terça-feira, 29 de março de 2022

ANTE-PROPÓSITO

 



   A exposição As Palavras em Liberdade inaugurou no dia 25 de março, pelas 17:00, na Quinta da Cruz – Centro de Arte Contemporânea, Viseu e homenageia E.M. de Melo e Castro (Covilhã, 1932 - São Paulo, 2020). O poeta, ensaísta e artista plástico foi um vulto incontornável da Poesia Experimental Portuguesa que assumiu um papel fundamental na promoção da poesia visual a nível nacional e internacional.

   A exposição evidencia a relevância e abrangência do trabalho de Melo e Castro enquanto artista e dinamizador cultural, integrando um conjunto de obras de sua autoria, bem como um núcleo de publicações e livros de artista pertencentes à sua ampla coleção consagrada à poesia visual.

   A Coleção E. M. de Melo Castro, constituída por centenas de publicações provenientes de 17 países, integra o fundo documental da Biblioteca da Fundação de Serralves desde 2003. São apresentadas nesta exposição obras de artistas portugueses e estrangeiros como Ana Hatherly, António Aragão, Fernando Aguiar, Salette Tavares, Augusto de Campos, Julio Plaza, Ian Hamilton Finlay e Henri Chopin, entre outros.

   Esta iniciativa integra o Programa de Exposições Itinerantes da Coleção de Serralves que tem por objetivo tornar o acervo da Fundação acessível a públicos diversificados de todas as regiões do país.


PÓRTICO

 


O. K.



SOBRE A BARBÁRIE

 

  Chegou-me há um par de dias, dirigida por um confrade, uma questão referente à bárbara agressão perpetrada por diversos indivíduos sobre quatro agentes policiais na sequência da tentativa destes de apartarem uma discussão, seguida de violência, junto de uma discoteca lisboeta.

 

   Vamos a factos: nos últimos tempos, principalmente após a formação da chamada geringonça, criou-se contra a Polícia um ambiente de hostilidade inegável, vinda principalmente de adeptos geralmente conotados com gente extremista de grupelhos ou mesmo retintamente marxizantes, sintetizada na tristemente célebre expressão ostentada num cartaz partidário, numa manifestação, que proclamava liminarmente "polícia bom é polícia morto". 

 

   É necessário, é mesmo imprescindível, acentuar que tal expressão é claramente cifrada por gente de formação social-fascista, de ultra-partidários que apenas visam ferir o ambiente de convivência democrática e de destroçarem as liberdades arduamente conquistadas, alvo maior dos partidos totalitários que, embora de maneira residual, ainda existem em Portugal.

 

  Por outro lado, dois aspectos mais há a considerar: o laxismo do sistema judicial que, posto ante as consecutivas agressões ilegítimas contra os agentes de uma polícia regida por regras democráticas que existem no seu estatuto legal, geralmente atribuem penas suspensas aos agressores. E isto é típico duma sociedade e das suas encarnações governativas que - por mor da geringonça citada - visa criar um ambiente que justifique, depois e a seu tempo, uma governação claramente autoritária, a exemplo do que hoje existe na Nicarágua ou na Venezuela. 

 

  Ainda, a realidade que foi há uns meses noticiada por jornais de referência: que existem grupos que se alistam nas forças armadas de elite, onde aprendem técnicas marciais - e que depois se desligam, passando ora a exercer funções em associações para-legais ou menos que isso, de seguranças e, até, de colaboração inscrita em colectivos delinquentes!

 

   O que se passou há um par de dias, e cujos autores conforme notícias a que tivémos acesso já estão identificados - eram militares de corpos de elite e praticantes de boxe e outros jogos marciais - estando dois deles já detidos, esclarece-nos suficientemente.

 

   Porque, na prática e como se tem comprovado, afinal as potenciais vítimas não são só os agentes policiais - primeiros alvos da brutalidade de ataque a uma sociedade legitimamente fiscalizada democraticamente - mas todos nós os cidadãos que acaso lhes caiam ante o seu ódio a um ambiente de civilidade e, mesmo, de civilização!

 

ns


Para um minuto de meditação - 156

 


 Os “Putinistas” portugueses


   Quando o Muro caiu Putin vivia em Dresden, sabe que não foi a NATO que o derrubou mas o desejo do povo de viver nas casas, guiar os carros, aceder aos bens e gozar as liberdades dos alemães ocidentais.

(Dos jornais)


    Por norma os “neutrais” assistem de cadeirinha ao lado do agressor, (ou do mais forte)… São aliados não declarados a manter uma farsa mas, quem quiser, tudo lê nas entrelinhas com uma limpidez cristalina. Um exemplo paradigmático foi a actuação dos partidos comunistas nas invasões que se seguiram ao famoso pacto germano-soviético.   

