terça-feira, 31 de maio de 2022

Para que a Terra não esqueça

 

Iates russos em modo furtivo para evitar apreensão

 

Pelo menos seis super-iates desapareceram do sistema de identificação automática que permitia localizar barcos. Todos pertencem a oligarcas sancionados por causa da guerra na Ucrânia.

Os super-iates dos oligarcas com ligações ao Kremlin que foram alvo de sanções britânicas estão a ser transformados em barcos fantasma para que a sua localização não seja detetável pelas autoridades - e para que, sendo assim, não possam ser apreendidos. É o que revela uma investigação do jornal Observer.

(Dos jornais)

 

Quanto sangue e dor estão por trás desses barcos, quanto dinheiro sujo! 

Como é que essa gente consegue dormir? 

Haja falta de consciência! Falta de empatia! Falta de caráter! 

Adriana Cardoso


Dois poemas de Floriano Martins

 


Mimi Parent



TRATADOS DA SOMBRA


1. O poeta é exigido por uma angústia vital:

aquela do desenlace em si de uma nova

transparência a partir de toda a opacidade

de sua vida. Tudo nele busca o desespero

iluminado das formas, sua convulsão

precipitada sobre a beleza das imagens

aterradoras. Refere-se o poeta sempre

ao outro que ainda não conseguiram tocar

suas débeis figuras. Indigente do instante

e do conhecimento do mistério, concebe

para si a tarefa de escrever um livro

impossível: o da personificação da morte.

Dissolve-se na matéria de suas metáforas,

misturado à visão do livro findo inacabado.

 

 

TRATADOS DA SOMBRA

 

2. Com quem se parece o pobre poeta senão

com Deus? Indaguei o nome do guardião

de seu museu de imagens. "Cuido de sombras

que deliram do desejo de ser a medida

de todos os homens". Que nome dar a ele?

(Gorostiza Holan Bopp Schwob Pessoa Breton)

Vislumbramos as possibilidades de amor

e amizade entre os homens, por mais estranhas

que sejam as atividades humanas. Parece-nos

a diversidade uma fotografia do vazio.

Apodrecida no excesso de signos a linguagem

não é mais a glória do indivíduo. Não mais

que Deus, em sua máscara de sombras, o velho

diabo feito de livros, ignorado em seu mundo.


Nicolau Saião, Lyle Carbajal ou O passeio real pelo país da infância

 


João Garção


   Um mundo de animais fabulosos que são quotidianos e domésticos e familiares quanto baste, um universo de anjos que são pessoas vulgares, um continente de gente diversa e de situações encenadas que de repente cobram razões e têm a sua razão muito própria, a naturalidade do tempo e o inaudito que a cada momento se encontram e se completam. É possível ser livre, serve dizer: transportar a liberdade – seja de existir seja de conceber a existência desta ou daquela maneira intensa e peculiar?

   O pintor diz-nos que sim. E atesta-o com os seus quadros, onde cobra realidade uma vida tumultuosa, encantada e quase miraculosa: a do seu pensamento.

   O seu pensamento, sublinho.

   Pois Carbajal, tendo nele toda a singularidade dos ritmos que às crianças em geral se atribuem, está longe de ser um pintor naif. Com efeito, detectam-se facilmente na sua pintura os vestígios dum conhecimento profundo tanto dos autores do Renascimento como dos modernos que o antecederam, de Cézanne a Matisse, de Beckman a Picasso, de todos os pintores que souberam excursionar tanto pela realidade como pela imaginação que cria os mundos alternativos e reconvertidos que a arte permite e proporciona. Ele é mais um pintor do fantástico, daquele surrealismo onde a poesia busca um sentido de memória que lhe permita dar o retrato transfigurado – e por isso mais real – do passado que se teve e que se lembra com emoção, esse passado onde era possível encenar um futuro provável – ou antes: desejado.

