conferência de imprensa, que o questionara sobre a inflação galopante.

   Joe Biden não esperava que as palavras fossem captadas pelo microfone.

(Dos jornais)

 

  O tipo tirou a máscara, mostrou a sua verdadeira face. Este neo-adepto do politicamente correto, além de malcriado é distraído e hipócrita. Em novo foi sempre um sujeito cheio de fosquinhas, tendo sido apelidado de “Joe dorminhoco”. Mas agora devem atualizar o anexim e chamar-lhe antes “Joe alarve”.

Lelo Madruga

 

  Captadas pelo microfone? Ai o maroto do microfone, deve de ser republicano. Os “democratas” de certeza vão dar esta explicação, é assunto em que são especialistas. O Joe é um anjo, nunca diria uma brutice daquelas.

Artur Pintarroxo


Recordando Carlos Garcia de Castro - Dois poemas

 




RODAPÉ

 

Sento-me neste patamar à porta

da minha casa já de si airosa

de quantas luas não sei quantas sejam

depois da morte à vida dos meus netos.

 

Que é que distingue um ovo do seu ninho?

 

Do que eu mais gosto é ver de madrugada

os melros ancestrais no meu quintal,

sentado à porta neste patamar.

A minha casa há-de ser airosa,

sombras de luas que eu não sei quais sejam

da minha morte à vida dos meus netos.

 

Que é que distingue um ovo do seu ninho?

 

Dispersos já em luas – quantas sejam,

soltam-se os melros ancestrais e cósmicos,

quase trocistas em neblinas fixas.

 

Do que mais gosto quando aqui sentado

é vê-los a furar a madrugada.

O patamar é firme, a casa airosa,

e vai da morte à vida dos meus netos.

 

Lá estão em solitude as árvores no quintal.

 

Que é que distingue um ovo do seu ninho?

 

Sentado há-de ficar quem quer que seja

e julgará de novo aqueles melros

 tal qual se fossem outros sendo os mesmos.

 

 

 

A SITUAÇÃO DOMÉSTICA

 

 

Aqui me sento, permaneço e durmo.

 

Aqui se dá comigo a unidade

de haver no corpo um animal sentado

numa almofada com sinal de nádegas.

 

É decisória a cova permanente

que lá deixou na travesseira o morto

quando da cama o deram para o caixão.

 

Uma cadeira, canapé ou maple

que toda a vida cá em casa usei

são marcações de palco aqui na sala

onde me fixo, residente actor

dum só papel com vários desempenhos.

Quando mais tarde alguém os repuser,

– lugar secreto seja em unidade

ter lá ficado o meu sinal de nádegas.

 

O nosso corpo é sempre uma impressão.

 

… e lá por fora a liberdade é fácil,

o mais custoso é ser-se independente.

 

… os nadas que em família não se dizem

fazem do espírito um amor conciso.

 

Silenciar-se de harmonia a voz

que a sensatez pratica sem palavras

– maple ou poltrona fazem sempre falta.

 

… dentro de casa com sinal de nádegas,

– o privilégio serve às almofadas.          

 

Dormir e ressonar ali sentado

para sempre há-de passar e nunca mais

igual barulho volta a ser ruído.

Por isso o que lá fica em unidade

de haver no corpo um animal sentado

nesta almofada – é o sinal das nádegas.

 

Todos os estofos têm chamamento,

sua matéria sossegada e lisa

desperta as almas quando as faz dormir.

Todos os estofos, de veludo ou pele,

pelo contrário enrijam o pensar,

ninguém por lá se espraia que os não queira.

 

 

Aqui me sento, permaneço e durmo.

 

Tudo o que for será por qualidade

dos mais direitos de animal sentado

numa cadeira, canapé ou maple.

A vida toda ficará em casa

liberta em situação destes sinais

(no travesseiro a cova da cabeça)

– como se herança de unidade e nádegas.

 

O nosso corpo é sempre uma impressão.

 

Se mais não for qualquer outro sinal,

ao menos que a saudade e a apreensão

fiquem tomadas de almofada e nádegas.

 

Aqui me sento, permaneço e durmo.


Robert Plant & Alison Krauss, Trouble with my lover

 



quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

PÓRTICO

 

“Pior que esquecer a história é distorcê-la para avivar o ressentimento. Sabemos como isso foi feito nos países fascistas, nos países nazistas, nos países comunistas, e hoje também nos islâmicos. Distorcer a história é ainda pior do que esquecê-la. O perigoso são as meias memórias que os políticos utilizam para avivar o ressentimento e os medos”

Peter Brown, historiador.

