terça-feira, 26 de julho de 2022

Para que a Terra não esqueça

 

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"Ninguém estará em segurança" com Putin no poder


O jornalista britânico John Sweeney, autor de um livro biográfico sobre Vladimir Putin, acredita que “ninguém estará em segurança” enquanto o presidente russo continuar no poder, e avisa que a guerra na Ucrânia é uma lição de democracia.

 

   “Penso que o que os ucranianos nos estão a ensinar é que a democracia deve ser defendida, a liberdade de expressão não é oferecida. E penso que devemos prestar atenção ao que está a acontecer na Ucrânia”, afirmou Sweeney à Agência Lusa, a propósito do lançamento do livro “Killer in the Kremlin” [“Assassino no Kremlin”].

   “Durante demasiado tempo vivemos demasiado confortavelmente e tornámos-nos ligeiramente ‘zombificados’. Mas a Rússia é uma ameaça. Enquanto Putin estiver no poder, ninguém estará em segurança. Temos de fazer-lhe frente”, afirma Sweeney, que estava em Kiev quando a Rússia lançou a ofensiva militar sobre a Ucrânia, em 24 de fevereiro.

   O livro, que se anuncia como um “relato explosivo do reinado de terror de Putin”, é o resultado de 22 anos a seguir o ex-espião e agora presidente, desde a guerra na Chechénia nos anos 2000, quando diz ter visto “provas de crimes de guerra do exército russo”.

(Dos jornais)

 

   Este livro existe como escrita e como publicação porque vigora a liberdade de expressão, um dos fundamentos da Democracia. E é isso que aqueles que perfilham as ditaduras quer sejam de direita ou de esquerda atacam e odeiam, tanto mais que por cumplicidade também têm as mãos tintas de sangue e não querem ser desmascarados.

Alvino Redondo


Dois poemas de Jean Hautepierre (trad. de Cristino Cortes)

 

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PLUTÃO

 

Eu sou Aquele que reina no meio dos Infernos,

Senhor dos tormentos e das escuras margens

E dos grandes medos que roem os rostos,

E das sombras gritando no retinir dos ferros!

 

Reino sobre um povo acabrunhado pelo sofrimento,

Embriagado pelos cantos duma infelicidade eterna.

Sísifo excitado que se esmaga e recomeça;

O Estige e o Aqueronte correm no seu fluxo vencedor.

 

Eu vejo o infinito, pálido de indiferença,

O meu imenso universo de chamas e de noite

Acompanhado pelo Cerbero - e como ele eu me aborreço

Porque eu já vi muitas coisas, demasiado vi esta sombria batalha

Em que a Dor, a minha mestra, nunca fica satisfeita;

E na longa noite pelas nuvens percorrida,

Pelas chamas, pelas fúrias roendo as carnes feridas,

Dilacerando tudo com o seu infindável e terrível ardor,

O meu escravo, o Tempo, o grande Perseguidor.

 

 

DEMÉTER

 

Os campos inteiros, extensões douradas

Agitavam-se ao vento, orgulhosas vítimas,

E o fogo que dourava as suas extremidades

Jamais teve um tão belo cenário;

 

E na imensidão do azul, qual ilha majestosa,

Uma nuvem branca atravessando os céus

Rolava com lentidão a sua massa volumosa

As suas catedrais de água e sonhos enevoados.

 

De repente, estalando as suas paredes numa dança eterna,

Fazia cair sobre tudo as pesadas chuvas de Verão,

Brilhante, fugida das sombras e da ausência,

Trotava sobre um carro de ouro, no ar imaculado,

A loura Deméter, a rainha dos campos de trigo.


José do Carmo Francisco, Dissertação para uma foto de Alfredo Cunha

 


Entre a água e a terra, a mulher vence uma distância não apenas de quilómetros mas de gerações. Entre a solidão do corpo e a força dos seus passos, há uma apoteose de duas cores: os lutos são negros, os sonhos são brancos. Esta mulher não para nem pode parar.

Há nela o peso do Mundo anterior e a leveza do Mundo a chegar. A água vai subir, tudo se altera todos os dias mas a memória do momento não será destruída nem vai perecer. O fogo morre, o forno arrefece, a luz apaga-se, o dia acaba mas uma mulher de negro fica na fotografia de Alfredo Cunha e dela já não vai sair. Permanece na página 444 do livro «O tempo das mulheres».  


Joan Manuel Serrat, Para la Libertad

 



terça-feira, 19 de julho de 2022

Para que a Terra não esqueça

 

Salgado e Sobrinho acusados no caso BES



A alegada má gestão do BES Angola que levou a um buraco de 6 mil milhões de euros e a alegada burla do aumento de capital do BES de junho de 2014 são as duas novas acusações.

(Dos jornais)

 

Grandes homens…grandes exemplos para todos!