   Na França a direcção do PCF, em vez de condenar a invasão e apelar à resistência (como apelou em Junho de 1941), culpou o ‘imperialismo francês’ pela guerra e exortou à paz; isto é, à pax dos nazis. Até Hitler se virar contra o aliado, Estaline esteve sempre ao seu lado com o Comintern a instruir os PC’s. Hoje, o PCP putinista não faz diferente. No passado também recebeu instruções e dinheiro de Moscovo. Em 1974 dizia aos portugueses para deixarem as colónias. Hoje apoia um saudosista do Império russo, culpando terceiros. O PCP habituou-se ao dinheiro, quanto ao anti-americanismo primário. Regurgita toda a propaganda do Kremlin até ao último panfleto.

Paulo Silva


Dois poemas de José do Carmo Francisco

 


Poema periférico do meu operador

 

Um vago primo que nasceu em Salvaterra

Brilhou na baliza nos Jogos de Amsterdão

Sereno com seu coração em pé de guerra

Ele voava no ar com a leveza de um balão.

Chegava sempre aos dois cantos da baliza

Quando olhava para o campo tudo media

Com os seus olhos na medida mais precisa

Separando devagar a amargura e a alegria.

Todas as derrotas e as vitórias acumuladas

São quase calendário privativo do jogador

Que joga parte da sua vida nas bancadas

Na multidão que o aplaude num clamor.

As mãos desse vago primo tinham magia

Que foi depois herdada pelo meu operador

Mãos tão precisas num ritual de cirurgia

Que assim vai separando a morte do amor.

 


Poema periférico do telefone

 

Eu ouvi a tua voz numa estação

À espera do comboio para o Rossio

De todo inesperada foi esta ligação

Que veio trazer calor a um dia frio.

Valores de pressão e temperatura

Havia vento onde outrora foi ribeira

Um tempo e uma distância na procura

Dum olhar que é janela sobranceira.

Eu ouvi a tua voz numa estação  

De repente havia um retrato antigo

Na luz do comboio uma multidão

Foi diluída num crime sem castigo.

De gente que de súbito se escondia

Em autocarros em táxis em paragens

No meio da tarde nasceu uma alegria

Nas palavras da promessa das viagens.

 

in “40 poemas periféricos”

(Apenas Livros Editora)


Nicolau Saião, Antero de Quental ou A viagem através do deserto

 



   Aqui transcrevo o texto, de minha autoria, que a revista Nova Águia, órgão do Movimento Internacional Lusófono (MIL) dirigida por Renato Epifânio, a quem endosso a devida vénia, deu a lume no seu número 29, há poucos dias distribuída.

“Há seres que para mim, para o meu imaginário de sucessivamente criança, adolescente e homem maduro, me apareceram e os vi sempre como uma espécie de entidades caídas da cauda de um cometa.

  Assim com Verne, Régio, Nicolas Flamel, Verhaeren, Camilo Pessanha, Antero, assim com alguns outros de outras bandas, serve dizer: Monet, Cimarosa, Jacob Epstein, Fritz Lang.

   Se os tenho como uma espécie de parábolas através da vida breve, do tempus fugit, não distingo na perfeição o que neles move o meu reconhecimento pelo que me deram, me foram dando e me dão ainda nesta aventura peculiar que tem sido viver com os outros e comigo mesmo, enquanto os anos rolam sob as estrelas imutáveis.

  Apenas sei endereçar-lhes um halo de gratidão.

 

                                                          *

   “Concebi pela inteligência um molde e não atendi à matéria com que tinha de o encher”, disse Antero em Paris a Alberto Sampaio. E eis que assim e aqui se vê entrar em cena o deserto com a sua presença inquietante de madre negra e silenciosa, de olhos acesos no princípio e no fim de Antero. Tentando ocultar a “matéria” que o Poeta se esforçava por encontrar.

      De facto, a busca de novos planetas empreendida por este claro espírito tão exigente que de si mesmo dizia ser “um parto da Terra monstruoso” e que até na destruição usava de rigor (como no célebre episódio em que, com esmero algo arrepiante, esquartejou centenas de laudas escritas nas suas melhores horas, sob o olhar estupefacto de Eça) processou-se entre palácios e altos jardins, mas por ora lhe estavam os gelos, os reduzidos oásis, as estradas de pesadelo onde a cada passo um molosso surge, não atento, ou absurdamente atento, ao caminhar sem medida, de medida própria, do poeta e do homem.

    Antero foi homem e foi poeta e ao extremo das coisas levou essa condição.

    Em Coimbra, onde fora a estudos, encabeça o movimento que cura de antepor a Castilho, magister da razão velha, soldado de outro fortim, novos ventos e novos sóis. E atrás de si leva, e consigo, outros pesquisadores, posto que alguns o fossem de mais limitados fôlego e trajectória. De Antero se haviam animado. E passada a ponte e a árvore da “Questão Coimbrã”, construída a nave que haveria de levar uma tripulação em demanda de outras estrelas e portos, seguiu Antero o seu navegar com a luz, o acre, o inteiro da vida e da morte por “erros próprios”. É dessa rota que nos falam os seus poemas e o que de mais fez.