Prémio Guggenheim, Universidade de Princeton


Para um minuto de meditação - 146

 

Você compraria um carro novo ao dr. Costa?


Alberto Gonçalves


   Eu sim, compraria. Mas não lhe compraria um usado. Não porque Costa seja um alegado vigarista ou alegado corrupto/ladrão como dizem do Sócrates, mas porque ostentando um claro complexo de inferioridade, que o leva a ter um apetite doido pelo poder, podia usar a sua evidente manhosice para fins que eu desconhecesse.  Com estes gajos é sempre de desconfiar.

Martinho Moniz


 Comprado onde? Num stand ou na Feira da Ladra? Em qualquer dos sítios ele e a sua lábia levavam-me à certa. Mas passada uma semana eu já estaria arrependida, tal como fiquei por ter votado nele nas primeiras eleições a que ele se submeteu. Nunca mais!

Luísa Peixoto

Dois poemas de José Carlos Costa Marques


ENQUANTO O DIA BRILHA

 

Lat mig verka mellan dagen brinner.

Carl Milles

 

 

Enquanto o dia brilha – que eu trabalhe.

E brilha tarde o muito longo dia do estio.

Sobre ele não chega quase a cair a escuridão.

Mas dentro nem sempre arde já o mesmo fogo.

 

A obra é tantas vezes sombra e quiçá logro.

A cada dia o tempo encurta a própria vastidão.

A mão por vezes treme e a tesoura o fio

ameaça cortar. Que o corte nos não calhe!

 

Olho para o tempo imaginário que se esvai.

O poente avista-se agora já no horizonte.

A mão já não pode obedecer como inda agora.

 

Porém, o olhar encontra na memória, aonde vai,

o teu olhar sereno – e aí bebe a sua fonte.

Ardendo ainda, em ti pacificado é que ele demora.

 


QUARENTA E SEIS

 

Traz o calor no verão os frutos

Traz o ar tépido memória de uma pátria

O pêssego com sua carne tenra

O melão as graínhas A semente que somos

A pera A maçã com seu perfume antigo

Exalando A casa no verão pousada

E as cerejas vermelhas as cerejas brancas

A cerdeira por sobre o muro nos caminhos

E o morango tão raro O morango

quando o morango era raro As amoras

As amoras no pó da estrada Os figos

com seu ventre aberto sua areia cariciosa

E as bagas sem nome Céu de outras esferas

No verão demoras com os frutos

Amadurece a memória de uma boca

O fruto de uma pátria A pátria de um sabor

De ti que trazes frutos Que és o fruto


Acção Surrealista e Movimento Libertário

 

ENTREVISTA A NICOLAU SAIÃO por António Cândido Franco





1 As raízes do “Bureau Surrealista” remontam ao período do teu serviço militar na Guiné, entre 1968 e 1970. Que aconteceu nesse período?

 

Resposta NS – Creio que fará sentido ir a uns breves meses antes, para se ter uma noção clara de tudo: uma certa noite, na caserna do quartel de Leiria onde então estacionava na primeira especialidade, conheci Carlos Martins em circunstâncias especiosas: estando já deitado, um grupo de outros militares entrara para se recolher ao leito e um deles, ao subir para o beliche, caiu dele para baixo…Os outros desataram a rir. Eu, algo preocupado e num impulso, dirigi-me ao tombado, perguntei-lhe se se magoara e ajudei-o a levantar. (Teria procedido a libações?...) Repare-se que isto se passou na penumbra…No dia seguinte, pela altura do almoço, alguém se me dirigiu e identificou-se como o caído, agradeceu-me o gesto e referiu-me que já reparara em mim por eu andar geralmente com um livro na mão…

  Ficámos amigos desde então, frequentámos a seguir, na Trafaria, a mesma especialidade (serviços cripto, material e segurança) e, depois de mobilizados, fomos com dois meses e picos de intervalo, ele antes de mim, para o quartel-general em Bissau.

  O nosso contacto e identificação com a surrealidade em particular e as artes & letras em geral, intensificou-se. Todos os bocados livres que tínhamos usávamo-los para ler e dar grandes passeatas por Bissau, estabelecermos convívio com outros militares interessados e gente da população, em suma: visando preenchermos da melhor forma aquele tempo de exílio...E foi um tempo de descobertas, encantamentos e, simultaneamente, de preocupações (o nosso trabalho militar a isso levava).