Raúl Biscaia


Dois poemas de Neil Curry (trad. de Francisco Craveiro de Carvalho)

 

Outros Quartos  

 

Mais tarde, tudo o que ele conseguia lembrar com clareza

Era o barulho feito pela chuva, salpicando

Os papéis que envolviam as flores

 

Que alguém estivera a dispor em volta da sepultura.

Afastou-se da janela. Quando as pessoas estão

Sempre à janela tendem a ser esquecidas.

 

E mexeu numa almofada, mas sem se sentar.

Ter partido, uma pessoa precisa de ter sido,

Ser alguém a quem aconteceu uma vez alguma coisa.

 

Pensou em fazer talvez um pouco de chá. Quando

não há amor que chegue perto de nós,

Devem ser os mortos a passar sem ele.

 

Um outro quarto, outra fronteira. Haveria

Outras: escadas e portas. Ele conseguia

recordar o conhecimento carinhoso dos seus corpos.

 

Estas eram as luvas dela. Havia alguma coisa parecida,

Pensou ele, com a imortalidade na sua saudade.

Noutro lugar estariam os sapatos, e outras coisas.

 

 

Em Samos: Uma Pergunta 

 

“E tu, meu filho, de que madeira és feito?”

Não era uma pergunta. Podia ver isso.

Era um Beneditino e muito atraído

Pela minha bengala: a sua elegância,

 

Em ébano, o punho macio em cabeça de cão

Virada para trás: olhar triste e um toque

Lúgubre na linha do seu queixo.

Comprara-a no Grand Bazaar

 

Em Istambul, tinha sido atraído

E fora enganado por ela também. Só

Ao chegar a casa  me apercebi

De que, de facto, era apenas bambu lacado.

 

Mas andara mais de trezentas milhas com ela

Em três semanas e o monge estava impressionado.

Não, não era uma pergunta. Sabia isso.

Mesmo assim preferia que ele não tivesse perguntado.


João Garção, Porquê estudar História?

 

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Algumas pessoas consideram que a História (como Ciência, mas também como disciplina escolar) acaba por não ser mais que o amontoar de datas de batalhas, de revoluções e de vidas e feitos de personalidades mais ou menos distintas, mas que o inevitável passar dos séculos há muito consumiu e tende a lançar no esquecimento das novas gerações.

E, por isso, perguntam: “qual é o objetivo de estudar vidas passadas, conflitos há muito enterrados, países e impérios há tanto tempo desaparecidos, crises há tanto ultrapassadas? Qual é a utilidade de analisar tempos e lugares que já não são os nossos e nos quais não voltaremos a viver? Por que razão tem importância saber datas, nomes ou acontecimentos que na nossa vida profissional não terão qualquer aplicação prática?”...

Contudo, a disciplina de História é uma das mais importantes disciplinas curriculares que um aluno pode ter no seu trajeto de vida escolar. Vejamos, de seguida, alguns dos motivos que me levam a efetuar esta afirmação.


1 – A História ajuda-nos a compreendermo-nos.

O desenvolvimento individual, nas suas diversas facetas, está intimamente ligado à progressiva construção, por parte de cada pessoa, de um sentimento de identidade. Ninguém consegue posicionar-se corretamente no mundo (nas suas relações com os outros, na sua pertença a grupos, na exibição das suas preferências, na afirmação das suas rejeições...) sem desenvolver esta perceção de si próprio. “Conhece-te a ti mesmo”, aconselha um antigo ditado grego, reforçando uma máxima semelhante que já no Antigo Egito era difundida e que posteriormente não deixou de ser divulgada. Na verdade, perguntemo-nos: acaso conseguiremos pretender viver à altura das nossas esperanças e dos nossos sonhos se fingirmos que não nos conhecemos, procurando - ingenuamente - enganarmo-nos? Como conseguiremos (como propunha o filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson) ‘prender o nosso destino a uma estrela’ se, querendo olhar o céu, perdermos o solo sob os nossos pés porque não sabemos sequer onde estamos e que terrenos são aqueles que pisamos? Como poderemos, enfim, querermos mostrar-nos ao mundo e nele nos afirmarmos se não soubermos onde e como nos deveremos posicionar, em função daquilo que somos (com as nossas virtudes e com os nossos defeitos, pois somos humanos) e tendo em vista aquilo que queremos ser?...

Ora, uma boa parte de nos conhecermos e de nos compreendermos passa também por conhecermos e compreendermos o espaço onde nos posicionamos, ou seja, conhecermos e compreendermos o que é e o que foi o território onde vivemos – a nossa comunidade, a nossa cidade, a nossa região, o nosso país. O território que os nossos antepassados ajudaram a construir e onde viveram - esse território que já foi deles, que agora é nosso e que um dia será dos nossos filhos e dos nossos netos.


