terça-feira, 5 de julho de 2022

José do Carmo Francisco, O gato de Fernanda – nove fragmentos

 

Artesanato da ilha de Bali


Atento, discreto, pacato. No perímetro da luz, olha a dona. O gato.

 

No lume aceso com a lenha do barracão antigo, as sombras são afastadas até ao sótão da

infância. Aos gatos, sua paisagem, seu povoamento.

 

Que força empurra o gato frente ao sol no castanho-luz do telhado?

 

Teu gato a quem a chuva proíbe telhados e terraços. Veio do Egipto num navio de Veneza. No Cacém, sorri à dona portuguesa.

 

Terra trazida. Pequenas partículas de chuva nos limões e nas maçãs, invisíveis memórias de uma terra trazida. Minha terra, perto do teu gato.

 

Vejo intervalos de sol nos telhados do bairro, humidade permanente a respirar nas telhas

como se o prédio fosse um corpo cansado, humano. O gato espreita.

 

Roubar alguns cabelos teus para fazer cordas de uma guitarra. Suave melodia, frente ao

gato.

 

Há no teu olhar telhados infinitos, memória de paquetes brancos no rio e de sardinheiras

vermelhas na varanda ao lado. Luz e calor. Gatos e sorrisos.

 

Há na tua voz um som que incorpora os sinos de Lisboa. De São Roque à Sé, da Conceição Velha à Madre de Deus. Toda a geografia de um afecto assim reproduzido, junto ao gato na janela.


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