quinta-feira, 28 de maio de 2020

Para um minuto de meditação - 5


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  "A Arte humaniza. Por isso é que a arte que o é verdadeiramente constitui o perfeito contrário da normalização, da pornografia e do autoritarismo"
Maynard Blechert

Dois poemas de Maria Azenha






Século vinte e um

(Ouvem-se passos de ferro
correndo pela terra inteira.)

Há uma parede branca com um poema esmagado
dentro do peito.
É filho da neve e do Castelo do Medo
– um homem abandonado à sua sede –
cujo cadáver clama por ele.
Vive e chora no Labirinto de Dédalo.
Urina sem piedade
nas mãos de Deus.
*

Três retratos para Fassbinder
I
Nestas cidades desertas há rosas de neve
onde não passa ninguém.
II
A criança está amarrada a uma ave cega
e o seu coração sangra de um espelho
para dentro da luz.
III
O Cavaleiro escarlate
solta a poeira do espelho
num cavalo preso
a duas árvores sempre quietas
Entra pela primeira vez dentro
da morte.

in A casa de ler no escuro , Edit. Urutau, Pontevedra/São Paulo, 2016

Sobre o medo - Um texto de Manuel Caldeira


ns



    O medo não aparece no coração das pessoas por acaso ou por geração espontânea.
  É fruto, ao princípio, de um trabalho de sapa ou insolitamente nu e depois incessante, da infantilização pela propaganda veiculada, por exemplo, por certos jornais, têvês e rádios através da actuação contínua de cómicos ou dramáticos, ou de peralvilhos e peralvilhas que rebaixam o espírito e o tornam apto para o desleixo, o apego à frivolidade, à indiferença e à preguiça mental e pela acção de seitas políticas com a sua lavagem ao cérebro quotidiana e martelada; e pela prática de mandões e chefões sem ética e sem vergonha, manhosos manipuladores.
   Finalmente e no limite por meio da intimidação induzida e provocada por grupos roçando a ilegalidade, aparece então o medo. O medo inclusive de agir ainda que legalmente, de criticar poderes públicos e por fim o medo até de falar ou escrever livremente.
   Esse medo é a raiz do autoritarismo e da autocracia ainda que esta se disfarce com as lantejoulas da democracia popular incrementada por cínicas ou insensatas organizações pseudo progressistas que estão norteadas por destacados oficiais do mando aparentemente democrático, com seus ramos mediáticos e derivados.
   Nesta conformidade impõe-se de facto afastar o medo dos nossos corações e das nossas mentes, mediante a certeza da nossa razão e do direito que nos assiste de viver em dignidade seja presente ou futura.
    Não devemos esquecer a máxima de Abraham Lincoln, que aliás com outra escrita faz parte da Constituição lusitana: "Quando a nação está dominada por díscolos ou irregulares o Povo tem o direito de se insurgir".
   Este é um dado nuclear da nossa real cidadania que não convirá esquecer.

                                                                            (Publicista e bonecreiro)

Um poema de Jules Morot


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    Jules Morot, francês de fio a pavio, não podia deixar de ser um poeta que raciocina sobre a questão da escrita e da literatura que se organiza sobre aquela e, naturalmente, sobre a vida que lhe reside em torno, antes ou depois do acto.
   Sendo originário do Loire, essa - e cito - “região pacífica da exuberante paisagem, vinhas, longas praias arenosas e sapais, salpicada de castelos, solares e zonas de caça e na qual os prazeres bucólicos se misturam com a fruição de cidades fascinantes”, um pouco desse rincão encantado lhe percorre o que pensa, o que escreve, o que inventa.
   Assim sendo, é natural que se detecte nele um fundo mágico que o lança em composições nas quais tenho percebido duas coisas fundamentais: o amor à natureza e ao pensamento especulativo (o que se oferece, por exemplo, nos seus poemas “O besouro” e “Mozart” dados a lume na DiVersos nº 7 - revista de poesia e tradução de José Carlos Marques).
   Creio que o mesmo se poderá dizer do trecho que aqui vai para se ler e que do mesmo modo explicita o seu mundo interior, vazado numa afirmação que afinal é interrogação sistemática mediante os ítens que o enformam e que, ao cabo, reflectem o homem e o autor fascinado ante os mundos de baixo e de cima – que o mesmo é dizer os do espírito e os da luminosa materialidade.


