quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

PÓRTICO

 

Causou estupefação em certos círculos a recente tomada de posição do PC de cá a favor das dementadas atitudes imperialistas de Putin.

Essas posições são absolutamente naturais vindas de quem vêm.

O PC é hoje, como sempre foi, uma espécie de quinta-coluna da Rússia, soviética ou não.

Aliás, após um período curto em que os sovietes, emanações livres e populares, existiram, foram logo postos fora de combate, desaparecendo na prática nos tempos do ditador Estaline.

A palavra servia apenas para a mais baixa propaganda.

A Rússia de hoje é, tal como nos tempos estalinistas e os que se seguiram até à queda do Muro e ao desaparecimento da ditadura vermelha, uma autocracia, anti-democrática e imperialista portanto.

E esses regimes implantam quintas-colunas onde o podem fazer. É o caso de Portugal com as manobras do PC, já plenamente desmascarado.

Jorge Gaillard Nogueira


Para um minuto de meditação - 151

 

As duas faces da mesma moeda


  Colho dos periódicos estas duas notícias que me parecem muito ligadas por um laço mental comum. O “politicamente correto” europeu e o reacionarismo islâmico querem desta maneira poluir a mente e o dia-a-dia das pessoas. O Grande Irmão do livro famoso de George Orwell não faria melhor. A estupidez, a maldade e o fanatismo tentam chegar para ficar. E o resto é conversa.

Manuel Carreira Viana

 

 1.  Ministra da Malásia defende violência doméstica

   Siti Zailah, vice-ministra da pasta das Mulheres e da Família, aconselhou ainda as mulheres a" falar com os maridos quando estes estão calmos, acabaram de comer, já rezaram e estão relaxados".

   Esta dignitária é deputada do Partido Islâmico da Malásia, um partido conservador islâmico do país asiático. A ministra causou já alguma controvérsia no passado, ao defender uma campanha que pretendia eliminar as bebidas alcoólicas da Malaysian Airlines, e regularizar os uniformes das hospedeiras de bordo em conformidade com a lei islâmica Sharia.

   No vídeo, Siti Zailah aconselhou os homens a falar com as esposas “teimosas e indisciplinadas“ e, caso não mudassem de comportamento, a dormirem durante três dia separados das mulheres. No entanto, se a mulher ainda se recusar a acatar o conselho, ou a mudar o seu comportamento depois da separação a dormir, então os maridos podem tentar a abordagem do contacto físico, atingindo-a gentilmente, para demonstrar a sua intransigência e o quanto quer que ela mude”, afirmou a vice-ministra.

 

2. O fim da palavra mãe? Há uma associação no Reino Unido que quer banir o género do vocabulário das escolas

   Querem que se diga "progenitor" em vez de "mãe". Um professor contudo diz que palestras não passam de "propaganda para ativistas trans". União Nacional de Educação, que as financia, vai rever o seu conteúdo.

   Os propagandistas defendem que os estudantes devem parar de dizer “senhor” ou “senhora” quando falam com o professor, chamando-o apenas como “teacher” (em inglês, a palavra professor não tem flexão em género) seguido do sobrenome. Já do lado do educador, devem ser dispensados termos como “rapazes”, “raparigas”, “filho” e “mãe”, substituindo-os por “estudantes”, “criança” ou “progenitor”.

 (Dos jornais)


Um poema de Wislawa Szymborska (prémio Nobel 1996)

 


   Olesya Karakotsya



Aniversário

 

Tanto mundo ao mesmo tempo - como ele sussurra e se agita!

Morenas e moreias e pântanos e mexilhões,

A chama, o flamingo, a solha, a pena -

Como alinhá-los todos, como colocá-los juntos?

Todos os bilhetes e grilos e rastejadores e riachos!

As faias e sanguessugas sozinhas podem levar semanas.

Chinchilas, gorilas e salsaparrilhas -

Muito obrigado, mas todo esse excesso de gentileza pode matar-nos.

Onde está o pote para esta bardana florescente, murmúrio de riachos,

Briga de torres, quiggle de cobras, abundância e problemas?

Como ligar as minas de ouro e localizar a raposa,

Como lidar com o linx, bobolinks, streptococs!

Dióxido de conto: um peso leve, mas poderoso nas acções:

E os octópodes, e as centopeias?

Eu poderia olhar os preços, mas não tenho coragem:

Esses são produtos que simplesmente não posso pagar, não mereço.

Não é o pôr do sol um pouco demais para dois olhos

Que, quem sabe, não podem abrir para ver o sol nascer?

Estou apenas de passagem, é uma paragem de cinco minutos.