2 – A História ajuda-nos a compreender melhor o mundo.

 Não poderemos efetuar eficazmente o nosso trajeto pelo mundo sem procurarmos compreender como é que este funciona. Enquanto espécie e enquanto indivíduos, não temos outro mundo, apenas este. Impõe-se, assim, que compreendamos o seu funcionamento, para construirmos um enquadramento que nos ajude a viver tão gratamente quanto possível. Tal passa por compreender os avanços tecnológicos, a evolução das formas de governo, as conceções ideológicas, a maneira como se processou a ocupação dos diversos territórios e as relações que o ser humano com eles tem estabelecido, a forma como a sociedade tem encarado os inovadores e os criadores de beleza ... Mas também passa, é claro, por contactar com manifestações de ódio e de violência, de egoísmo e de cobardia, de maldade e de perfídia, já que nem só de virtudes são feitas as sociedades e os seres humanos (pois, como bem indicou o filósofo francês Blaise Pascal, ‘o homem oscila constantemente entre o Anjo e a Besta’). Compreender o mundo como ele é passa, inevitavelmente, por procurar compreender o mundo como ele foi. E, ao aprendermos com os erros passados, poderemos ter uma melhor abordagem em relação à construção do mundo futuro.


3 – A História ajuda-nos a compreender melhor ‘o outro’.

Estudar História também implica, necessariamente, contactar com maneiras de pensar e de agir diferentes das nossas, protagonizadas por pessoas que, mesmo que tenham as mesmas nacionalidades, religião ou inclinações políticas que nós, ainda assim se encontram de nós muito distantes (não apenas distantes no tempo, mas também – e sobretudo – distantes nas suas conceções de vida e práticas quotidianas). Assim, por exemplo, será talvez mais fácil identificarmo-nos e construirmos afinidades com um islandês ou com um búlgaro atuais, que tenham aproximadamente a nossa idade, do que fazê-lo com um português do século XIII, com um africano do século XV ou com um sul-americano do século XVII. No entanto, contactar com a diferença, como sucede quando se estuda História, também nos familiariza com a existência de perspetivas alternativas, tantas vezes bem diferentes das nossas, em diversos domínios da vida dos indivíduos e das sociedades - perspetivas essas que, para esses grupos e para essas pessoas, faziam sentido, tinham razão de ser e moldavam a sua personalidade, condicionando profundamente muitas das suas ações. Este contacto com o diferente, se o fizermos visando a sua compreensão (mais do que fazê-lo para julgarmos criticamente essa diferença à luz dos nossos princípios e das conceções atuais), pode habituar-nos àquilo que não nos é familiar, àquilo que é diferente, àquilo que não integra a nossa maneira de ser. No entanto, o que não nos é familiar não tem necessariamente de ser detestável, só por nos ser desconhecido ou estranho. Ao estudarmos a História, se o fizermos sem uma atitude preconceituosa, mas antes procurando entender os contextos, as culturas e as práticas diferentes e frequentemente distantes no tempo, acabamos por adotar uma atitude que visa a compreensão do ‘outro’ – mas sem que (atenção!) isso tenha de significar a nossa passiva e indulgente aceitação de tudo o que esse ‘outro’ tenha feito.


4 - A História ajuda-nos a podermos ser melhores cidadãos.

Para podermos agir convenientemente na sociedade (numa sociedade democrática, é claro) impõe-se que sejamos cidadãos informados e com espírito crítico. Não é por acaso que as ditaduras sempre têm procurado esconder informação aos cidadãos sobre os quais lançaram as suas garras, impondo formas de censura (e de autocensura), a par da repressão daqueles que se atrevem a defender perspetivas diferentes das propagandeadas ‘verdades’ oficiais, da dura punição dos que não se conformam com o quotidiano que os rodeia, enfim, daqueles que, criativos e corajosos, ousam sonhar com outras realidades mais estimulantes e mais ricas de possibilidades - não é por acaso que, quando uma ditadura se procura instalar, os indivíduos mais esclarecidos são sempre os primeiros a ser presos, desterrados ou mortos (sejam eles poetas ou escritores, pintores ou músicos, professores ou líderes cívicos, jornalistas ou médicos, por exemplo), caso não se verguem aos ditames ditatoriais.

Ora, dificilmente pode alguém considerar-se um cidadão informado se não tiver efetivamente algum interesse em relação aos enquadramentos históricos da sua comunidade. E um cidadão informado, se é sempre um ‘perigo’ para as ditaduras, também é sempre uma ‘bênção’ para as democracias.


5 – A História ajuda-nos a tomar melhores decisões.