    Da sua poesia deverá dizer-se que a anima o despertar de sons e toadas distantes, não sendo uma poética de certificação mas de sonho, de desejos e de esperanças (prováveis?improváveis?). Música que Antero bem adivinhava e sabia e que iria no depois forjar acontecimentos que pelo menos durante algum tempo mudariam por completo a face do mundo. “E, pois somos loucos, vamos / Atraz dos loucos mistérios…/ Deixemos ricas cidades/ Ao sério dos homens sérios!”, escrevera ele para ser publicado em 1864 nas “Primaveras românticas – Versos dos vinte anos”. E nos “Sonetos Completos”, “Não me fales de glória: é outro o altar/ onde queimo piedoso o meu incenso”, estes datados de 1862, colocara perto de si a verdadeira fogueira “de immoto brilho, poderoso e terno” na qual é dado ao verdadeiro poeta consumir-se: o amor do mundo, ainda que - se assim o decide o destino - eventualmente plasmado num ser.

   É que Antero era castor e tigre, mas se deixou as ricas cidades não o fez com o fito de tornar à floresta: a despeito de tudo, atingiu cidades mais belas e mais operosas.

    Soletro: Nerval, Van Gogh, Vaché, Crevel. Comparo, medito. E colho em José Régio estas palavras: “Vida de boémia literária, de aspirações ardentes e vagas, de solicitações tão diversas como logo suspensas, de caóticas leituras em que simultaneamente figuravam a poesia romântica, a metafísica alemã, a crítica francesa, o socialismo, o naturalismo ou os grandes pessimistas – essa vida iniciada em Coimbra para sempre lhe roubou a paz. Mestre amado dos seus companheiros, chefe pelo vigor da inteligência, a superioridade do talento, o prestígio da consciência clara e a própria sedução pessoal(…)”. Quem se admira? Quem se admira pois que Antero – como outros, muitos outros – se tivesse encontrado numa tarde plúmbea e derradeira de Setembro com a sua outra imagem? É que com terrível frequência o fim, para os que se atrevem a atravessar as areias “de formas caprichosas e nunca vistas”, tem uma traça muito semelhante. E querem melhor exemplo de atordoante “ironia transcendente” do que aquela que Antero criou ao abater-se, na última hora negra de uma vida restringida, num banco de jardim público em frente do mar?

  Metendo pela Rua de S. Brás, encaminha-se a passos lentos para o Campo de São Francisco, uma ampla praça pública de Ponta Delgada. Aí, senta-se num banco, junto do muro do convento da Esperança. Nesse muro, por cima do banco, um dístico em pedra lavrada mostra a palavra esperança sobreposta a uma âncora. Antero sorri. Esperança e uma âncora que o segurem à vida, eis precisamente o que lhe falta”, assim nos descreve Carlos Loures a última viagem de Antero.

   A vida e a morte de Antero de Quental ilustram de forma suprema o desencontro do muito que se tem com o pouco que há, o desencontro do homem quase inocente (a despeito das ciladas) em que todos andamos, há que séculos, mergulhados até ao coração e onde as inquietações que valem não devem, pelo interesse dos áulicos dos suseranos, ultrapassar o simples dealbar do sol da manja (e, se eles são um pouco liberais, da fornicação condicionada e reprodutiva) e do espaço de e para restauro quanto baste.

    Antero, homem e poeta, libertário e socialista tanto quanto o podia ser nesses anos, me parece a mim que tocou todos os mundos, uns por fora e outros por dentro, da necessidade e da liberdade. E tocou-os de maneira intensa, profunda.

    Tão profunda que como se viu, na sua casa de Ponta Delgada e visando acertar velhas contas com uma existência que se descompusera, aquele a quem Eça de Queiroz chamara Santo Antero pôs termo a uma rota chegada a 1891 metendo uma bala nos miolos.

    “Não há já luz que dure,/ E não se pode crer /Na chama das estrellas/ Que estão sempre a tremer”, escrevera ele um dia.

     A estrela de Antero, essa, haverá de estar sempre alta e fixa, ardente. Livre e renovadora.

    E creio que estará sobre o deserto.”


Johnny Halliday, Un jour viendra

 



terça-feira, 22 de março de 2022

PÓRTICO

 


Olesya Karakotsya



“DOIS MAIS DOIS SÃO SEMPRE QUATRO”

    Vamos a factos: o exército russo, em todas as barafundas em que se meteu, tem levado trepas monumentais: na Finlândia, no Afeganistão, etc.

   Na segunda guerra, contra o Hitler, só venceu os nazis porque este, místico tarado, invadiu sem, sequer, prover os soldados de equipamento capaz para o Inverno - isto vem nos manuais: quando um general do seu círculo próximo lhe chamou a atenção para a necessidade de equipamentos contra o temível inverno russo, respondeu: “Não se preocupe, que disso trato eu…”. Alienado pelas teorias do “fogo e gelo” sustentadas pelo teórico semi-doido Alfred Rosenberg, acreditava nessas patacoadas como o seu lacaio na máquina repressiva Himmler fazia.