  Comprámos materiais simples (canetas de feltro, guaches, etc) pintávamos e fazíamos colagens (ele principalmente, na colagem era um mestre) e, arriscando o couro se assim me exprimo, compusemos mesmo um livrito na tipografia da Secção da “secreta” a que estávamos adstritos. Eu dei-lhe como qualificação, com a sua aquiescência, “Edição do bureau surrealista Alentejo/Lisboa”. (Não sei se ele terá conservado algum exemplar, eu tenho apenas fragmentos dessa poemaria).

  Ao vir passar as férias intercalares que proverbialmente estavam concedidas aos expedicionários a meio da comissão de serviço, quando regressou levou-me como oferta o livro de Cesariny “A Intervenção Surrealista”. Congeminámos então que quando voltássemos entraríamos em contacto com os surrealistas que conseguíssemos achar (não tínhamos bem a noção de quem eram exactamente nem onde se encontravam).

 

2 O teu regresso a Portugal deu-se em 1970, aos vinte e quatro anos, e logo procuraste, com Carlos Martins, contactar em Lisboa com o grupo dos surrealistas, que acabara de publicar a importante colectânea Grifo. Qual o papel de António José Forte, que estivera em Portalegre na primeira metade da década de 60 e com o qual mantinhas um mínimo de proximidade, nesse primeiro contacto?

 

NS – O Forte deixara na cidade confrades com quem se continuava a corresponder: principalmente um João Silva, militante comunista com quem eu me passei a dar em largas conversas nas nossas horas nocturnas, entretidas no estabelecimento de electrodomésticos dum seu irmão e onde ele ajudava na contabilidade; e o seu ex-colega funcionário das carrinhas Gulbenkian Donato Faria, pessoa de cordialíssimo trato e firmes interesses culturais que me emprestava todos os livros disponíveis do acervo em armazém e, dessarte, me permitiu cimentar certos ritmos interiores. Por intermédio deste escrevemos ao Forte, que levou a carta aos outros confrades e, em resposta, marcaram-nos encontro para num determinado dia, a contento, nos encontrarmos todos no Café Monte Carlo, onde então tinham estabelecido uma tertúlia, digamos, ou pelo menos onde costumavam juntar-se habitualmente.

  Lá fomos no dia aprazado e encontrámos à nossa espera o Virgilio Martinho, o Ricarte-Dácio, o Ernesto Sampaio, o Forte. Recordo-me que o Pedro Oom chegou mais tarde bem como o Herberto Helder e, se bem me lembro, a Fernanda Alves, o Miguel Erlich e a mulher…

  Tínhamos-lhes enviado poemas meus e colagens do Carlos, à guisa de “cartão de apresentação” e tanto quanto me lembro eles ficaram logo a contar connosco para a “Grifo” número 2…que jamais saíu por impedimento da Pide ou da Censura.

 

3 Qual foi a tua impressão do grupo que se reunia no café Monte Carlo e como individualizas nele Pedro Oom, que viria a morrer pouco depois, em Abril de 1974, e que tinha mais vinte anos do que tu e vinha do primeiro período, que seria possível classificar de heróico, da afirmação surrealista em Portugal?

 

NS – A primeira impressão - e por mim falo - foi de que tínhamos encontrado pessoas com quem nos podíamos fazer entender…que nos entendiam.  Sentímos neles, de imediato, uma forte corrente de inteligência e de imaginação se assim me é dado exprimir. Ficámos logo à vontade…

  Pedro Oom era um poeta que pertencia um pouco à nossa iconologia pessoal e foi com certa emoção que nos vímos a conversar com ele de forma interessada e amena, pois ele apesar de agudo e brilhante era cordial e cordato. Não detectei em qualquer deles, aliás, sinais de pedantice ou a mínima sobranceria, antes um interesse afável pelos “moços” que de repente lhes chegavam trazendo algumas coisitas, o que no dizer lhano de Ricarte-Dácio não lhes costumava suceder vulgarmente.

  Os outros tinham pelo Pedro uma visível aceitação, as conversas de uns para os outros iam e vinham nas mais variadas direcções, esfuziavam por vezes com senso de humor ou com críticas e análises certeiras – o que se nos comprazia a valer não nos surpreendeu excessivamente: era isso que já esperávamos encontrar…ou sonháramos encontrar. Novos como éramos, apaixonados pela poesia e a arte, saímos dali rejubilando tanto mais que nos tinham aberto a porta para futuros encontros com extrema franqueza, sem marcações prévias…(Digo sem acinte, mas com frontalidade: na Paris de 1999 ao encontrar-me, aliás com cordialidade fornecida por Michel Lowy e outra conviva, com o Grupo surrealista que se reunia num café da Rua do Rivoli quase em frente da Tour Saint Jacques de iniciática memória e presença – fiquei admirado ao saber que, em determinados dias, as reuniões eram só para quem fosse mesmo membro do grupo. Formalismo muito gaulês? Talvez…).