O desconhecimento da História impede-nos de aprender com os erros do passado, pelo que, como bem afirmou um dia o filósofo norte-americano George Santayana, ‘aqueles que não aprendem História estão condenados a repeti-la’. Através do estudo da História, aprendemos os contextos e as motivações, as razões pelas quais os nossos antepassados fizeram o que fizeram, os motivos que os impulsionaram a agir de uma determinada forma, as situações que suscitaram as suas reflexões, os seus comportamentos e as suas decisões. Essa aprendizagem – assim o esperamos – pode ajudar-nos a tomar melhores decisões e a evitar voltar a cair, na atualidade, em erros já cometidos noutros tempos.

A História, pois, é muito mais do que apenas memorizar datas, batalhas ou nomes e tem uma importância muito maior do que aquela que, por vezes, se lhe procura atribuir. Como todo o conhecimento humano estruturado, a sua plena apreciação e utilização também apela à memória em relação às realidades que se constituem como seu objeto de estudo. Da mesma forma que se espera de quem estuda Medicina que não confunda os órgãos do corpo humano ou de quem estuda Engenharia Civil que não se baralhe com as caraterísticas estruturais dos diversos materiais utilizados em construção, também se espera de quem estuda História que conheça (e, para tal, memorize) certos contextos relevantes, determinadas circunstâncias importantes e diversos eventos significativos. E isto não tem necessariamente de ser mau, pois, na verdade, uma das caraterísticas do ser humano é precisamente ser um ‘animal que recorda’ (não é por acaso que a perda de memória que surge na sequência de certos traumas ou acidentes é uma das maiores angústias que uma pessoa pode enfrentar, pela perda de referências essenciais que daí advém).

O estudo da História é, em suma e para concluir, um nosso privilegiado meio de acesso à rica, multifacetada e extraordinária experiência humana.


(Texto para os alunos do terceiro ciclo da Escola Portuguesa de Luanda)

Pink Floyd, Mother

 



terça-feira, 12 de julho de 2022

PÓRTICO

 

Notícias da Cultura

 

   Saiu a edição nº 63 da revista TuriMagazine, que se destina a pôr em destaque as maravilhas turísticas e culturais de Cabo Verde.

   Nela, com chamada de capa, um texto do nosso confrade Joaquim Saial que se refere com pormenor a Pracinha d’Igreja, o Rossio do Mindelo.

   A revista tem uma cuidada apresentação, vazada numa estruturação gráfica  moderna e com uma linguagem apelativa, sendo portanto agradável de ver e ler.

 

*


   A FLOP tem o prazer de anunciar a sua próxima edição: O OUTONO DE OITOCENTOS, uma monumental antologia de poesia traduzida por Margarida Vale de Gato.

 

   O livro reúne textos de autores de língua inglesa, francesa e alemã, de um período que a tradutora define como “de oitocentos”, e que têm em comum um “simbolismo aliado à tonalidade outonal”. 

 

   São quase 50 autores e 300 páginas: de William Blake a Friedrich Hölderlin, de William Wordsworth a Christina Rossetti, de Gérard de Nerval a Emily Dickinson, de Walt Whitman a Charles Baudelaire, de Arthur Rimbaud a Rainer Maria Rilke, entre dezenas de outros. O livro inclui ainda um número significativo de vozes femininas, que na sua maioria permaneciam inéditas em português, como Karoline von Günderrode, Annette von Droste-Hülshoff, Louise Ackerman, Anna de Noailles, Marie Krysinka, Rose Terry Cooke ou Frances Sargent Osgood.

 

   Como sempre, estamos a convidar todos os leitores a co-editarem este livro connosco. Os co-editores receberão a edição por um preço inferior (10€) ao preço final de venda nas livrarias (16€) e, caso queiram, o seu nome constará na lista de co-editores presente no livro.


Para que a Terra não esqueça

 



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Os inquisidores em Famalicão

O MP deseja exibir no pelourinho as consequências de se ter princípios. Não é só a desobediência que perturba o poder: a chatice maior é recusar a ideologia reles que dissimula a natureza desse poder.

(Dos jornais)

 

  O “ministério público” ao querer retirar os filhos aos Pais Mesquita Guimarães, mostrou agora a sua verdadeira face, o descaramento sem subterfúgios de estar ao serviço do crescente autoritarismo da governança assim como o “célebre” Juiz Fleiss estava ao serviço do regime hitleriano e o juiz Bondartchuk à disposição da quadrilha de Estalin.

   Portugal caminha a passos largos para ser uma nação onde reinam os tiques totalitários.

   Este é um dos mais graves indícios da perversão crescente do regime e mostra sem qualquer dúvida que para estes indivíduos, sejam os habilidosos costas ou os patibulares nunos santos, os cidadãos não são mais que gente a pastorear como se fossem reses.    

  Usam a Ideologia coerciva, seja com a cumplicidade de profes sem espinha dorsal ou ética, seja com a desfaçatez de magistrados insensatos e sem cultura democrática.