  E agora, na Ucrânia, com 170 mil desgraçados e montes de canhões, carros de combate, aviões e até marinha, não consegue dominar os ucranianos. Porquê? Porque o exército russo não tem real motivação e os seus generais são sociopatas sem ideias adequadas.

   É o que poderíamos chamar um exército de pobres bandoleiros servis, ao passo que os do ocidente, Ucrânia incluída, lutam conscientemente pela sua terra e lugares. E Putin, julgado segundo métodos psiquiátricos efectivos, é claramente um megalómano tarado e, como todos os pervertidos, pensa mal. Daí que tenha avaliado deficientemente os dados da questão. O que mostra a sua incompetência como cabo-de-guerra – e nisso é um homólogo de alguns lusos generais-de-aviário, que peroram nas tevês e se enganaram em todas as suas previsões!

   E vai perder - tendo já perdido no capítulo psico-social de contra-informação. A contra-informação dos putinescos é do mais fracote que tenho visto (e esse ramo conheço eu bem). Vê-se que recorre sistematicamente à mentira soez, argumentativa e vazia e isso não pega no imaginário das pessoas, tanto mais que, do outro lado, lida com uma sociedade de livre expressão e comunicação aberta.

   Tal como Hitler, enganou-se ao supor que bastava atacar com forças desmesuradas. É geralmente o erro dos covardes, que só blasonam e falam de alto quando se julgam com as costas cobertas.

   Aqui, importa pensar sem subterfúgios: depois da guerra o quê? Temos uma oportunidade de ouro, agora, para derribar Putin e a sua camarilha. E que mal tem a Rússia ser isolada?  Nenhum, é um dado positivo acabar-se com um regime social-fascista, imperialista e demagogo oligárquico.

   O ditador russo, tal como os outros ditadores que enlamearam a História – ainda sobram alguns residuais da mesma laia – tem os seus dias contados. E, se analisarmos a real-politik com olhos de ver, cremos que será o próprio povo russo, já bem informado e decidido, a traçar-lhe o disforme destino.

ns


Para um minuto de meditação - 155

 

ns


   O nazismo e o comunismo são totalitários e, por isso, o Parlamento europeu condenou, por igual, os regimes responsáveis pelo Holocausto e pelo Holodomor.

Gonçalo Portocarrero de Almada


(Dos jornais)

 

   O comunismo é um cancro que nunca nada conseguiu dar aos povos senão fome, tirania, morte e perseguições constantes.

   Se dúvidas houver basta olhar para a ex-URSS e todas as atrocidades cometidas em gulags ou nas políticas agrícolas que mataram milhões de ucranianos (e não só) no Holodomor. Na China a revolução cultural de Mao matou ainda mais. No Cambodja quase 1/3 da população sucumbiu. Na Coreia do Norte a miséria é n vezes superior à da Coreia do Sul, assim como a censura e violência para com os "inimigos do povo e do estado". Na Venezuela é o que se está a assistir, um país com imensas reservas de recursos como o petróleo, completamente na miséria.

   Comunismo é pobreza generalizada e violência sistemática do estado sobre os indivíduos e nada mais. 

Luís Martins


Dois poemas de Cristino Cortes

 


ns



CONSULTA DE ROTINA

 

- Então, doutor, como tem passado? Pergunta logo o clínico

Que há muito conheço e com o qual é a confiança

Já grande. Ambos sabemos bem não ser muita a esperança

De os hábitos agora alterar… Mera gestão de danos

 

Vamos fazendo, o passado não se pode substituir

Nem a inércia que transporta. Felizmente há as drogas.

Sobre elas o médico escreve, não pára, e quase acorda

Quando lhe pergunto se posso ser claro e grosso. Inferir

 

É com ele, mas o que eu observo, desculpar-me-á a franqueza

E desfio queixas várias, constantes ou intermitentes

Do foro de diversos órgãos. Mais ou menos persistentes

Incómodas, ridículas… Fica abalado, vejo-lhe a surpresa

 

- Não exagere, diz ele. Calma e verá que tudo se trata

Tome mais isto e aquilo… Se o não curar também o não mata.

 


EXPECTATIVA

 

Não estou particularmente preocupado. À cautela

Conservo no entanto a agenda livre. Adiei, não marquei

Novos compromissos a que agora não sei se poderei

Dar vazão ou cumprimento. É uma temporal janela

 

Assim salvaguardada, talvez por prudência e precaução.

Nas mãos da medicina mais moderna me entrego, coisa pouca

Mas às vezes o diabo está nos pormenores, é ele a louca

Da casa, não é garantido o prognóstico do cirurgião.

 

Tenho fé na estatística, na sorte confio, o optimismo

Não me abandonou. Mas mesmo assim convém estar preparado.

Conformado aceito esse custo num tempo um tanto alongado

Mais um na multidão, na capoeira não cabe qualquer heroísmo…

 

Vou gerindo o calendário, processo que hoje tem o seu início

E no fim logo se verá … quão longo o provisório sacrifício.