 

 

4 Com o teu regresso a Portalegre dá-se a criação do “Bureau Surrealista do Alentejo”. Quais foram as acções e os membros deste grupo?

 

NS – “Bureau Surrealista Alentejano” mais simples e humildemente, se me permites a leve correcção…Para marcarmos que não nos atrevíamos a dizer que era de toda a província transtagana, faço-me entender? De 70 e pelos anos posteriores, o núcleo duro, ao qual por vezes se chegavam confrades curiosos ou artistas nas proximidades (lembro por exemplo o António Ventura - que com o pseudónimo de André Gameiro dedicou dois belos poemas a Manuel de Castro num periódico local - depois ido para os meios da docência universitária e da historiografia regionalista) era informalmente formado por mim, pelo Carlos Martins (que algum tempo depois se mudou de Lisboa para Santa Marta-Alcoutim, abrindo aí uma pequena galeria/atelier de cerâmica com sua mulher Ana dos Santos) pelo A.J.Silverberg, pelo Palácios da Silva, pelo Margarido Neves (falecido muito novo, a quem dediquei o meu poema “Defunto” de “Os objectos inquietantes” e que também alinhava comigo, como libertário, nos tratos políticos de Abril), como “alentejano itinerante” como ele dizia com humor o Lud (Ludgero Viegas Pinto) e, mais tarde, o João Garção.

  As acções levadas a efeito, conforme se podia ou nos era facultado, foram constituídas por exposições em locais diversos (Galeria Municipal portalegrense, Clube de Futebol do Alentejo, Biblioteca de Portalegre…), emissão de textos deste ou daquele talhe, pinturas e poemas inseridos aqui e acolá (“Distrito de Portalegre”, “A Rabeca”, “Diário de Lisboa”, “República”…), presenças em emissoras de rádio locais (Rádio Portalegre, Rádio S.Mamede…), participações em momentos de poesia e em publicações várias…edições reduzidas de livros copiografados…

 

 

5 Com a tua aproximação ao Mário Cesariny, que estava à margem do grupo que se reunia no Monte Carlo, o “Bureau Surrealista do Alentejo” transforma-se em “Bureau Surrealista Lisboa/Portalegre”. Como e quando conheceste Mário Cesariny e quais as principais acções do novo “Bureau” e até quando duraram?

 

NS – Conforme já o evoquei em texto dado a lume até nesta revista, conheci-o em Lisboa nos princípios de 79. Combinámos de imediato levar a efeito acções em conjunto. Através dos tempos, de início com maior frequência depois mais intermitentemente, emitímos textos, participámos em mostras por vezes estimuladas por nós (na Biblioteca de Portalegre, no Teatro Ibérico e na SNBA…) demos a lume poemas e prosas em publicações diversas, estivemos presentes em sessões (no cineclube de Portalegre que eu então assessorava, num salão de bombeiros em Alcântara através do grupo de teatro Mandrágora…), mantivemos relações com confrades estrangeiros, etc.

 

6 Assumindo-te como libertário, estabeleceste relações com o movimento libertário em Portugal depois do 25 de Abril de 1974 e chegaste a encarar uma colaboração estreita do “Bureau” com o jornal fundado por Francisco Quintal, Voz Anarquista. Conta-nos o que foi este projecto.

 

NS – Em certo dia, depois de colaborar com alguns textos diversos nesse periódico e também no “A Batalha”, como eu colaborava com poemas e prosas no “A Rabeca” (de que fora chefe-de-redacção em anterior gerência até ser “saneado à esquerda”, como então se dizia) e no “O Distrito de Portalegre”, sugeri a Francisco Quintal a publicação dum suplemento, numa folha e sobres, em que eu e o Mário daríamos a lume coisas de índole surrealista com incursões de outros autores que achássemos valiosos, numa prática abrangente.

  Ele concordou em levar a outros membros do jornal a nossa proposta, que em princípio aceitou. E nós juntámos material…No entanto, algum tempo mais tarde comunicou-me que o projecto talvez não se pudesse levar a cabo, pois o jornal era pequeno e o espaço fazia falta para artigos difundindo as ideias anarquistas por extenso. Claro que compreendêmos a sua deles opção e…não insistímos.

 

7 Outra colaboração que o “Bureau” chegou a encarar no após 25 de Abril com a imprensa libertária foi com o jornal A Batalha. Como conheceste Emídio Santana e que tipo de colaboração se estabeleceu entre vocês?