Afonso Quaresma


Subscrevem, também, este comentário:

nicolau saião

Joaquim Simões

Álvaro de Navarro

Jorge Gaillard Nogueira

Maria Ana de Oliveira


Quatro poemas de Rui Magalhães

 

Ele segue a corrente até antes da fonte

e aí observa as nuvens

reflectidas na terra pura.

É esse o seu modo de tornar-se cego

e de esquecer a bondade que lhe tenta o coração.

 

*

 

Pela madrugada

quando o sol nasce e a noite se apaga

o viajante compreende que o prodígio da luz

traz com ele o esquecimento das memórias mais sagradas.

Deixa por isso que o fogo esmoreça

e parte em busca da verdadeira noite.

 

*

 

O viajante é também um peregrino do silêncio.

Nessa condição observa os pássaros

e espanta-se com a filosofia que eles esbanjam

num rumor de alegria.

Os pássaros fazem-lhe lembrar o que ficou para trás

a condenação que o fez viajante

e a viagem que o fez homem.

 

*

 

À medida que se aproxima da presa

aumenta-lhe a tensão na alma

e nas pernas sente o coração acelerado.

Ao contrário

a presa completamente pacificada com a sua sorte

ignora sabiamente a ansiedade do caçador.

É assim que presa e caçador são acolhidos

pelo bosque magnânimo que a ambos condena.


in O viajante exposto à verdade das coisas


José do Carmo Francisco, Livros e autores

 


Este livro de Ernesto Rodrigues (1956) parte da história de uma família: «Eu tinha dez anos quando meu avô morreu, no Natal de 1966. Defensor do homem livre aquém e além-Atlântico, aventurou-se na terceira margem – a da dignidade – que exige independência de corpo e espírito, sejam indivíduos ou nações. Cumprindo promessas, escrevo esta história, sem ficção, como um sorriso de criança.» A amplitude do tempo da narrativa é 266 anos centrada no avô do narrador (1870-1966) e a sua geografia inclui Rio de Janeiro, Lisboa, Torre de Dona Chama, Ponta Delgada, Porto, Londres, Paris e Budapeste. Sendo a narrativa a saga de uma família (assunto particular) integra na sua tessitura várias figuras públicas das Artes e das Letras (assunto geral) como Marcos Portugal, Gomes Freire de Andrade, Alexandre Herculano, Almeida Garrett, Correia Garção, Castro Alves, Joaquim Nabuco, Machado de Assis ou Jaime Batalha Reis. Há sempre um fundo público e geral no discurso privado e particular como na página 28: «A vida de soldado não é melhor. – Lá isso… Um soldado a mais é um lavrador a menos. É a terra que perde.» Um outro exemplo, página 50: «O primeiro choque deu-se numa esquina discreta: um senhor vendia um negro a preço módico «por ser dia de festa». Vendia um ser humano assim, sem estados de alma, como se fosse um objecto triste, disponível, arrematável. O céu, impávido.» O título do livro tem base na página 54: «Nas margens estreitas das ruas, caminhavam pela terceira». O que fica de ontem para hoje é claro na página 91: «A má vontade contra os portugueses espalhava-se na sombra das conversas». Um livro a não perder.

(Editora: Guerra e Paz, Foto da capa: Marc Ferrez, Design da capa: Ilídio J.B. Vasco, Paginação: André Cardoso, Revisão: André Morgado, Apoio: Câmaras Municipais de Mirandela e de Bragança)


Maíra Basílio, Politicamente correto

 



terça-feira, 5 de julho de 2022

PÓRTICO

 


Fernando Aguiar




  Notícias da cultura


   Saíu recentemente, com prefácio de Elísio Gala e posfácio de Renato Epifânio, o volume “Pensamento e Movimento – Prolegómenos a uma ascese filosófica” da autoria de Pinharanda Gomes. “Numa época em que, de facto, Portugal está a ser filosoficamente colonizado, é premente partilhar obras como Pensamento e Movimento” alerta-nos Renato Epifânio ao suscitar-nos para a leitura deste livro aparecido no âmbito do MIL (Movimento Internacional Lusófono) e em que retomamos contacto com o filósofo recentemente falecido.


*

 

  Recebêmos, de Mário André, o seu livro em jeito de banda desenhada “Quaresma decifrador - O caso do quarto fechado”, baseado numa personagem de Fernando Pessoa e seguindo o texto que ele efectivou. Sugestivo, bem articulado, o livro mereceu a nossa melhor atenção – a que o seu A. faz jus. Em breve se seguirá outra obra, “Crime”, na mesma linha da agora saída sob a égide de Kustom Rats.

  Enfermeiro desportivo aposentado, Mário André dedica-se à banda desenhada desde 2015.