 

in “18 Poemas de Hospital”


Comunicado do Grupo Surrealista de Paris

 


ns



Dentro de alguns meses, o surrealismo terá cem anos. Como precisou André Breton nas suas Entrevistas [Entretiens], foi no final de 1922 que o movimento de emancipação do espírito humano mais enraizado na vida sensível que é possível conceber desde sempre tomou a sua forma – isto dois anos antes do seu nascimento selado pelo primeiro Manifesto. Entendamo-nos bem: não apelamos à celebração de um centenário, mas à manutenção e ao reforço de uma exigência.

Hoje, quando a palavra surrealismo, corrompida e muitas vezes associada ao absurdo, remete, no campo da cultura dominante, para uma inofensiva imagética fantástica, não é de todo inútil lembrar quais são e permanecem os fins e os desafios do surrealismo: superar as antinomias fictícias e mortíferas entre o real e o imaginário, o sonho e o estado de vigília, a consciência e o inconsciente; mas também restituir todos os privilégios às paixões felizes, estender e aprofundar os poderes do espírito, libertar a razão das suas cadeias positivistas e da sua instrumentalização mercantil, acabar de vez com as alienações ideológicas e religiosas; e, condição suprema, pôr a Poesia acima de tudo. Tudo isto, claro, tem por consequência a recusa de qualquer compromisso com o mundo tal como ele se está a suicidar, com a sua linguagem, os seus serviçais e as suas técnicas.

Ora o mundo de há cem anos e cuja queda revestia então carácter de urgência – urgência nunca desmentida desde então – perdurou e intensificou mesmo os seus estragos ao ponto de obscurecer hoje o horizonte histórico com a massa fuliginosa dos seus excrementos. Ele transformou-se em sentido diametralmente oposto a todas as esperanças que haviam alimentado a tradição revolucionária: o reino da liberdade, da igualdade, e da justiça, a abolição da exploração e da dominação, o fim da maldição do trabalho, o acesso de todos ao luxo e à abundância emancipada da prática mercantil. Quanto à vida, temos de reconhecer que ela mudou, mas num sentido ainda mais calamitoso: perdeu toda a consistência, toda a coerência, todo o valor; colonizada nos seus interstícios mínimos pela ditadura dos écrans, ela resolve-se em imagens cada vez mais pobres, cuja sórdida pobreza esteriliza em fogo brando o imaginário.

Eis porque o apelo à deserção que o surrealismo lançou desde o seu nascimento é mais do que nunca actual: deserção prática e intelectual, física e social, individual e colectiva. Daqui se tira que nenhuma concessão deve ser feita ao gosto estragado da nossa época, às suas inclinações suspeitas, às suas reflexões estruturantes. E diga-se aqui de uma vez por todas que as diversas criações surrealistas, apresentem-se elas sobre a forma de poemas, de narrativas de sonhos, de desenhos, de pinturas, de collages, de montagens, de esculturas, de fotografias ou de filmes não têm senão a aparência da obra de arte: elas são antes e depois de tudo a cristalização duma subversão permanente da sensibilidade, os testemunhos sensíveis dum novo modo de usar o mundo.

O perigo que ameaça um movimento que mantém vivas as suas exigências durante um tão longo período é menos o esquecimento para onde o querem relegar as várias modas, artísticas e literárias, de uma época decadente que o reconhecimento tardio da sua consistência e da sua perseverança. Mais enfraquecedor ainda que a apropriação dos seus processos próprios pelos funcionários da arte contemporânea, é a existência aqui e ali de uma tendência que leva à fabricação dum surrealismo sem consistência, em que muitos artistas, por força duma imagética vagamente onírica, se proclamam unanimemente surrealistas sem medirem o que esta denominação implica, e como se apenas pertencessem a uma vulgar escola estética.

Muitos destes surrealistas de aviário não hesitam em entregar-se à tecnologia informática. Se é aceitável que a priori qualquer meio técnico pode ser desviado e posto ao serviço da imaginação, no caso do digital somos obrigados a constatar que na esmagadora maioria dos casos o técnico se sobrepõe ao criador. Resulta que as obrinhas produzidas por computador são insípidas, aborrecedoras e parecem-se todas, delas se destacando uma suspeita consanguinidade, inoculada pela desesperante entropia que os algoritmos emanam.

Ao invés, a obra surrealista autêntica, apelando sempre à surpresa e ao encantamento, é portadora de utopia, grávida de uma promessa emancipadora que a legitima e a supera. Esta promessa, nenhuma máquina e nenhuma informática a podem garantir, já que não têm nem corpo nem nervos para sentir, percepcionar, emocionar-se ou experimentar desejo. Não é com certeza com a inteligência artificial que construiremos uma utopia à escala humana. Com a bênção das redes sociais, mais um passo e caímos na armadilha do entretenimento. Deste ponto de vista, e para esclarecer qualquer equívoco, lembre-se que o surrealismo nunca se poderá perder no campo minado da animação pedagógica nem se afundar na confusão das oficinas de escrita criativa e de collage, e outros idênticos concursos de poesia. Tais sessões de criação supostamente livres estão à partida viciadas pela instituição que os enquadra e não são senão miseráveis sucedâneos da transformação das florestas selvagens do maravilhoso em pobres jardins municipais.