   Numa entrevista dada a um órgão de comunicação onde sagazmente é chamada a nossa atenção para as suas raízes hispânicas, Carbajal refere o que sempre o motivou e orienta a sua pintura: as estórias com que as crianças pontilham o dia a dia, esse dia a dia feito de coisas habituais – de idas e vindas da escola pelo “chemin des écoliers”, de objectos e móveis de uso quotidiano, de frutos e de animais, de pessoas que se vêem ao deambular pelas horas correntes; mas também os grandes medos, os grandes espantos e as grandes alegrias das descobertas de um lugar, daquilo que se aprende seja com os parentes seja com os mestres, seja mediante o nosso próprio silêncio e a nossa meditação. E a maravilha dum livro, dum filme, dum passeio, duma ida a um circo… Para além do específico bem material dum trabalho aturado.

   Sendo um grande colorista, ou seja, um conhecedor profundo de como um rosa se liga a um cinzento, de como um verde azeitona pode fazer sentido junto a um amarelo escuro ou um anil, Carbajal tem também um domínio exemplar do inacabado, do imperfeito e do obscuro – esses que mudam de plano no interior e no exterior do suporte e que de repente criam uma nova realidade, tão multifacetada como oportuna.

    «Un soldat marche, seul, a travers la forêt. Il est minuscule, parmi les troncs des sapins immenses, serrés et compacts comme un mur. On distingue à peine un sentier étroit dans la neige». O pintor, tal como o soldado na floresta assombrada da Sabedoria Tradicional, só tem para se orientar a sua capacidade de entrega aos mundos que ele cria e que lhe permitem não desistir, rodeado que está (como todos afinal) dos perigos que a cada momento o tentam destroçar. Ou pelo menos impedir que se veja livre dos liames do hábito, do preconceito e da mesquinhez um pouco sórdida dos infernos sociais.

   Com a naturalidade dos que sabem purificar o seu modus operandi, sem os dramatismos que os zoilos tentam colar-lhe na face (a arte como objecto de turismo mental…), o pintor faz com enlevo nascer o quadro, razão de quem sabe que a arte é ou deve ser um elemento próximo e ao alcance de todos os olhos que querem de facto ver.

   Leia-se: que sabem maravilhar-se, isto é - entender a existência como inteira evidencia e doação dos adultos que souberam conservar o seu coração de criança.


Giovanni Marradi, Remember when

 



terça-feira, 24 de maio de 2022

ANTE-PROPÓSITO

 

Será Putin um agente da influência norte-americana? 


Não me arrisco a prever como terminará a invasão sangrenta da Ucrânia mas, para já, concluo que o ditador do Kremlin está a fazer o jogo dos “inimigos” da Rússia, cometendo crimes uns atrás dos outros.

Com a Rússia a afundar-se militarmente cada vez mais na Ucrânia e com lentos e custosos avanços no terreno, o país enfraquece e sofre um retrocesso económico, social e civilizacional cuja reversão poderá levar gerações. A desintegração da Federação Russa é um cenário cada vez mais realista e todos sabem – ou melhor, todos os que querem saber – o nome do seu coveiro: Vladimir Putin.

(Dos jornais)


   António Costa é dos políticos europeus mais empenhados em salvar a face de Putin, promovendo concessões territoriais e atrasando a integração da Ucrânia na UE, o que faz todo o sentido se olharmos para quem foram os aliados naturais na construção da geringonça que levou Costa a primeiro-ministro após uma derrota eleitoral, o PCP e o BE. Costa considera o PCP não só democrático como até um seu aliado preferencial.   Agora que as máscaras caíram, convém disfarçar e fazer périplos pseudo-pró-europeus mas que são acima de tudo socialistas e anti-liberais.

Paulo Morisson


Para que a Terra não esqueça

 


Javier Pagola



“Tenho muita vergonha.”