*


    Acaba de entrar em circulação, numa edição das Edições Sempre-em-Pé, o livro A GARÇA IMPASSÍVEL, com traduções de poesia de Francisco José Craveiro de Carvalho, tradutor de poesia e igualmente poeta e catedrático de matemática (aposentado). E ainda, colaborador da DiVersos - Poesia e Tradução, como poeta e como tradutor.

    O acervo constituinte debruça-se sobre 13 poetas de língua inglesa e quatro de língua castelhana.

 Quem desejar adquiri-lo, deverá enviar nome e morada do destinatário e comprovativo de transferência de €10,00 (PVP) por exemplar, para o IBAN PT50 003300004532083023905,contacto@sempreempe.pt      


 *

 

   Sairão ainda em Julho, sob a égide da ULMEIRO, o livro “Julião e outros textos” de José Ribeiro e o álbum “50 anos…50 fotografias” de Armando Cardoso.

     Na altura da sua vinda a lume voltaremos a equacioná-los, com indicações precisas de como os interessados poderão adquiri-los.

 

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Para que a Terra não esqueça

 


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Terão existido mais de 1500 vítimas de abusos


    Comissão liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht para investigar abusos sexuais na Igreja Católica acredita terem existido mais de 1500 vítimas.

     Números serão publicitados numa conferência.

(Dos jornais)

 

Sem comentários


José do Carmo Francisco, O gato de Fernanda – nove fragmentos

 

Artesanato da ilha de Bali


Atento, discreto, pacato. No perímetro da luz, olha a dona. O gato.

 

No lume aceso com a lenha do barracão antigo, as sombras são afastadas até ao sótão da

infância. Aos gatos, sua paisagem, seu povoamento.

 

Que força empurra o gato frente ao sol no castanho-luz do telhado?

 

Teu gato a quem a chuva proíbe telhados e terraços. Veio do Egipto num navio de Veneza. No Cacém, sorri à dona portuguesa.

 

Terra trazida. Pequenas partículas de chuva nos limões e nas maçãs, invisíveis memórias de uma terra trazida. Minha terra, perto do teu gato.

 

Vejo intervalos de sol nos telhados do bairro, humidade permanente a respirar nas telhas

como se o prédio fosse um corpo cansado, humano. O gato espreita.

 

Roubar alguns cabelos teus para fazer cordas de uma guitarra. Suave melodia, frente ao

gato.

 

Há no teu olhar telhados infinitos, memória de paquetes brancos no rio e de sardinheiras

vermelhas na varanda ao lado. Luz e calor. Gatos e sorrisos.

 

Há na tua voz um som que incorpora os sinos de Lisboa. De São Roque à Sé, da Conceição Velha à Madre de Deus. Toda a geografia de um afecto assim reproduzido, junto ao gato na janela.


Cristino Cortes, Em jeito de in memoriam

 


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UM ABRAÇO PARA JOÃO RUI DE SOUSA


   Faz hoje, 24 de Junho de 2022, uma semana que João Rui de Sousa morreu e eu ainda me não conformo com o facto de atempadamente o não ter sabido. Foi só alguns dias depois, navegando no sítio virtual do Nicolau Saião, que tomei conhecimento do infausto acontecimento. Não é que tal desenlace tivesse sido de todo surpreendente, dada a idade do Poeta (94 anos) e os problemas de saúde que sabia o afligiam. Mas a morte, por definitiva e irreversível, é sempre triste, custa muito ver partir um Camarada Querido como era o João Rui de Sousa. E eu gostaria de literalmente lhe ter deposto uma flor no túmulo do Alto de S. João. Por esta forma, gostosamente remedeio um mal que sei ser inultrapassável - embora me não possa ser cobrada a involuntária ausência. E a este testemunho decerto que em qualquer caso eu o faria.

  Quando vim para Lisboa, há mais de meio século, e comecei a ter alguma informação sobre o que se passava no campo das letras logo o nome de João Rui de Sousa se impôs ao meu espírito. Não sei agora dizer em que revistas ou jornais terei lido poemas seus que assim tão positivamente me impressionaram. Em 1983, reuniu, pela primeira vez, a sua obra poética - O Fogo Repartido, uma edição da Litexa, com um livro novo, Respirar Pela Água, além dos que até à data publicara nos últimos vinte anos, já que a sua primeira obra, Circulação, é de 1960, isto admitindo que A hipérbole na cidade, do mesmo ano, lhe é um pouco posterior. Lá estive presente, no auditório da Sociedade Portuguesa de Autores, na Avenida Duque de Loulé. Deverá ter sido também a minha estreia em acontecimentos desse género nos idos de Abril desse ano.