Não vou agarrar o que está distante: o que está perto demais, vou confundi-lo.

Ao tentar sondar o que é o sentido interno do vazio,

Vou passar por todas essas papoulas e amores-perfeitos.

Que perda quando pensas quanto esforço foi gasto

aperfeiçoando esta pétala, este pistilo, este perfume

para o aparecimento único, que é tudo o que é permitido,

tão indiferentemente preciso e tão fragilmente orgulhoso.

 

Tradução de nicolau saião


José do Carmo Francisco, «Alguns poemas de Escrita e o seu contrário» de Nicolau Saião

 



  Antes de ter saído na Amazon (Brasil) a edição completa com mais de 200 págs., o poemário aqui aludido saiu em Portugal sob a chancela da “Apenas Livros” numa edição parcial. Eis o que dele disse, na hora, José do Carmo Francisco.

 

Nicolau Saião (n.1946) retoma neste volume de 55 páginas o seu trabalho poético premiado pela Associação Portuguesa de Escritores – o original que deu origem ao livro «Os objectos inquietantes» de 1992. Já Carlos de Oliveira em «O aprendiz de feiticeiro» adverte: «o meu ponto de partida, como romancista e poeta, é a realidade que me cerca.» É esse «quotidiano» que o prefácio de Jules Morot convoca quando refere uma espécie de «escala» antes da chegada da Poesia: o inesperado, o cansaço, o desapego e, de repente, a poesia. Os poemas deste livro oscilam entre a raiva e a ternura mas nunca se colocam na indiferença. O poeta inscreve-se no poema como na página 12: «Atravesso os bairros e sou um homem só entre as casas / onde patrões e criados vão vivendo o seu dia.» mas a sua viagem pode passar pela Nazaré (Vila e Praia): «A solidão da praia do Norte / o assombro da luz / que alimenta a penumbra.» Pelo meio da viagem o fascínio das Artes Visuais. Há poemas para Mayte Bayon, Giorgio Morandi, Carbajal ou Hundertwasser: «Alguém que não está nesta paisagem  / que nem sequer conhece os seus contornos / que é linha isso sim mas não por dentro / que é pele mas só na outra geometria / do que o pincel procura atormentado / E às vezes nós olhamos um reflexo / de sol que cai onde as figuras existiram / e ilumina o seu perfeito contrário.»
A poesia faz-se com palavras e há palavras inquietantes como no poema da página 22: «E notou ainda que algumas das palavras mais inquietantes, mais significativas, é por bê que começam? Beemoth, bendito, Babilónia, bondade, bifronte… Já tinha reparado?»   Fiquemos pela escolha de um poema como convite à leitura de todos os outros: «RECEITA PARA UM NATAL (à Flora) Primeiro, ficar parado / durante um momento, de pé / ou sentado numa sala ou mesmo / noutra dependência do lar. / Depois preparar / os olhos, as mãos, a memória / e outros utensílios indispensáveis. A seguir / começar a reunir / coisas, por ordem bem do interior / do coração e do pensamento: / a ternura dos avós, uma mancheia; / rostos de primos distantes, uma pitada; / sons de sinos ao longe, quanto baste; a recordação duma rua, uns bocadinhos / um velho livro de quadradinhos / duas angústias mais tardias, alguns restos de azevias, / a lembrança de vizinhos ainda vivos mas ausentes / e de uns já passados. /Quatro beijos de seres amados ou de parentes / Um cachecol de boa lã cinzenta aos quadrados / e um pouco de azeite puro e fresco / igual ao que a mãe usava noutro tempo saudoso. / Mexe-se bem, leva-se ao forno / e fica pronto e saboroso / – mesmo que, nostálgica, se solte uma pequena lágrima.»


 *

(Editora: Apenas Livros, Revisão: Luís Filipe Coelho, Design da capa: Maria Tomás, Direcção da colecção: Maria Estela Guedes, Arte final: Fernanda Frazão)


Surrealismo transformado em música

 



quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

PÓRTICO

 

UM NIQUINHO DE MEMÓRIA…

 

   Não, não me parece que a memória dos lusitanos seja curta, como certos fabianos pretendem estabelecer. Pelo menos a de alguns.

   Por exemplo o nosso estimado confrade Álvaro de Navarro, que num gesto cordial de boa lembrança me enviou cópia de algo que eu já tinha esgarçado na memória e que, segundo ele, explica razoavelmente o agora com o textinho de outrora que aqui deixamos. Partidariamente falando.

  (O texto em causa foi publicado no espaço interactivo “Portugal e outras touradas”).