Entrevista ao procurador de Mikolaiv,

que viu um colega ser detido por trair o país


   No início de abril, cinco semanas depois do início da guerra, este homem passou por um duplo embaraço. Eugeniy Ivanovych Riaby, 44 anos, chefe da procuradoria de Mikolaiv, uma das cidades mais atacadas pelos russos, teve de enfrentar o olhar suspeito de todos os que o conheciam. Os Serviços de Segurança da Ucrânia tinham divulgado que o chefe da procuradoria de Mikolaiv era suspeito de traição e tinha confessado o crime.

   Como a nota oficial não divulgou o nome, e como a hierarquia da procuradoria é algo complexa, muita gente pensou que era Eugeniy o traidor.  

   Não era, tratava-se do chefe da procuradoria responsável por outra área de Mikolaiv, que terá sido apanhado a passar a um intermediário informações sobre a situação das tropas na região, militares e civis mortos, o resultado dos ataques, locais de detenção dos prisioneiros russos e palavras-passe de cada dia para não parar nos checkpoints.

(Dos jornais)


  Há sempre traidores neste tipo de acontecimentos. Basta olhar para a caixa de comentários de portugueses e verificar que em caso análogo encontraríamos alguns traidores entre estes que já aqui abaixo deixaram a sua laracha.

  O que motiva esta gente? Doença mental? Ambição de protagonismo? Falta de escrúpulos?  Ausência de valores? Ignorância? Obviamente muita coisa pode ser - mas algo tão simples de perceber não escaparia a uma simples autocrítica em qualquer pessoa de bem...

C. Casagrande


   Andam por aí uns sociopatas que lançam as culpas à NATO e fazem equivalências. Mas eu vou citar palavras sensatas: “Na Sérvia a NATO acabou com um genocídio em massa que estava em marcha. Acham que fizeram mal? No Iraque, Síria e Líbia urgia pôr alguma ordem nas guerras fratricidas e na rapaziada do DAESH . Deviam ter ficado de braços cruzados? E a Ucrânia nunca ameaçou a Rússia.”.

 Eis a evidência dos factos, comprovada.

 Manuel Roseira


Maria Azenha, Poema e pintura

 




NA MANHÃ SEGUINTE

na manhã seguinte as mulheres vieram
chorar junto às sepulturas

e vejam só: encontraram a céu aberto
pedras
que desabrocharam pela madrugada

os mortos
os mortos
tão vivos

um silêncio impenetrável

in A casa da memória



Maria Azenha, Ucrânia (2022)

Um texto de José do Carmo Francisco

 

Quirino Teixeira


   Anos atrás adquiri, num alfarrabista, dois livros – a preço convidativo – em segunda mão. Abundantemente sublinhados e com pequenas anotações argutas, esses volumes de entrevistas por Madeleine Chapsal haviam pertencido a Quirino Teixeira que, soube-o mais tarde, falecera pouco tempo antes (fora encontrado morto na banheira, decerto vitimado por colapso cardíaco). Pesquisando na Net, encontrei o texto que a seguir se apresenta, da autoria de José do Carmo Francisco, que de pronto me facultou a sua publicação. Mais uma vez cabe a frase proverbial de que o mundo é pequeno e procede a curiosas triangulações…(ns)



             Quirino Teixeira – memórias dum jornalismo romântico


 

  Quando refiro (e nunca é de mais) os meus mestres do Jornalismo no «Diário Popular» (Jacinto Baptista) e em A BOLA (Carlos Pinhão) não posso esquecer o que aprendi com Quirino Teixeira na redacção da Revista do Jornal TEMPO. Foi ele que me ensinou o pouco que sei sobre paginação de jornais e revistas, coisa essa que tão útil me foi mais tarde em todos os jornais onde trabalhei primeiro como colaborador e depois como redactor efectivo.

 

     Há muitas histórias engraçadas. Um dia, por alturas de uma passagem de ano, sugeri que na próxima semana só se referissem livros infantis sob o título de «Na semana mais pequena, livros para os mais pequenos». Quirino achou piada e disse-me para nunca me acanhar com sugestões. Um fim de tarde, passámos largo tempo a escolher uma capa para a Revista a cores (era uma igreja numa ilha açoriana) e, dois dias depois, quando o jornal saiu para as bancas, a capa era outra. Alguém se tinha chegado à frente com duzentos e cinquenta mil escudos e por isso a capa era uma família feliz – pelo menos na fotografia.  