  O conhecimento pessoal do João Rui de Sousa deverá ter ocorrido um pouco antes, certamente no âmbito da Revista Sílex, a que ambos estávamos ligados: ele como patrono e garante de qualidade; eu como modesto aprendiz, procurando, sobretudo, ser publicado.  O exemplar que o Poeta então me autografou tem, aliás, a particularidade de apresentar um caderno, dezasseis páginas, colado ao contrário - isto é, de pernas para o ar no sentido normal da leitura. Jamais o quis trocar, privilegiando o autógrafo que nele figura em alternativa à perfeição técnica e à minha maior, e legítima, comodidade. Não haverá muitos mais como o meu - foi o que então pensei.

  No início desses anos 80 ambos coincidíamos profissionalmente no edifício da Biblioteca Nacional. De vez em quando nos encontrávamos nos corredores, decerto que também no bar - ou a caminho do mesmo. Recordo-me que João Rui de Sousa acamaradava então muito com um galego, ou descendente de galegos, José Carlos González - que muito impressionou os meus ainda puritanos ouvidos com o vernáculo da sua linguagem. Umas coisas levam a outras, naturalmente, e quando eu me inscrevi na Associação Portuguesa de Escritores, em 1986 - após a publicação do primeiro livro no ano anterior, curiosamente com a mesma idade com que também João Rui de Sousa se estreara nessas lides - foi a ele que recorri, para o necessário apadrinhamento. Nessa associação viríamos ambos, aliás, a mais tarde colaborar: ele dirigindo a Assembleia Geral, eu fazendo a acta, não suba o sapateiro acima da sua chinela.

  De qualquer forma o nosso relacionamento não evoluiu para uma amizade, mais ou menos estreita. Dificilmente tal poderia ter acontecido, dados os 25 anos que eu tinha a menos do que ele, pouco menos de metade da sua idade de então - ainda por cima tendo caído de para-quedas na cidade, no reino das letras inteiramente amador e sem quaisquer créditos ou formação específica. Além do mais vivia longe, tinha filhos pequenos, pouco me poderia demorar.

  Com o João Rui de Sousa eu sobretudo aprendia - e se aprendi, Santo Deus! O meu apreço pela sua poesia manteve-se sempre - posso dizer que cada vez mais fundamentado da minha parte. Algumas vezes decerto teremos almoçado juntos - por vezes na companhia de outros camaradas de ofício, quase sempre fora da Biblioteca. Com o Cândido José de Campos - que também o apreciava muito - sei que algumas vezes isso aconteceu. Numa dessas ocasiões, certamente no início de 1992, ofereceu-me o João Rui de Sousa o seu então recente Enquanto a noite, a folhagem que na altura muito me impressionou e continuo a considerar como uma das realizações cimeiras da sua poesia. Andaríamos decerto, o Cândido e eu, interessados em que João Rui de Sousa nos pudesse fazer alguma referência crítica nos sítios onde colaborava, a Colóquio-Letras ocupando a primazia nos nossos desejos. Era humano esse comportamento, sem diminuir o apreço e a amizade que pelo João Rui de Sousa sentíamos. Por mim falo, evidentemente. Na revista da Gulbenkian, aliás, no que me diz respeito tal não viria a acontecer.

  Jamais lhe levei a mal, dentro desse mesmo comprimento de onda, que não tivesse conseguido fazer um prefácio para um livro que publiquei em 1999. A culpa foi, decerto, maioritariamente minha - que não esperei o suficiente, porventura receoso de que o editor me roesse a corda. Aí consta o primeiro poema que tive o gosto de lhe dedicar, em homenagem ao seu Palavra azul e quando. Reeditei esses Poemas de Amor e Melodia dez anos mais tarde e aí foi o João Rui de Sousa que não pôde: os seus problemas de visão já o incomodavam seriamente. Estava assoberbado, além do mais, com a reedição do seu Fernando Pessoa, empregado de escritório.

  Com o passar do tempo, quase sem darmos por isso, as nossas relações foram bem mais próximas - embora talvez não muito mais frequentes. Ofereceu-me uma pequena publicação de 1999, Concisa instrução aos nautas, editada pela Câmara Municipal do Funchal, em função certamente da sua ascendência madeirense, por via paterna. Foi o primeiro livrinho acabado a cordel que entrou na minha biblioteca: 14 páginas, em papel quase de embrulho, o próprio agrafo dispensando. Mas é obra a sério, com marginália crítica e tudo.

  Essa característica comum das nossas vidas, no meu caso por via conjugal, foi pasto para interessantes conversas. Mas ele já nascera em Lisboa - e à Madeira poucas vezes fora - ao passo que eu viera para a capital, lá das alturas da Guarda, fazer os vinte anos. Recordo a dificuldade que tive em encontrar e comprar o que creio ter sido o seu último livro, Ardorosa súmula, inaugurando uma colecção de poesia em Novembro de 2016. Aí confirmei como o tema do erotismo, digamos assim, era em João Rui de Sousa cultivado sobretudo na velhice, contrariamente à maioria dos poetas. Forçosamente, nele é a clave evocativa que predomina.

