O PÃO
1.
Eis o pão sobre a toalha:
não se agita, não grita
- está ali, simplesmente
como uma ilha a descobrir
pelo sabor e o cheiro.
Um pão morto, um pão vivo
o cortado ou o inteiro?
O pão por vezes geme
como uma égua louca
e cresce, cresce ardendo
no sangrento e lavrado
triste e desabitado
nevoento, esfomeado
céu da boca.
O pão é a substância
dum bicho transformado:
o tempo e a terra
onde foi criado.
2.
Tronco de paz, tronco de escuridão
erguendo o cadafalso para todos
Suavíssimo, cercado de claridade
um avião gelou o sonho e a aurora
Uma flor crepuscular desafia o delírio
litania de fome destruindo o desejo
e uma cidade, angustiada, afoga-se
na sua própria imagem
sem que lembrada seja
como o sabor do pão
para ninguém.
NAVALHA
O
próprio nome assusta
embora
seja só
uma
operária a sangrar
a
pele da fruta. Como um sol
multiplicando-se
no seu corpo de aço
marfim
ou corno de boi: como um sino
vibrando
se se toca
com
ela numa pedra
de
casa ou sepultura.
Com
ela limpo às vezes
o
lixo do tempo: sóbria mergulhadora
em
unhas, pães, barrigas.
Fechada
é como um nome
calado
para sempre.
ns
in “Os objectos inquietantes”
Prémio Revelação/Poesia 1990 da
A.P.E.
Editorial Caminho
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