   

    Outra vez foi a nota de leitura que assinei sobre um livro do José Agostinho Baptista; ao chegar ao Funchal o poeta recebeu um envelope da sua irmã com vários textos de jornais da Madeira sobre livros recentes deste autor. Alguém, num jornal local, tinha achado que o melhor e mais fácil era copiar na íntegra o que eu tinha escrito no TEMPO.  

 

    Chamo-lhe jornalismo romântico porque não havia interesses materiais em jogo, as coisas eram feitas pelo prazer de, todas as semanas, sair para a rua uma revista onde estava o melhor de nós. Era essa a contrapartida, a moeda de troca. Poderia lembrar que Quirino Teixeira entrevistou Fernando Namora, Salvador Dali, Juan Miró, Antoni Tapiés, Ana Maria Matute, Camilo José Cela ou António Vallejo mas isso já é outra crónica.  

    

 in Crónicas do Tejo


You raise me up (em ucraniano)

 



terça-feira, 17 de maio de 2022

PÓRTICO

 

Eu e os bigodes dele




   Tentei tudo. Juro pelas alminhas…!

   Baseado naquela velha e renomada frase bem portuguesa, com incidências nos tempos tradicionais em que os homens, a boa rapaziada, se reuniam nas tascas para uma bisca lambida no fim de um dia de trabalho (“Vamos dar-lhes um bigode?”) usando o Paint e uma foto colhida numa folha-de-couve da capital – tentei tudo, literalmente, para fazer parecer ridículo o nosso primeiro-ministro.

   Mas falhei, confesso-o com humildade.

   A minha confessada intenção, militante e faceta, era ajudar a derribá-lo pelo riso, ajudar a que nos próximos tempos as pessoas o rejeitem, vendo-o tão cómico, tão apalhaçado, tão caricato.

  O riso, como se sabe, é uma arma poderosa.

  E vai daí, lá me esforcei eu plasticamente. Primeiro pus-lhe um bigodinho à Hitler. Ná, não resultava. Depois desenhei-lhe uma bigodaça à Stalin. Nada feito. A seguir, pus-lhe um bigode à mexicano de opereta e guitarrada, daqueles que no fim das cantorias dizem sempre com trémolos na voz “mi corazón, dling dlong”. Nicles.

  O nosso primeiro, honra lhe seja, possui a meu ver um rosto singularmente nobre, austero apesar de se rir muito (nos melhores momentos lá na estranja e também cá dentro) é o rosto dum homem determinado, corajoso, claramente amantíssimo do seu país.

  Um rosto que, representando digamos o seu espírito, se impõe pela positiva a quem o observa. Lê-se nele uma alta qualidade moral e profissional. De cavalheiro capaz de derribar muros, mesmo os mais sinistros!

   O que os seus pares da Europa têm notado e não se cansam de sublinhar.

   Eu bem quis extrair da sua fotografia, com pequenos toques gráficos, o que de circense pudesse haver nele enquanto político.

   Não consegui.

   Frustrado, desisti.

   E só para não deixar totalmente os meus créditos por mãos alheias é que lhe desenhei, ainda que mal, um bigodinho à Poirot.

   O resultado é o que aqui está.

   Se falhei, devo-o a mim mesmo. Não ao perfil de estátua ou de medalha deste homem de singular valor que a Pátria um dia reconhecerá como um dos seus maiores.

   E o resto é conversa…

ns

Para que a Terra não esqueça

 


ns



Rendeiro era considerado prisioneiro de alto risco

 

João Rendeiro estava "numa cela única quando se enforcou". Ex-banqueiro era considerado prisioneiro de alto risco e estava a ser monitorizado, dizem os serviços prisionais da África do Sul.