  “Estive para escrever um post. Mas para não dar trabalho ao director, escrevo um comentário, sublinhando que muito do que eu poderia dizer já ele o disse. E de uma maneira exemplar.

  Ouvi o discurso de demissão e assumpção da derrota calamitosa de Sócrates. Coroada por frequentes aplausos, o que diz bem do estado, tanto de carácter como de ideologia, a que este partido desceu. Um espectáculo ignominioso de baixeza, de lambe-botismo e de falta de vergonha política mas também, é claro e reflectidamente, pessoal desses militantes.

  Quanto a Sócrates, mostrou o seu rosto de manipulador, de hipócrita e de falso irmão.   Ele, que desprezava claramente os cidadãos que lhe competia governar por bem, e que tripudiava sobre eles com a sua malbaratação e os seus estranhos conluios - que terão de ser convenientemente apurados - veio falar com voz doce e afivelando uma mansuetude e uma grandeza de propósitos que a realidade crua nos diz que nunca teve, que é só cinismo e de mau quilate.

  Mas não é só ele que está apodrecido dum ponto de vista político. Também os consabidos áulicos que o rodearam e que ali, na derradeira jaculatória pindérica do líder exibiram os seus perfis de desconchavados governantes ou apoiantes da alta escala, mostraram que este PS é dominado por gente sem grandeza, sem ética humanizada e sem rumo. Desde o aparentemente senil Almeida Santos ao deslustrado Ferro Rodrigues, desde o fantasmal Alegre ao inenarrável Lacão, todos eles fizeram jus a esta coisa simples: vão-se embora quanto antes, desamparem-nos a loja!

  Pois nenhum conseguiu ter a dignidade de dizer, (de confessar?) esta coisa simples e óbvia: o que os portugueses principalmente recusaram e exautoraram não foi a crise, por dura que seja: foi esse indivíduo que agora procura compaixão untuosamente, fazendo-se gentil e colaborativo.

  Foi, em suma, tudo aquilo que vós representais - e que é tão desagradável como aquelas imundícies que em certos sítios se nos colam nos fundilhos quando nos sentamos em lixo inoportuno.

  Não percebem que a vossa presença política, os vossos sinais, são odiosos aos sentimentos dos portugueses sérios?

 

  PScriptum - Desejo apenas, porque me parece importante sublinhá-lo, chamar ainda a atenção para este facto: o ex-premier, depois de tudo o que fez para que a destruição ética e outras da Nação fosse o que se vê, ainda teve o arrojo de vir dizer que aguarda serenamente o julgamento da História!
  É isto de um cinismo (ou apenas cegueira?) inaudito - e pode crer que a História irá ser muito severa, pois raramente o País se tem deparado com um homem público de um tão evidente e sombrio descaramento.
  E digo a finalizar: agora que o quotidiano vai estar livre da presença obsessiva deste senhor, não tardará que os portugueses se perguntem: como foi possível termos entregue o nosso destino, durante vários anos, a este sujeito? E creio que, sendo por ora odiado, vai acabar desprezado.
  Aguardemos os tempos.
ns”


Para um minuto de meditação - 150

 

Os textos e a vida de Mário Domingues,

um precursor da afirmação negra em Portugal


"Anarquista, cronista e escritor da cor negra", tem agora parte dos seus textos em livro e numa exposição na Biblioteca Nacional. O investigador José Luís Garcia apresenta-nos Mário Domingues.

A apresentação decorreu no dia em que passaram 49 anos sobre o assassinato de Amílcar Cabral. Se era coincidência ou não, ninguém o referiu. Estávamos em volta dos seis expositores colocados no espaço à direita da sala de referência da Biblioteca Nacional, ao Campo Grande, para ouvir o investigador José Luís Garcia falar sobre Mário Domingues, no final de tarde do último dia 20(…).

(Dos jornais)


 Artigo lamentável, enviesado, texto propagandístico. Parte importantíssima da obra deste autor é o conjunto de umas duas dezenas de volumes sobre a História de Portugal, desde a primeira até á quarta dinastias. O autor do artigo desconhece, ou só lhe interessa aquilo que se adapta às suas preferências ideológicas?

José Roque


   Eu conheço o Mário Domingues dos livros de história de Portugal, que tenho quase todos, sobre os reis, sobre Camões, etc. Sobre a sua antiga ligação ao anarquismo não sabia. O Estado Novo agraciou-o com a Ordem de Santiago da Espada.