 

NS – Conheci Emídio Santana no decorrer, no final, duma sessão que já não recordo bem qual foi. Sei que o Margarido Neves, um jovem dinâmico e portalegrense como eu, me acompanhava, pois também vogava nas concepções libertárias e surreais. Ficámos a dormir em casa do Santana, que me pareceu ser um homem bom e cordial e cuja figura, ainda por cima, me surpreendeu por ser fisicamente muito parecido com o Breton…

  Publiquei em consequência no seu jornal alguns textos, mas nunca houve ensejo de lhe propormos a cedência de uma ou duas páginas para um suplemento. A anterior sugestão aos da “Voz” não surtira efeito…talvez por isso nada dissemos ao Santana. Ainda que o Mário, que encarava os confrades tanto da Voz como da Batalha como um todo, digamos – eram os confrades anarquistas e ele tinha globalmente apreço por eles, sem distinguir excessivamente que uns eram dum periódico e outros doutro – tenha arrolado material e pensado em juntar mais, doutros autores, para o darmos ali a lume por meu envio, como se fizera com outros textos.

 

8 Colaboraste ainda na revista A Ideia em 1981 com um texto que foi o primeiro que se publicou na revista sobre o movimento surrealista. Como se deu a tua aproximação à revista?

 

NS – Já não tenho bem presente que tipo de contactos, especificamente, foram efectivados…Só me lembro que num belo dia, recolhido algum material, enviei à revista esse acervo de coisas a que o Mário deu o seu aval com todo o gosto.

 

 

9 Houve colaborações entre o “Bureau” e outra imprensa libertária, que não estas três (Voz Anarquista, A Batalha e A Ideia)?

 

NS – Tanto quanto sei só eu publiquei, dentro de portas, num curioso mas efémero jornalzinho artístico libertário, “O Pasquim”, um par de textos e poemitas…Fora de portas, o Carlos Martins teve algumas ligações com periódicos espanhóis e do universo anglo-saxão, mas só pela rama as conheci. Quanto ao Mário, entretinha relacionamento com órgãos estrangeiros, mas não sei bem se, sendo surrealistas, tinham também uma orientação libertária ou mesmo francamente anarquista.

 

10 Como via Mário Cesariny as relações do surrealismo com a imprensa libertária?

 

NS – Do que me apercebi, com naturalidade cordial e interessada. Posso recordar-me que, quando lhe sugeri levarmos a proposta a Quintal - e o mesmo se passou com “A Ideia”- a sua reacção foi no estilo “com os anarcas, tudo”. Creio que é significativo e na verdade detectei nele o sentimento de que os anarquistas seriam os que veriam (pelo menos esperava-se ver neles confrades certos) os surrealistas como companheiros de jornada ainda que noutra dimensão, digamos.

 

11 André Breton publicou em 11 de Janeiro de 1952 no jornal Le Libertaire, no quadro da colaboração do grupo surrealista de Paris com a Federação Anarquista, um texto poético em prosa, “La Claire Tour”, mais tarde integrado no livro La Clé des Champs (1952), em que afirma que o surrealismo se viu pela primeira vez, de forma consciente, no espelho negro do anarquismo. Como vês a cooperação entre os dois movimentos?

 

NS – Vejo-a como criadora de imensas virtualidades. Os libertários, a meu ver, são os irmãos colaços dos surrealistas, em última análise os libertários/anarquistas e os surrealistas SÃO O ROSTO LUMINOSO DO FUTURO. No passado os surrealistas pensaram que os marxianos (pois uma intensa e hábil propaganda, a agit-prop dos partidões, forjava esse cenário) eram seus co-irmãos, companheiros de jornada com os quais poderiam ajudar a descoisificar o mundo. Falaz ingenuidade! Os tempos e a História mostraram que os “amanhãs que cantavam” eram não mais, afinal, que o ulular que subia do fundo dos cárceres para assombrar as gentes e aterrorizar as consciências livres.

   Hoje, que já se sabe tudo e o fascismo vermelho não mais pode erguer, senão com as fauces destapadas, o seu vulto equívoco e sinistro, compreende-se que nenhum autoritarismo, seja laico ou fideísta, pode agregar o surrealismo sequer como mero contrapeso, quanto mais como acompanhante…

  Breton concluiu-o, diria com estima, à sua custa. Nós, que tivemos a sorte de existir num mundo se não mais feliz e adequado pelo menos mais esclarecido, pois as décadas transcorreram, decerto não perderemos de vista essa lição!


George Harrison, My sweet Lord

 



Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...