O LUTO A  ALEGRIA

Os amigos que estão
no seu pé de página
como em caixão florido
pelos tempos futuros
têm de nós o gesto mais perfeito -

um sorriso transido mas mesmo assim
verdadeiro
e muitas mãos para afagar lembranças
e muitos dentes luzindo para criar   o verão
e muitos olhos  em repouso para dizer   que é tarde

e muitos gritos para dizer que é cedo
e que é a hora de acordar
e de dormir porventura
e de bailar entre as árvores
e de correr entre as sombras
e a luz que elas provocam
e de sofrer um pouco
um pouco ainda
como crianças sem remorso  sem dor  sem amargura
de novo em viagem

sem efígie sonhada 
e já desaparecida.  
        

Jules Morot
in “Le mardis-gras”

                                      (Tradução de ns)

(Mais de e sobre Jules Morot, aqui)

The Animals - The House of the Rising Sun



segunda-feira, 25 de maio de 2020

Para um minuto de meditação - 4


Nicolau Saião, Sem título



"Na alta política e ambientes económico-financeiros há interesses coordenados e evidências comuns. Não amizades. Quando muito haverá solidariedade de círculo ou, nos casos mais agudos, a chamada 'solidariedade de crápulas'. "

                                                                    Samuel Handerson

Dois poemas de José Pascoal


Nicolau Saião, Sem título



TÉCNICA DA TRISTEZA

Paradas,
As cadeiras esperam o convite
Para que nos sentemos nelas.

As cadeiras não têm coração.
São máquinas dispostas a tudo.

Sento-me numa e lembro-me
Como quem não respira.

Não tenho nenhuma palavra a deixar
Aos meus.

A INVENÇÃO DA PRIMAVERA
A Primavera é feita de costumes
Brandos e bravos,
Vento que purifica os corpos,
Luas perfeitas como lâmpadas,
Livros sagrados por abrir,
Mãos que se abrem a sorrir.

É uma Primavera inventada
A partir dessa estranha calma
Que me invade nas noites sem dormir,
Sem saber quem serei
Quando o sono me levar
Para o último mar.

Depois de consagrada,
Não me falta mais nada.
                           
(Poeta e internauta, criou a página digital Gazeta de Poesia Inédita)                    

Vincenzo Quillici ou a doçura sufocada



Nicolau Saião, Para Quillici

    Conheci Vincenzo Quillici em Junho de 99, aquando da minha estadia em Paris e em Bruxelas para lançar na Livraria Lusófona, frente à Sorbonne (e, a seguir, numa galeria da capital belga que tinha o ambiente dos contos de Jean Ray) o meu livro de poemas “Flauta de Pan”.
   Chamou-me a atenção aquele homem que se mantivera ligeiramente à parte da assistência luso-francesa enquanto o apresentador, depois um confrade e, finalmente, eu mesmo debitavámos com o melhor esmero as nossas orações de sapiência…Usava um chapéu de abas largas e uma gravata fina à Gary Cooper, serve dizer: daqueles objectos ornamentais tão usuais nos filmes dos anos 50 com que os dandys pistoleiros criavam o seu pessoal cenário de elegância…
   Mais tarde, soube que não o fazia para se singularizar, mas apenas porque amava a fantasia percorrida por um senso-de-humor inteiramente partilhado com os amigos e as outras pessoas em geral.
   Disse-me que viera ali para me contactar; pois, encontrando-se em Paris, amigos comuns lhe tinham dado a notícia do evento e a localização da funçanata.
   Finalizámos o encontro, já tarde na noite, em frente de umas canecas de cerveja irlandesa, perto da Rua do Rivoli, acompanhadas de filetes de vitela. Quillici comia com apetite e com uma espécie de concentração a que eu chamaria artística: por duas vezes, ao que recordo, solicitou ao empregado que deixasse a espuma da preciosa bebida um pouco acima das bordas, pois ficava mais sugestiva…mais apetitosa.
   Ao despedir-se, deixou-me nas mãos uma pequena brochura contendo dezasseis estorinhas que classificarei de surpreendentes e apelativas, em vista do seu específico humor negro tranquilo e sedutor, mas que eu também diria percorridas por uma evidente melancolia.
   Desse livrinho, que depois ampliaria principalmente por incitamento de Maria Darmyn, com quem entretanto contraíu matrimónio, extraí e traduzi três relatos de que aqui vos deixo o primeiro, com agradecimentos e um abraço ao seu autor.