Francisco Garcia


   Mário Domingues, bom autor de estudos históricos sobre figuras gradas da História de Portugal e interessante escritor com vários pseudónimos, de livros de aventuras e policiais, não merecia ver o seu nome e a sua obra utilizados para a propaganda que os fanatizados do “politicamente correto” procuram levar a efeito no nosso País. Não lhes basta o Mamadu Ba para propagandearem a fábula anti-branco que os move? Não há já pachorra para estes tipos!

Danilo Bernardes


Dois poemas de Jean Hautepierre traduzidos por Cristino Cortes

 


ns



AQUELES QUE NUNCA SE ENCONTRARAM

 

Aqueles que nunca se encontraram,

Atravessando a noite dos lugares e das idades,

Procuraram longamente sobre mil faces

E sobre mil palavras, entre eles murmuradas,

O eco doloroso do vento que espalha

Dourados e nuvens, tristes nevoeiros

Sem tréguas e sem alegria, a sombra dos olhares,

Esses olhos sem esperança, os únicos que eu amo.

Mas eles partiram, tão cansados!, e sonhadores,

Na noite sem fim do seu destino,

Tornando vão o coração e maldita a alma

Num desleixo de mil dores.

 

Teríamos vivido dias cheios de glória,

Dias desconhecidos, dias triunfantes…

Dos que sempre afagam a memória

E os corações demasiado velhos de pálidas crianças.

Mas o tempo vencedor, a hora retumbante,

Levam-nos bem longe, nos seus abandonos,

Àqueles que jamais conheceram esta vida,

Numerosos, por vezes filhos das pálidas estações.

 

 

ODE À ALEGRIA

 

Ah, não falemos mais desta longa tristeza,

Dos sonhos desfeitos, das esperanças cansadas,

Que nos magoaram por excesso de carícias

Não nos perdoando não as termos visto.

 

Esqueçamos também os dias de indiferença

Em que acreditámos poderíamos repousar…

Mas isso foi, oh meu Deus, a mais triste errância;

Saberíamos nós ainda tudo recomeçar?

 

Nesta tarde eu quero uma ode cheia de alegria,

Cheia de juventude, de risos e algazarra,

Bem afastada duma sombra preguiçosa,

Do velho desespero, e dos nossos dias tão desanimados…

 

Porque nós estaremos sentados, ou de pé à volta das mesas

E alegres, cheios de risos formidáveis!

E o fogo crepitante lançará os seus reflexos

Na noite, nos nossos olhos e nos nossos corações.

Elvira dançará lentas melopeias,

Nós beberemos cantando infinitas alegrias

- E, livres, vencedores, orgulhosos dos nossos anos

Amaremos sem fim no calor das noites.

 

*

O Autor - JEAN HAUTEPIERRE nasceu em Lille, França, em 1967. Além de poeta (Prélude au siège, 1989), é também dramaturgo, com várias tragédias em verso (Néron, Tristan et Yseult, Louis XIII), algumas das quais foram representadas. A epopeia Le Siège é de 2007. Tem dedicado especial atenção à promoção do teatro contemporâneo em verso. Traduziu a poesia completa de Edgar Allan Poe (em 2008), de que foi produzido um recital em 2010 no Teatro de Nesle, em Paris. Traduziu também a correspondência entre Fernando Pessoa e Aleister Crowley (Les secrets de la Bouche de l’Enfer, 2015). Publicou uma narrativa à maneira de Lovecraft, Les Hurlements de la vallée maudite, em 2005. Intervem na imprensa, na rádio e na Internet. Recebeu o Prémio da Sociedade dos Amigos de Maurice Rollinat, de que é membro destacado.

Prepara actualmente uma edição das suas obras poéticas não teatrais, Les Idoles, 1982-1986 e Le testament de la Licorne, criação poética após 1986. Membro da Maison de la Poésie, em cuja revista Le Coin de Table tem publicado poemas, e da Fondation Émile Blémond. Promoveu a obra de outros poetas, publicando de 1995 a 2007 o boletim La Lettre de Jean Hautepierre, em que trimestralmente inseria antologias de poetas contemporâneos.


A doze anos da saída de "Chão de papel"

 

Uma crónica respigada de Adelto Gonçalves


ns


   Como já tive ensejo de o afirmar publicamente em textos no Brasil e presenças orais, nomeadamente em Espanha, o livro a que o texto seguinte de Adelto Gonçalves faz referência – e aqui lhe deixamos a nossa vénia pela reprodução – é um dos mais satisfatórios dados a lume no ano em que foi publicado.

   Reafirmo-o hoje tal como o disse naquela altura (e por isso o prefaciei, aliás honrado pelo convite que me foi dirigido pela Autora). E creio que faz sentido epigrafá-lo agora, passada que vai uma dúzia de anos sobre a sua vinda “à luz das montras” (sítio que aos poemas cabe e não ao escuro das gavetas, como aceradamente referiu uma frase de José do Carmo Francisco).