  Mora comigo a satisfação de ter estado presente nos grandes momentos de consagração do seu percurso literário. Estes começaram tarde pois o João Rui de Sousa, apesar de ser muito respeitado entre os oficiais do mesmo ofício, apenas numa fase bem adiantada da sua vida obteve o reconhecimento público a que tinha inteira justiça. Foi na vizinhança dos seus setenta e cinco anos, em 2002, que ele de novo reuniu a sua obra poética - assim mesmo chamada, Obra Poética (1960 – 2000) - numa editora de grande prestígio público e presença comercial. Ao inscrever o seu nome no catálogo da D. Quixote, João Rui de Sousa como que entrou num outro campeonato, se me é permitida a linguagem futebolística. A essa obra, com um notável prefácio de Fernando J. B. Martinho, foram atribuídos os primeiros dois e importantes prémios com que o Poeta foi galardoado: o do Pen Clube e o do Centro Português da Associação Internacional dos Críticos Literários. Na sua sequência também uma sua outra obra, o Quarteto para as próximas chuvas, de 2008, nos seus oitenta anos exactos, viria a receber o Prémio António Ramos Rosa.

  Não me querendo alongar em demasia começarei por referir, por ser o mais antigo, o jantar que lhe foi oferecido pela Sociedade da Língua Portuguesa, num hotel a meio da Almirante Reis, em Maio de 2008. Muito comentámos, ele e eu, e até mais alguns dias depois - dado que no decorrer do acto ele, como homenageado, tinha de guardar uma maior contenção - a gravata roxa sobre o coletinho amarelo de uma das empregadas que nos servira. Fiz questão de estar presente, eu que pouco frequentava estas realizações, sobretudo à noite. Não queria deixar de lhe manifestar a minha solidariedade, um apreço que era profundo e vinha em crescendo, uma estima que bem poderia ser equiparada a uma sólida amizade.

  Em Janeiro de 2011 realizou-se, na Casa Fernando Pessoa, uma sessão comemorativa dos seus cincoenta anos de vida literária. A reduzida dilação temporal começou por ser explicada por Fernando J. B. Martinho. Foi uma muito bela e concorrida sessão em que João Rui de Sousa pôde testemunhar como tantas pessoas o apreciavam e estimavam. E o local foi particularmente adequado para essa celebração.

  Referente ao ano de 2012 é o Prémio Vida Literária que lhe foi atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores, porventura o ponto mais alto desse reconhecimento público. Lá estive, no auditório da Culturgest, no Campo Pequeno, no dia 9 de Julho. Recordo-me que foi José Manuel de Vasconcelos a ler o seu texto e que a sessão foi presidida por Francisco José Viegas, então Secretário de Estado da Cultura. Confesso que mal o vi entrar - e do que disse - se é que falou - bem pouco retive. (Mas também poderá ter acontecido eu ter saído à francesa.)

  Crime de lesa majestade seria, naturalmente, esquecer como João Rui de Sousa era o nosso almirante - por uma vez por tal ter passado, quando ao grupo em que se integrava em determinado dia ter sido recusada a entrada num Clube Naval, por falta de lugar e de marcação. Alguém dos que o acompanhavam teve então a ideia de assim o tratar - e foi remédio santo. Não só para o almoço desse dia, como para a pequena história que, a partir dessa inofensiva mentira, assim se criou. Era como que uma senha, o franquear de uma certa intimidade. Apenas poucos conheciam essa quase lenda e ele próprio, se nela lhe falavam, se fazia desentendido.

  Por tudo isto se compreenderá como me custou não ter estado presente na sua última hora. Outros decerto evocarão a sua obra, os livros que publicou, os estudos em que se ocupou. Sem prejuízo da importância que atribuo aos títulos aqui indicados eu fico-me por este registo mais aéreo e pessoal, ligeiro e lateral, subjectivo e sentimental - mas que espero dê bem a ideia do meu muito apreço pelo Poeta, de como me honro em o ter conhecido, e reconhecido. O João Rui de Sousa foi à frente mas não estará sozinho durante muito tempo. Lá nos encontraremos - indubitavelmente, embora em incerta data. Não há pressa.

  É o meu abraço que por esta forma aqui lhe deixo - e deixo também a esperança de que outros, dele assim ouvindo falar, possam sentir-se motivados a procurar e conhecer a sua poesia. Esta é que verdadeiramente importa, os poetas passam mas a Poesia permanece. Dessa forma, nessa dimensão da existência, connosco continua o João Rui de Sousa. E por muito tempo continuará. E o meu abraço retribuirá.


Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...