(Dos jornais)

 

  Seja lá como for que o homem tenha ido para os anjinhos e eu acredito que tenha sido por sua mão, a verdade é que parece que se ouviu um ufff! monumental neste país. Marchou a tempo. Olhem se por acaso este banqueiro dos ricos e poderosos tem posto a boca no trombone! Depois do seu suicídio muita gente deve ter passado a dormir um soninho descansado, como uns justos. Há males que vêm por bens, lá diz o ditado.

  Maurício de Lemos

 

   Com tanta vigilância e monitorização…o manguelas conseguiu suicidar-se. Era um homem com muitos talentos, cheio de recursos. Além de génio da banca, génio de fuga pela porta mais certeira e definitiva! R.I.P.

Sérgio Sangalhos


Dois poemas de Gabriel Chávez Casazola (Bolívia)

 




POEMA


Eu nasci nos confins de um império indescritível

cercado por linhas imaginárias e fugidias.

 

Desde criança queria conhecer o coração da região,

ir para o seu norte, que também era o seu centro.

 

Depois de muitos anos sonhando com caminhos

resigno-me a saber que não parti.

 

Esta manhã um homem na minha frente fala com os pássaros.

Ele ensina-os como chegar ao palácio de jade.

 

Eu escuto-o pensando no norte,

no meio,

no meu antigo desejo.

 

Mas já estou cansado e os dias pesam-me.

 

Terei de me contentar com aprender essa linguagem das aves

E, sozinho no meu quarto, esvoaçar sobre os lençóis.

 


SÃO LOURENÇO

 

É incrível como o que estava rígido pode ser

outra vez florescente,

como as mesmas árvores frondosas que nos surpreenderam em agosto passado]

com as suas plumagens de flamingo real

como uma deslumbrante Marilyn

de luvas compridas e vestido cor-de-rosa

mas que depois nos desiludiram

secas e engelhadas

violácias como as patas de um galo velho

por vários meses,

como podem elas tirar de si mesmas

do seu coração exausto de raiz

nova plumagem, novas luvas, novas cores

e fazerem-nos brevemente felizes

outro agosto

ou vinte e três agostos depois

com as suas flores deslumbrantes e misericordiosas,

capazes de lavar todo o mal do mundo.

 

in “Multiplicación del sol”

 

(Trad. de nicolau saião)


Renato Epifânio, Better dead then red

 



   O nosso prezado confrade Renato Epifânio, Presidente do MIL - Movimento Internacional Lusófono, deu a lume no jornal Público, no seu espaço de Opinião, o texto que aqui vos deixamos, com vénia ao Autor por nos permitir a sua publicação:

    Um dos mais infames slogans políticos da nossa história – “better red than dead” –, tem de novo ecoado, de forma mais ou menos expressa, a propósito da invasão russa da Ucrânia. Não porque, esclareça-se desde já esse equívoco recorrente, o regime de Putin tenha algo a ver com o comunismo – a sua matriz é claramente czarista.

   O próprio Partido Comunista Português sabe isso perfeitamente – daí que a sua posição não se explique, de todo, pela fidelidade ao regime de Putin. Antes, tão-só, pela sua fidelidade de sempre ao Partido Comunista Russo – foi assim durante toda a II Guerra Mundial, mesmo durante o pacto soviético com o regime nazi; foi assim em todo o processo da nossa descolonização; foi assim em todo o processo de desmantelamento da União Soviética; tem sido também assim, sem surpresa, agora.

