terça-feira, 22 de março de 2022

Dois poemas de Cristino Cortes

 


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CONSULTA DE ROTINA

 

- Então, doutor, como tem passado? Pergunta logo o clínico

Que há muito conheço e com o qual é a confiança

Já grande. Ambos sabemos bem não ser muita a esperança

De os hábitos agora alterar… Mera gestão de danos

 

Vamos fazendo, o passado não se pode substituir

Nem a inércia que transporta. Felizmente há as drogas.

Sobre elas o médico escreve, não pára, e quase acorda

Quando lhe pergunto se posso ser claro e grosso. Inferir

 

É com ele, mas o que eu observo, desculpar-me-á a franqueza

E desfio queixas várias, constantes ou intermitentes

Do foro de diversos órgãos. Mais ou menos persistentes

Incómodas, ridículas… Fica abalado, vejo-lhe a surpresa

 

- Não exagere, diz ele. Calma e verá que tudo se trata

Tome mais isto e aquilo… Se o não curar também o não mata.

 


EXPECTATIVA

 

Não estou particularmente preocupado. À cautela

Conservo no entanto a agenda livre. Adiei, não marquei

Novos compromissos a que agora não sei se poderei

Dar vazão ou cumprimento. É uma temporal janela

 

Assim salvaguardada, talvez por prudência e precaução.

Nas mãos da medicina mais moderna me entrego, coisa pouca

Mas às vezes o diabo está nos pormenores, é ele a louca

Da casa, não é garantido o prognóstico do cirurgião.

 

Tenho fé na estatística, na sorte confio, o optimismo

Não me abandonou. Mas mesmo assim convém estar preparado.

Conformado aceito esse custo num tempo um tanto alongado

Mais um na multidão, na capoeira não cabe qualquer heroísmo…

 

Vou gerindo o calendário, processo que hoje tem o seu início

E no fim logo se verá … quão longo o provisório sacrifício.

 

in “18 Poemas de Hospital”


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