       O FLIBUSTEIRO
   Foi um pouco antes do jantar, depois de vir do escritório, que o Basile teve a certeza de que era cornudo.
Era uma segunda-feira. Basile – Basile Cambon, como o grande homem de Estado – saía sempre depois de todos os empregados se despacharem. A menina Capitoline, a dactilógrafa e recepcionista, dissera-lhe como sempre com os seus olhinhos de carneiro mal-morto: “Quer que feche, senhor Basile?”. E ele, como sempre, respondera: “Não, deixe estar. Vá andando que eu depois fecho tudo”. Toda a gente, desde o Rimet, o estarola que também fazia as vezes de caixeiro-viajante quando calhava, até à madame Sidonie, que a Casa herdara da anterior gerência, sabia que ela estava apaixonada por Basile, mas ele só se servia disso para lhe atirar para cima do lombo uns leves trabalhitos inadiáveis. Também toda a gente sabia que o patrãozinho Cambon, sucessor do velho Ignace, gostava muito da esposa, a dona Renate filha dos Blondine das ourivesarias. Nem constava que ele se desalinhasse até quando ia, o que aliás depois do casório se tornara muito raro, aos serões das Folie Bergères.
Às vezes até se davam ao trabalho de falar no casal perfeito que eram Basile e Renate.
Comeu a refeição quase em silêncio. De vez em quando, entremeado na escassa conversa, um olhar saltava em direcção à face da esposa, que com os lábios vermelhinhos e os cabelos arruivados aguentava muito bem uma segunda e até uma terceira mirada. E o peitinho de rola até lhe arfava, ela que era dada a fagueirices como Basile muito bem sabia.
Aí por volta da sobremesa, Basile percebeu quem era o destruidor do seu lar: o Patrice, evidentemente, o tal que nas festas de aniversário, de Carnaval e de antigos alunos do liceu tinha o hábito de pôr um monóculo e de imitar o Maurice Chevalier e o Coluche. Um tunante, é claro, mas sabe-se como as senhoras românticas se pelam por tal género de energúmenos.
Ainda tentou dizer para si mesmo que ninguém iria reparar, que tal coisa era na cidade o pão-nosso de cada dia, que muitos dos seus conhecidos também participavam de tal estatística. Mas nada o consolava. Sentira assim como uma cabeçada no plexo solar e, quando passara a Renate a tacinha da compota, até as mãos lhe tremiam.
Com a classe herdada de seu pai, um homem honrado dos pés à cabeça, fez que não reparava na evidência da traição. Mas o coração estalava-lhe de comoção camuflada.
Foi para o escritório sem dar sequer uma palavra à esposa, que aliás nem se deu conta do gesto: pairava é claro noutros universos e o nariz reluzia-lhe sem embaraços.
Passou as mãos pelos seus velhos livros, seus companheiros de aventura. Do armário tirou os calções de pano grosso, o casacão de alamares, o chapeirão e o sabre. Ajustou, depois de bem enfarpelado, o par de pistolões em cruz no cinturão largo de couro com a grande fivela de prata. O papagaio estava, como sempre, no poleiro da cozinha: foi só tirá-lo de lá e colocá-lo sobre o ombro.
Estava pronto. Desceu ao quintal, o quintal grande e arborizado que a mãe Cambon tanto ornamentara e melhorara. Acenou para o seu imediato, com a larga mão aberta, o sinal de zarpar. E desta vez é que já não voltaria.
Assim como assim, afinal, no fundo nunca gostara muito de Paris.