   O próprio Putin também tem usado o “argumento da desnazificação” da Ucrânia para justificar a invasão russa da Ucrânia de forma claramente cínica. Ele não acredita nessa alegação – mas acredita que, por mero “reflexo pavloviano”, ela tenha algum efeito na opinião pública, interna e externa. E acredita bem – como, também sem surpresa, se pode verificar, inclusivamente na opinião pública portuguesa.

   slogan tem, porém, ecoado, de forma cada vez mais sonora, à medida que a resistência ucraniana se amplia – e daí as crescentes sugestões, mais ou menos tácitas, para que a Ucrânia se renda. Como sempre, aduzem-se os mais diversos argumentos, em particular o de que a resistência ucraniana tem como principal beneficiário a NATO/ OTAN e, em especial, os Estados Unidos da América; e como maior prejudicado colateral o modelo social europeu, pelo desvio de fundos, já em concretização, para os orçamentos de Defesa dos Estados da União Europeia.

   A alegação não é infundada mas não explica o crescente incómodo com a resistência ucraniana. Explica-se antes este incómodo, a nosso ver, por um conceito que a nossa cultura historicamente recalcou: o de heroicidade. Com um efeito, se há um qualificativo adequado para a resistência ucraniana é esse: heróica. E é isso o que mais profundamente nos incomoda, a todos nós que deixámos de valorizar a heroicidade e que até criámos, na nossa cultura, como seu substituto simbólico, a figura do anti-herói. Na resistência ucraniana, olhamo-nos ao espelho e vemos, com o mais profundo incómodo, quem fomos deixando de ser.

2 comentários:

 

OCTÁVIO DOS SANTOS disse...

 

    Renato, estou de acordo com a «tese» principal deste teu texto - o reconhecimento e a valorização (que, sim, a alguns incomoda) da resistência e do heroísmo ucranianos. Porém, discordo da asserção de que o regime de Vladimir Putin nada tem a ver com o comunismo. Pelo contrário: VP, tal como todos os que lhe estão mais próximos, nasceram, cresceram e foram (des)educados nos preceitos comunistas, e o actual líder do Kremlin foi mais longe na (auto-)doutrinação ao ter seguido a carreira de agente do KGB. Aliás, há que nunca esquecer que ele disse que a maior tragédia do século XX foi, não a Revolução Russa, nem sequer a Segunda Guerra Mundial, mas sim o fim da União Soviética em 1991.

NOVA ÁGUIA disse...

 

    Sim, sendo que, a meu ver, o que Putin valoriza na União Soviética é a sua dimensão imperial - não propriamente a dimensão comunista...


Ennio Morricone, O Padrinho

 



terça-feira, 10 de maio de 2022

Para que a Terra não esqueça

 


Bridget Tichenor



PCP em Lisboa

diz que Associação dos Ucranianos "não reúne condições de idoneidade"

para integrar refugiados da Ucrânia


Os vereadores do PCP na Câmara de Lisboa alegam que a Associação dos Ucranianos em Portugal "não reúne condições de idoneidade" por atacar o "regime democrático" e manifestar "ódio contra o PCP".

Os vereadores do PCP na Câmara de Lisboa justificaram esta sexta-feira o voto contra o protocolo com a Associação dos Ucranianos em Portugal por considerarem que esta entidade “não reúne condições de idoneidade” para a integração dos refugiados da Ucrânia.

(Dos jornais)

 

    O PCP continua a comportar-se como um lacaio de um país estrangeiro, a Rússia. Em 1956 apoiou a invasão da Hungria e em 1968 a invasão da Checoslováquia, apoiando a entrada dos tanques para pôr fim à revolta da população que procurava maior liberdade. É preocupante a existência de uma sucursal da Rússia em Portugal, o PCP, que com o acesso a informação confidencial do país pode colocar o país e a população que defende a liberdade e os valores do mundo ocidental em risco.

Francisco Seabra

 

    Eu acho que a luta do PCP contra a ditadura de Salazar foi importante para Portugal, mas a verdade é que eles não lutaram contra a ditadura de Salazar para defenderem a liberdade ou a democracia, eles lutaram contra a ditadura de extrema-direita para tentarem instaurar uma ditadura de sentido contrário, isto é, de extrema-esquerda. Acredito que a pouca admiração histórica que alguns portugueses pudessem ainda sentir pelo PCP acabou a partir do momento em que o PCP defende uma ditadura como a de Putin na Rússia que está a matar o povo ucraniano, a despojá-lo da sua soberania e a provocar milhões de refugiados (os que têm sorte e conseguem fugir ao horror, à tortura e aos massacres perpetrados pelos russos).

