ns
Jules
Morot, francês de fio a pavio, não podia deixar de ser um poeta que raciocina
sobre a questão da escrita e da literatura que se organiza sobre aquela e,
naturalmente, sobre a vida que lhe reside em torno, antes ou depois do acto.
Sendo originário do Loire, essa - e cito -
“região pacífica da exuberante paisagem, vinhas, longas praias arenosas e
sapais, salpicada de castelos, solares e zonas de caça e na qual os prazeres
bucólicos se misturam com a fruição de cidades fascinantes”, um pouco desse
rincão encantado lhe percorre o que pensa, o que escreve, o que inventa.
Assim sendo, é natural que se detecte nele
um fundo mágico que o lança em composições nas quais tenho percebido duas
coisas fundamentais: o amor à natureza e ao pensamento especulativo (o que se
oferece, por exemplo, nos seus poemas “O besouro” e “Mozart” dados a lume
na DiVersos nº 7 -
revista de poesia e tradução de José Carlos Marques).
Creio que o mesmo se poderá dizer do trecho
que aqui vai para se ler e que do mesmo modo explicita o seu mundo interior,
vazado numa afirmação que afinal é interrogação sistemática mediante os ítens
que o enformam e que, ao cabo, reflectem o homem e o autor fascinado ante os
mundos de baixo e de cima – que o mesmo é dizer os do espírito e os da luminosa
materialidade.
O LUTO A ALEGRIA
Os amigos que estão
no seu pé de página
como em caixão florido
pelos tempos futuros
têm de nós o gesto mais perfeito -
um sorriso transido mas mesmo assim
verdadeiro
e muitas mãos para afagar
lembranças
e muitos dentes luzindo para criar o verão
e muitos olhos em repouso para dizer que é tarde
e muitos gritos para dizer que é
cedo
e que é a hora de acordar
e de dormir porventura
e de bailar entre as árvores
e de correr entre as sombras
e a luz que elas provocam
e de sofrer um pouco
um pouco ainda
como crianças sem remorso sem dor
sem amargura
de novo em viagem
sem efígie sonhada
e já desaparecida.
Jules Morot
in “Le
mardis-gras”
(Tradução de ns)
(Mais de e sobre Jules Morot, aqui)
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