  *

Vincenzo Quillici (França, 1967). Poeta e contista. Fez parte do brilhante círculo de jovens autores que agregou, para além dele, os poetas Marcel Delpach e Jules Morot, o pintor/ensaísta Jacques Tombelle e a musicista Maria Darmyn. Professor agregado num estabelecimento de ensino na Gardanne (Provença), deu a lume poemas avulsos e “Recits du parc”, pequenas histórias do quotidiano onde brilha uma crueldade terna e desenvolta.  

Ernesto Cortazar, Beautiful Piano Music



quinta-feira, 21 de maio de 2020

Para um minuto de meditação - 3


Nicolau Saião, Sem título



“Os que sonham de olhos abertos têm possibilidades de encontrar coisas que os que só sonham de olhos fechados nunca encontrarão”.
                                                                           
Edgar Allan Poe

Crónicas do Tejo


Caricatura de José do Carmo Francisco pelo lápis mágico de Aniceto Carmona



Crónica ou quase-poema para o som de uma voz de mulher

A tua voz tem a extensão, o timbre e a altura da forte alegria teimosa contra a névoa da melancolia e da tristeza ao fim da tarde nas ruas da cidade de Lisboa. Quase ninguém repara mas, de súbito, na tua voz há pomares nos passeios, há moinhos nos jardins e fragatas azuis entre as duas margens do estuário do Tejo.
Diria então por outras palavras – há na tua voz o som da alegria que nasce da terra, seja nas mulheres que colhem no seu avental a fruta do tempo, seja nas outras que tiram dos alforges o grão que os rodízios de madeira do moinho vão transformar em farinha, promessa de pão no calor do forno ou seja ainda nas despedidas das mulheres aos homens das fragatas entre melões para os Mercados de Lisboa ou madeira e cortiça com destino às fabriquetas do Poço do Bispo.
Há sempre três mundos no pequeno mundo da tua voz (animal, vegetal e mineral), um mundo que junta as pedras, os arbustos e os cavalos incansáveis no seu trabalho de transportar homens e produtos que mais tarde serão mercadorias.
A tua voz, mesmo quando se torna adversativa (o mesmo é dizer mas, porém, todavia, contudo) tem sempre um pequeno sopro de ternura fazendo assim com que se torne tudo menos agressivo para quem ouve, aceita e toma a sério.
A tua voz tem o registo da mais alta Poesia, instável mas feliz ponto de encontro entre a saudade e o sonho, entre o passado e o futuro, entre a sombra e a luz. Porque, tal como numa liturgia urbana, há no ouro das alfaias da tua voz um tempo de celebrar, de convocar, juntar e harmonizar de novo tudo aquilo que, no nosso coração, a morte acabou por separar.

                                         (Poeta, cronista e publicista desportivo)

Antologia


Carlos Garcia de Castro
(12 de Novembro de 1934 -13 de Novembro de 2016)



PARA A MADEIRA

Rasgada a árvore, a fímbria é de veludo,
desde a raiz ao galho, o mais discreto.

Todo o machado, toda a serra cortam,
suor de seiva às ordens para as lareiras,
olhos dos montes, cadelinhas fixas,
fazem-se mochos para assentar as cruzes.

Os ossos se aliviam no buinho.