Ana Fonseca


NOTA DE IMPRENSA

 

Do assessor ex-comandante Tomaz Figueira:



Doutor José Jagodes, num flash mediático


 "Tem circulado nos mentideros da Nação um dos casos mais momentosos da circunstância actual, ligada à guerra a decorrer na Europa: o facto do famoso estoriador nacional - e por isso mundial! - Professor Doutor José Jagodes até agora não se ter pronunciado sobre o confllto, tanto mais que o renomado Autor de "A beligerância cognitiva entre os soldados tímidos e os emproados", (com prefácio do especialista militar coronel-na-reserva Teodoro Rabejana) ser um dos maiores conhecedores lusitanos de Estratégia, disciplina que leccionou na Sourbonne e, primeiramente, na Academia de Vila Facaia, onde se tornou clássico o seu ensinamento sobre Táctica Subliminar Aplicada.

 

    Podemos adiantar agora que tal se deveu a estar o Doutor Jagodes em período de análise e reflexão, preparando a sua tese conceptual "Ocidente & Oriente", com os cuidados argumentativos suficientes para não se enganar como os majores-generais na reserva que têm ido comentar nas Têvês com os resultados tristes que os tele-espectadores geralmente conhecem e se tornaram notórios.

 

    Mais adiantamos que em breve, numa entrevista conduzida pela publicista freelancer Lina Carvalhosa coadjuvada pelo conhecido repórter Emanuel Conduto, José Jagodes virá a lume ter com os leitores num exclusivo dos habituais órgãos onde se dão à estampa as suas apreciadas congeminações, ou seja no "Casa do Atalaião" e, depois, no proverbial "TriploV".

 

    As fotos estarão a cargo do apreciado fotógrafo Rabiny de Andrade.

 

    Com os melhores cumprimentos, de Vexas. atentamente

 

     Tomaz Figueira, ex-comandante submarinista, Assessoria Complementar em Exercício". (Segue-se assinatura manuscrita).



   
                 Emanuel Conduto                                Lina Carvalhosa                                                         Ex-coronel na reserva Teodoro Rabejana

Dois poemas de Nicolau Saião

 




O PÃO

 

1.

 

Eis o pão sobre a toalha:

não se agita, não grita

- está ali,  simplesmente

como uma ilha a descobrir

pelo sabor e o cheiro.

 

Um pão morto, um pão vivo

o cortado ou o inteiro?

 

O pão por vezes geme

como uma égua louca

e cresce, cresce ardendo

no sangrento e lavrado

triste e desabitado

nevoento, esfomeado

céu da boca.

 

O pão é a substância

dum bicho transformado:

o tempo   e a terra

onde foi criado.

 

2.

 

Tronco de paz, tronco de escuridão

erguendo o cadafalso para todos

 

Suavíssimo, cercado de claridade

um avião gelou o sonho e a aurora

 

Uma flor crepuscular desafia o delírio

litania de fome destruindo o desejo

 

e uma cidade, angustiada, afoga-se

na sua própria imagem

sem que lembrada seja

como o sabor do pão

 

para ninguém.







NAVALHA

 

O próprio nome assusta

embora seja só

uma operária a sangrar

a pele da fruta. Como um sol

multiplicando-se no seu corpo de aço

marfim ou corno de boi: como um sino

vibrando se se toca

com ela numa pedra

de casa ou sepultura.

 

Com ela limpo às vezes

o lixo do tempo: sóbria mergulhadora

em unhas, pães, barrigas.

 

Fechada é como um nome

calado para sempre.

 

 

ns

in “Os objectos inquietantes”

Prémio Revelação/Poesia 1990 da A.P.E.

Editorial Caminho


Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...