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“MENINA E MOÇA”
A Grande Guerra mundial nazi
deixara às escolas um destino hermético.
Distantemente, Portugal morria.
– Foi quase natural ter-me formado.
Como na história da “Menina e Moça”,
saí de casa com legais propinas.
Havia à noite os rádios e o cinema.
Chegava a ser bonito ir-se para a Tropa,
fardar-se de Aspirante, uma hierarquia,
para estar às ordens dum Quartel em paz.
Era saudável ser comerciante.
Solenemente, Portugal vivia.
Por compleição, o Livro das Saudades,
com professores – Bernardim Ribeiro,
que às raparigas inspirava os vícios
dum namorado, casamento, filhos.
Em grupo se lançavam vários ócios,
“Cahiers du Cinema”, a JUC, a Opus Dei,
modernos pajens, menestréis compostos.
Nenhum de nós, tomado, em liberdade,
– de alguma vez deixara o fingimento.
Um templo nos resolvia,
– o Banco de Portugal,
Bravos rapazes de gravata e fato.
As raparigas eram Enfermeiras
ou professoras de Letras.
Até as noivas, de inocência amarga,
que os padres e as famílias alisavam,
com habilidade nos surgiam virgens,
– nas ocorrências dum País alegre!
(Eu próprio me casei vestindo fraque).
Por toda a parte havia a sedução
de amáveis permissões corporativas
à Casa dos Estudantes do Império.
Anos Cinquenta, as dores em segurança.
“Por sobre um verde ramo acima d’água”,
meu pai se contentou com a minha Formatura.
– Também se fazem nojo as coisas entre si.
Trivialmente, Portugal ouvia
todos os dias as estações da Rádio,
com Vitorinos, Pessoas,
as proteínas nacionais de acesso.
Qualquer artista serviçal de sempre
cantava e acentuava o Cais/Sodré.
– Foi quase natural ter-me formado.
A ERNEST HEMINGWAY
Quando é no verão e o vinho está gelado,
à sombra luminosa do pós-guerra
que os toldos espalham de amarelo vivo,
as raparigas cheiram a morango,
cosmopolitas de higiene química.
Comemos frutos rígidos à mão
para simularmos o bravio do sol,
só pelo gosto ácido e vulgar
que os nossos dentes têm de morder
ainda as espoletas das granadas.
Tomamos banho a nadar no mar,
vamos de férias todas as semanas
para nos amarmos nos hotéis de luxo
ao pé das praias, lagos, das montanhas,
onde haja uma esplanada para vivermos.
Lemos jornais e conversamos manso,
fumamos, apostamos nas corridas,
Martini branco, seco, sugestivo,
pessoas vivas, débeis ou dramáticas
do coração anónimo da paz.
Então os homens de falar pausado
serenamente com a pele tisnada,
escanhoados, têm olhos verdes,
olhos de cor, suscitam as mulheres
e toda a esplanada para as trincheiras.
GENÉRICO
Nas lojas, antigamente,
havia o Mestre, que era o dono delas.
As suas Artes eram seu Ofício,
para que ensinava sempre um Aprendiz.
O Mestre tinha o seu Oficial,
homem já feito, casadouro às vezes,
que ele criava à mão das ferramentas.
O Mestre era o patrão, e em sua casa
todos viviam como pai e filhos.
Lá tinham percentagem e alimento,
que a carne é corpo para criar o espírito.
Da profissão faziam a família,
comunalmente a sua lealdade,
e cada obra, ideia produzida,
era o louvor unido deles todos
que em troca dos seus ganhos ao freguês
levavam pronto como novidade.
Esse freguês em pouco procurava
aquelas coisas para o seu enfeite,
delas se dava à sua precisão.
Ainda quase não havia máquinas,
das suas mãos directas, com aprestos,
provinham simples complicadas peças
de sentimento e cérebro trasladadas
da vida para o tempo, persistentes.
O quadro se fazia de esquadria,
a roda se fazia de redondo,
as regras eram quem dizia o ser,
ditavam liberdade e consciência.
– Deus era sempre a explicação distante
e perto de qualquer matéria-prima.
Também a História pode ser um sonho.
Da Antologia “Fora de Portas”
Editada pela “Escrituras” de São
Paulo (Brasil)
Prefácio de ns