A mão do homem sofre, é dolorosa,
mas é precisa já a tábua erecta
para a cama e para as cadeiras, para a mesa
do pão que dá sossego – amor e sorte.
À boca dos caixões se traz farinha,
que é basto o lavrador na salgadeira,
tem os barrotes com fumeiro alado.
Pele inocente que a garlopa alisa
às linhas e às fissuras do graminho.
Formão e escopro, goivas, uma enxó,
as mãos se fazem de martírios ágeis
para os instintos de morrer na cama,
à beira das portadas, das janelas.
E ao lusco-fusco do fazer dos filhos,
a paridura os dá com seu destino
no berço que é redondo, pau de azinho.

– Eis o mistério das madeiras limpas.


GAJO PORREIRO

Não me convinha, se morresse agora.

– Quem é que havia de levar o carro
para transportar para casa as nossas compras?

A dor chorada é sempre precisada,
nós não choramos só por nossa conta,
mas é por nossa conta que choramos.

– Quem é que havia de levar o carro
para transportar para casa as nossas compras?

Não me convinha, se morresse agora.

Faz sempre falta quem não faz mais nada
das frágeis miudezas e chatices,
pequenas nicas úteis dispensáveis
que ao dia-a-dia dão sustentação.
Faz sempre falta alguém assim em casa
que pouco faz mas sempre vai fazendo,
como num Quadro o seu caixilho à volta,
tão supletivo, secundário, inútil,
que o Quadro faz mais vista se o tiver.

As casas, nos seus móveis, corredores,
nos seus lugares à mesa, ajustamentos,
arrumações, cuidados, diligências
que até numa toalha são sinal
de bem dobrada para não dar trabalho,
trazem indícios do morrer de alguém
que de manhã ligava o esquentador,
nunca esquecia as chaves , e à noitinha
baixava as persianas das janelas.
Alguém assim faz falta quando morre,
porque não pode já deixar recados,
não vai de companhia fazer compras,
não vai levar nem já buscar amigos …
… e agora! que fazer àquele carro?
… quem vai agora já escolher os vinhos?
… quem é que tem mais ditos para as visitas?
… e o IRS, as contas, pagamentos?
 … quem vai à Caixa levantar dinheiro?
– tudo tão simples, de ansiedade e fluido,
mulher e filhos também são tarefas
de ir ao vidrão e lá deitar garrafas…
… fazer rascunhos e escrever à máquina
 … deitar lá fora o lixo, ir aos Correios.
Alguém do nada, só morrer faz falta.
A dor chorada é sempre precisada.
Ninguém faz nada, é sempre alguma coisa,
porque ao morrer, essencial canseira,
figura que já foi destes cuidados
persiste como um quadro de Pintura
ali deixado sem o seu caixilho.

Uma existência vale mais que as artes,
mesmo que o Quadro fique sem caixilho.

Para o mesmo Quadro façam mais molduras,
interessa mais o Quadro que o caixilho…

… mas não se esqueçam de levar o carro,
e é já para o ano, ao posto de Inspecção.

Alguém será capaz de o conduzir.      
     
                                                      *
    Poeta, memorialista e ensaísta, nasceu em Portalegre em 1934. Licenciado em Ciências Históricas e Filosóficas, foi professor dos Liceus, de onde, na área das Ciências da Educação, ingressou no quadro da Escola do Magistério Primário de que foi director de 1976 a 1989. Transitou para o quadro da Escola Superior de Educação como director do Centro de Recursos e Animação Pedagógica. Leccionou cursos de especialização; aposentou-se dessa Escola na categoria de professor adjunto.  Foi  sócio-fundador  da CERCIPORTALEGRE (Cooperativa para a Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas). Estatuiu o Ensino Pré-Escolar oficial em Portalegre.  
    Publicou Cio (1955); Terceiro Verso do Tempo (1963); Portus Alacer (1987); Os Lagóias e os Estrangeiros (1992); Rato do Campo (1998); Gloria Victis, não-poemas (2007); Loja, contraloja e armazém (memórias, 2011) e, antes deste, a antologia  Fora de Portas na Editorial Escrituras, de São Paulo (Brasil).
                                                       (Ver texto de análise e mais poemas aqui)

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Para um minuto de meditação - 2