Se o surrealismo nunca foi uma escola onde se pudesse entrar, uma academia para a qual se pudesse ser eleito, e um espectáculo onde se pudesse desfilar, também não é um clube internacional disposto a fornecer emoções e debates, cujos membros se recrutassem no Facebook ou promovessem as suas produções sobre Instragram. Conscientes de que não há meios neutros, os surrealistas desprezam com altivez as “redes sociais”, ou usam-nas com prudência extrema, preferindo-lhes a poesia imediata das redes “antisociais”, aquelas que ligam espontaneamente na rua, na viragem de um bosque, no favorecimento de uma greve que escapa a qualquer controle burocrático, no balcão de um café, numa tempestade de neve. Sabemos bem que os encontros decisivos se fazem por caminhos que atravessam a verdadeira vida, caminhos abertos às maravilhas do acaso objectivo e que não podem nunca ser premeditados por uma informatização na qual a noção mesmo de “amigo” aparece esvaziada do seu sentido.

Se hoje como nas suas origens, o surrealismo é uma comunidade subversiva permanentemente hostil ao Estado, ao capital e a todas as religiões, ele acrescenta agora à lista dos seus inimigos o mundo digitalizado dos écrans, que introduz cada vez mais distância física entre os seres humanos, desrealizando a vida sensível. Modo de sentir, de ver e de sonhar que se torna forma de ser, o surrealismo é uma procura teimosa e carnal de conhecimento, de liberdade e de amor. Uma vez que se passou por ele, ou uma vez que o surrealismo passou por nós, não podemos mais conceber nem perceber o mundo a não ser segundo as linhas de fuga que ele oferece às nossas errâncias e segundo os hieróglifos de encantamento que ele coloca na fronte das coisas ao mesmo tempo que nos propõe uma chave de interpretação. É nesta experiência do dia a dia, e não em qualquer reconhecimento mediático falacioso, que ele, o surrealismo, encontra a sua marca própria e continua, um século depois do seu nascimento, a aferir a validade da sua acção.

 

Grupo Surrealista de Paris,

16 de Janeiro de 2022

 

Élise Aru, Michèle Bachelet, Anny Bonnin-Zimbacca, Massimo Borghese, Claude-Lucien Cauët, Sylwia Chrostowska, Hervé Delabarre, Alfredo Fernandes, Joël Gayraud, Régis Gayraud, Guy Girard, Michael Löwy, Pierre-André Sauvageot, Bertrand Schmitt, Sylvain Tanquerel, Virginia Tentindo.


(Tradução de António Cândido Franco)

Scorpions, Wind of change

 



terça-feira, 15 de março de 2022

PÓRTICO

 


ns



“PATACA A TI…PATACA A MIM…”  

 

   Como os confrades & amigas/os bem sabem, esta expressão oriunda do saber popular tem a ver com a “repartição" do vil metal entre cumpliciados para uma determinada operação ilegal, ou de baixos contornos pelo menos.

 

    Ultimamente, num paralelismo que geralmente é usado com segundas intenções - ou seja, de propaganda de um determinado sector que, antes de recentemente ter sido desmascarado como falsário, se arrogava de possuir superioridade moral - essa gente propala que no tempo do anterior regime de Leste tudo era honestidade, repúdio pela acumulação de massaroca, boas contas e honradez nos negócios. E aduzem que agora, pelo contrário, aquela nação está na mão de cleptocratas, de oligarcas que, aproveitando-se do tombo do antigo paraíso, enchem os bolsos e as bolsas como parasitas de alto coturno.

 

    Ora isso é absolutamente falso.

 

     Façamos um exercício simples, de simples reflexão: quando os adeptos dessa doutrina falam em comunismo, como sendo uma aquisição daqueles regimes e daqueles países, há que dizer adequadamente: nunca houve comunismo, nem sequer socialismo. O que existiu - e a certa altura já nem disfarçavam - foi capitalismo de Estado, regime em que a aparelhagem do Politburo dominava absolutamente, tanto no sector político como noutro qualquer. As contas do Estado estavam todas apertadamente controladas por esse órgão, que só tecnicamente, por razões de manejo, eram entregues a outras secretarias/ministérios.

 

    Daí que aos membros desse colectivo - que não estava sujeito a escrutínio como nas Democracias - tudo fosse permitido. Os aparatchikis de topo - a nomenklatura dirigente - dispunha de tudo a seu bel-prazer, tanto mais que o seu chefe indiscutido, Stalin, tudo lhes permitia enquanto estivessem nas suas boas graças.