Nicolau Saião, Meditação


Um dia, num mosteiro, um dos irmãos superiores disse que a Deus nada era impossível e solicitou aos aprendizes que glosassem o tema de diversos pontos de vista, mediante pequenas frases escritas. Depois de ler várias, o mestre embatucou ao olhar uma delas. Eis o que o aprendiz escrevera: Conseguirá Deus, numa partida de bisca em que o trunfo seja copas, ganhar a um valete de trunfo com o dois de paus?
                                                                                      Sir Charles Burnbridge

A noite cai


Nicolau Saião, Noite




A noite cai sem medida
sobre os ossos do medo
o silêncio é agora
uma floresta de ausências
um intervalo
entre nascer e morrer

a noite
pórtico do sono
entre colunas e capitéis

escrita submersa
nas ondas do cérebro
as lágrimas diluídas
o rosto do riso
que resta

a noite
as árvores silenciosas
o vento perdido
as pedras sepultadas
no alto das colinas
                                                       Luís Serrano

Os cenários truncados


João Garção, Passarões



OS PASSARÕES

   Numa visita ao Norte, Marcelo Rebelo de Sousa declarou aos jornalistas que o rodeavam, respondendo a uma interpelação colocada por uma conhecida repórter, que Francisco Sá Carneiro lhe tinha aparecido no jardim do Palácio de Belém, quando perambulava entre as flores, sob a forma dum pardal.
   Mais tarde, enquanto visitava uma queijaria referiu, a uma pergunta dum outro que, aquando da visita à obras dum troço do Metropolitano, o mesmo Sá Carneiro lhe aparecera de novo numa das pedras da parede do dito entreposto.
   Claro que umas horas mais tarde, depois do seu regresso a Lisboa, o mais alto magistrado da nação teria sido visitado por uma equipa médica do Hospital Júlio de Matos que, com boas palavras e com o método empregue nestas circunstancias especiais, o levaram para ser internado naquele estabelecimento de saúde onde seria sujeito a profundas análises.
    Evidentemente, como os leitores já perceberam, tal cenário é não mais que fantasia, estorinha de proveito e exemplo para chegarmos a conclusões sequentes.
    Porque um paralelo cenário, abracadabrante, teve realmente como protagonista um chefe de Estado ainda em exercício num país onde a sua acção e a dos indivíduos que o apoiam tem provocado e continua a provocar a miséria generalizada da população, além de arbitrariedades, perseguições, encarceramentos e outras amenidades usuais nas governações destes cavalheiros sem vergonha, sem ética e sem qualquer autoridade moral.
   Nem preciso, creio, de lhe dizer o nome. É o mesmo indivíduo que, em espaços lusitanos, gente da sua formação ideológica e se calhar intelectual e mental,  louva e propagandeia sem o mínimo bom-senso e pudor.
   Bem no fundo, eles claro que sabem que o indivíduo em causa nem está louco nem as suas declarações são fruto de alucinações paranóides ou esquizofrénicas. Que foram feitas com o único intuito de utilizar o atraso e a ingenuidade que ele pensa ou sabe existir em grande parte da população do país onde repoltreia a sua figura totalitária.
  Para estes correligionários, estes asseclas, o acto de mentir é pois apenas um detalhe compreensível, um esforço mais, que eles acham legítimo, para ajudar a impor a sua prepotência, que eles gostariam existisse em todo o mundo.
   Foi o que fizeram durante muitas décadas e continuam a fazer, por exemplo aqui e agora, dando apoio às mentiras chinesas e às cínicas “explicações” do lamentável director-geral da OMS, que sem pudor tenta tomar os cidadãos por primários a exemplo do que fazia no seu país.
   Pobre Venezuela, pobre sociedade, lusa incluída, onde turiferários como estes Maduro e Tedros ainda subsistem e tentam, contra tudo e contra todos os que não os aceitem, impor a sua agenda de verdadeiros delinquentes políticos! 
                                                                                               Aloísio Alecrim

Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...