 

   Assim sucedeu por exemplo com o tristemente famoso Lavrenti Beria, antigo chefe da NKVD (como Putin, depois mais tarde, foi da KGB) riquíssimo dono de datchas (luxuosas casas de campoe de muitos milhões de rublos. Adicionalmente, como a História comprovou, violador compulsivo de adolescentes e assassino legalizado (era ele mesmo que, em casos seleccionados, abatia com um tiro na nuca os condenados à morte.

 

  Até à sua caída em desgraça, por mando do chefe supremo (foi abatido com 4 tiros na cabeça por um tenente das forças de segurança mandatado para o efeito), viveu faustosamente o seu tempo.

 

  Mas não foi caso único! Os outros da nomenklatura faziam o mesmo, pois o país - como mais tarde isso aconteceu noutra ditadura de outro cariz, o regime de Franco - era para eles como uma sua herdade.

 

  Em resumo: duma doutrina, acreditamos que com boa intenção, equacionada por Marx - fizeram uma caricatura sangrenta e soez!

 

  E todos os colectivos semelhantes que lhes sucederam ou que deles se reclamam - com palavrinhas doces (a agit-prop) são do mesmo cariz quando tomam o poder.

 

   Vejam-se os exemplos actuais, nos desgraçados países que lhes cairam sob as mãos.

 

   Putin não é mais que um herdeiro dos antigos mandantes. E os seus métodos, bem como os da sua camarilha, não mudaram, nem podiam mudar.

 

ns


Para um minuto de meditação - 154

 

   Os que clamam contra a Nato, fingindo desconhecer que foi essa organização defensiva que evitou que fôssemos submetidos à URSS e países do Pacto de Varsóvia e nos defende agora de Putin, ou são submarinos infiltrados ou traidores encapotados.

Cadafaz de Matos


    Equiparar Putin, o agressor, aos ucranianos agredidos - sejam quais forem os malabarismos verbais utilizados - é uma indignidade moral.

Pedro Correia


Um poema de Floriano Martins

 

Sou eu: o nome, as letras
em que te arrastas, as perguntas que iniciam
a travessia de tua dor.

Noite inquieta sob escombros.
Delicado tambor das tormentas. Tua sombra vem vindo
ao ninho de minhas sílabas errantes.

Tua sombra erguida. Intimidade de cinzas
onde a dor o lábio toca. Formas ressurgidas do caos.
Prolongas teu ser em tudo o que me falta.

Noite submersa em tremores.
Esplendor de infernos devassados. Pousa tua mão
na esfera crepitante de meus sentidos.

Uma prova: o livro que conduz
ao templo. Missal de cinzas. Teu corpo soprado mil vezes,
a queimar mais e mais longe de ti.

 

in “Tumultúmulos” (1994)


Um texto de Manuel Carvalho

 




  Damos aqui a lume, com vénia ao seu Autor, um texto do director do Público, referente ao notório Boaventura Sousa Santos, que anteriormente fora já igualmente desmascarado pelo Professor António Manuel Baptista no seu livro “Critica da razão ausente”:

 

“A miséria moral da esquerda iliberal”

 

  “A guerra raramente promove consensos e a que está a devastar as cidades da Ucrânia não foge à regra. Não faltam por aí crédulos como Chamberlain, simpatizantes dos ditadores militaristas como Lord Halifax ou até meros vendedores da alma própria e alheia como Pétain. Entre nós, não faltam também os que se servem dessa extraordinária superioridade moral das democracias liberais, a de acolher e estimular pontos de vista divergentes, para caírem no relativismo moral e manipularem o indispensável julgamento sobre quem é vítima e inocente e quem é agressor e culpado.

  O festim do relativismo que tende a dizer que Putin é culpado mas… perturbou o Bloco de Esquerda, agravou a obsolescência doutrinária do PCP e chegou a um patamar digno de monumento com a recomendação de Boaventura Sousa Santos (B.S.S.) para que a Europa faça a sua autocrítica perante o que acontece em Mariupol, em Kharkiv ou em Kiev.

   Não surpreende que o que resta da esquerda maniqueísta continue a olhar o mundo na perspectiva saudosista da Guerra Fria. A rigidez conceptual do seu mundo luta ainda por essa memória do confronto entre dois blocos. Não havendo hoje um lado bom (a URSS e o Pacto de Varsóvia), continua a haver pelo menos um lado mau (a NATO e os Estados Unidos). Se antes era glorioso estar do lado soviético ou, depois da vergonha da invasão da Checoslováquia, ser “melhor vermelho do que morto”, hoje os resquícios desse tempo perduram no ódio aos Estados Unidos e no apoio a tudo e todos que os possam desafiar ou comprometer.

   Em vez de porem as democracias contra as autocracias em confronto, preferem falar nos EUA como o eterno “império do mal”, ignorando que Trump foi amigo e protegido de Vladimir Putin, esquecendo que a Rússia desenvolve há anos planos para apoiar Salvini ou Le Pen. Pouco importa que Putin e Moscovo estejam hoje no lado oposto do comunismo, que estejam até de braço dado com os populismos de pendor fascizante.    Importa sim é explorar todas as formas de alimentar o ódio visceral que os EUA lhes merecem.

  E quando se diz ódio visceral tem-se em apreço o peso das palavras. Porque não é o conhecimento da história política ou das ideias que justifica a forma como essa esquerda fossilizada relativiza a violência da Rússia sobre a Ucrânia. É, pelo contrário, a mentira e a manipulação. Quando Boaventura Sousa Santos diz que a Europa deve envergonhar-se por não ter sabido evitar a guerra, está a usar a narrativa contrafactual para salvar Putin e culpar a Europa pelo seu imperialismo militarista. Da mesma forma, quando culpa os Estados Unidos pelo golpe no Brasil em 2016 que elegeu Bolsonaro, não baseia em coisa alguma esta teoria da conspiração nem diz que o Presidente mais cavernícola da democracia brasileira simpatiza com Trump e Putin e odeia Joe Biden e a democracia americana.

   Esta manipulação cheia de ranço soviético e antiamericanismo primário não se fica pela acusação à Europa, afinal a culpada por não ter salvado o mundo das garras de um ditador, ou mera extensão dos desígnios da dominação mundial da América.

   Mais grave ainda é considerar que os Tratados de Minsk foram violados pela Ucrânia, quando se sabe que as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk trataram de marcar eleições logo em Novembro de 2014, em clara violação dos tratados, com o apoio da Rússia e o protesto dos negociadores da OSCE. Uma mentira tão inaceitável como a de dizer, como também o PCP defende, que em 2014 houve um “golpe” contra um    Presidente eleito democraticamente.

   Um intelectual de esquerda com os pergaminhos e o prestígio de B.S.S. certamente interpretaria a intensa e corajosa luta popular na Praça Maidan, que durou mais de 100 dias e causou mais de 100 mortos, como uma façanha digna da Primavera dos Povos ou da Comuna de Paris se na origem da rebelião não estivesse o cumprimento de acordos com a União Europeia. A traição à vontade popular, ou expressões ainda mais eloquentes consagradas na terminologia revolucionária, seria sem dúvida um bom argumento para explicar e justificar a queda de Viktor Ianukovich.

   Mas isso só aconteceria se Ianukovich não tivesse esmagado o desejo dos ucranianos em aproximar-se da democracia europeia e, pelo contrário, tivesse cedido às exigências da Rússia. O Euromaidan seria um acontecimento com enorme potencial para ilustrar o património das glórias populares dessa esquerda, só que, infelizmente para os seus arautos, fez-se em nome das democracias burguesas da Europa.

   Na mesma linha delirante está a tese de que há linhas de fundo da política externa de Washington que “provocaram a Rússia” para se “expandir”, de modo a que quando se expandisse pudesse ser “criticada por fazê-lo”. Lê-se e custa a acreditar que um relatório da Rand Corporation citado por B.S.S. seja suficiente para corroborar tão delirante visão.    

   Quer isso dizer que os EUA e a UE estimularam o ataque à Ucrânia apenas para poderem hoje dizer que a Rússia é um perigo para a segurança mundial e a atacarem com sanções?

   Acreditar nisto não difere muito da crença de que os comunistas comiam criancinhas.    Afinal, Putin ataca a Ucrânia não por recusar o seu direito a ser uma entidade histórica, ou por a querer desmilitarizar ou “desnazificar”. Não: responde apenas a uma provocação.

   Numa democracia (e num jornal europeu, democrático e pluralista como o PÚBLICO) cabem todos estes devaneios, mesmo que ancorados em visões distorcidas ou manipuladas da História - ao contrário do que acontece na ditadura de Putin que B.S.S. tão ardilosamente protege, a divergência é um tempero indispensável das sociedades livres.

   Mas há nesta forma de explorar o relativismo uma hipocrisia que começa a ser intolerável. Que B.S.S., ou o PCP, ou quem quer que seja, defendam Putin, a Rússia e a agressão à Ucrânia de forma aberta, corajosa e frontal, estão no seu direito. Mas que digam então de forma livre e consciente que a Rússia e a autocracia de Putin (ou a China) lhes fazem falta, para que a democracia liberal do Ocidente, que atrai os jovens ucranianos ou bielorrussos, tenha opositor à altura.

   Não podem nem devem tergiversar com meias verdades ou mentiras inteiras apenas para expor a sua crença num mundo bipolar onde os maus estão na Europa e na América. Se o ataque à Ucrânia serviu para alguma coisa, foi para expor a inconsistência dos seus mitos.

   Conservemos, pois, as relíquias doutrinárias do mundo bipolar e guardemo-las longe da guerra na Ucrânia. Como memória, dão sentido ao nosso tempo e exacerbam o valor da democracia dita burguesa; como exercício para interpretar o presente da Rússia, da Ucrânia e do Ocidente, só garantem as ideias moles do relativismo e uma evidente falta de pudor perante o sofrimento do povo ucraniano.


Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...