Maria Estela Guedes (2009). Chão de PapeL. Prefácio de Nicolau Saião. Lisboa: Apenas Livros Lda.

1. Este é um livro com cheiro de África. E é uma África vista com isenção por quem viveu na Guiné-Bissau de 1956 a 1966, ao tempo do colonialismo que coincidiu também com o de sua formação pessoal. E ninguém esquece os anos de sua formação. Muito menos um poeta. Por isso, Maria Estela Guedes, nascida em Britiande/Lamego em 1947, reuniu os seus poemas evocativos de uma Guiné-Bissau que já não existe neste livro, Chão de Papel, que, como observa Nicolau Saião na apresentação, traz uma mensagem lucidamente antilírica – “se entendermos como lirismo essa escrita impressionista (um pouco defasada da realidade mais legítima e soberana – que por aí vai dando cobertura a um romantismo de pacotilha, ultra-sentimental e, por isso mesmo, refalso e, no fundo, claramente pedante”. Essa evocação começa pela imagem que guarda dessa Guiné-Bissau, “um mapa de ilhas, um arquipélago de lembranças”, especialmente da Fonte Vaz Teixeira, àquela época “oculta na floresta, em ruínas”, que hoje, provavelmente, não mais existe, “como tantas outras coisas que os anos de independência fizeram desaparecer”, como diz Saião, que também lá andou por 27 meses ao todo, à época em que havia a “província ultramarina da Guiné” e os jovens portugueses de então eram obrigados a defender, às vezes à custa da própria vida ou de abalos ao próprio corpo, o sonho de grandeza salazarista que só existia na retórica dos discursos oficiais. O olhar feminino de Maria Estela capta na memória lugares e momentos que o olhar de um poeta homem nunca seria capaz, como se constata neste poema intitulado “A Praça”:

 

Ias à Praça – relíquia verbal de antigo nome

Da Praça de S. José de Bissau -

Com as casas de sobrado e varanda

De madeira pintada de azul-mantenhas?

- Cuma di corpo: E bo papé? E bo mamé?

Tens um objetivo em mente, o Mercado Municipal,

E um local preciso aonde vais em sonhos.

Que queres tu comprar? Sabes que é coisa

De comer, mas o quê? A vagem branca

E azeda de tamarindo? Castanha de caju?

Volta e meia sonhas com isso

Mas ainda não descobriste o que vais tu

Comprar à Praça com as suas casas de sobrado

E varanda de madeira pintada de azul-mantenhas.

Por baixo as lojas de varejo

- Ali o estúdio fotográfico do pai do Erasmo,

Além a Casa Pintozinho

- A velha escola onde estudaste

 Encostada a um majestoso mangueiro

 E na esquina, instalada no chão com fogareiro

A gorda Nha Tilda torrava mancarra

Que comíamos ainda quente

A cheirar a vida airada e a gente de barriga cheia.

 

 2. Como se vê, até reconstituição da fala crioula se tem neste poema que, de tão denso e concatenado, teve de ser reproduzido aqui de forma integral. Essa evocação sente-se também em “Cesarianas e casuarinas” em que Maria Estela diz:

Passeios nas tardes de domingo

Pelo Jardim de Teixeira Pinto

Empurrando o carrinho com o bebé de D. Otília

Nascido entre dores e cortes de cesariana...

A estátua do militar no alto do outeiro

A dominar toda a cidade de Bissau

Mira ao longe as evoluções

Dos milicianos e da Mocidade Portuguesa

Diante do palácio do governador e do obelisco

No centro da Praça do Império,

Coroada com a legenda

“Monumento aos Heróis da Independência”.

 

   Ao contrário do que se pode imaginar, estes versos de Maria Estela não evocam o colonialismo com saudade nem procuram mostrar que os tempos da presença portuguesa na África teriam sido melhores do que os vividos hoje. Até porque tiranos são tiranos, tenham a pele clara ou escura, como bem sabem os guineenses. E mesmo aqueles portugas, os “tugas” que lá viviam, eram vítimas de um mundo mal construído e distribuído que não lhes deixava outra opção que não fosse emigrar – até porque para que meia-dúzia de famílias pudessem se refestelar no bem arrumado jardim à beira-mar plantado, a choldra tinha de ser praticamente expulsa para os quatro cantos do mundo, ainda que à custa de desertificação do país. Havia sido assim desde os tempos da monarquia.

3. A tragédia da Guiné-Bissau é que, depois que os tiranetes brancos foram embora, ficaram os tiranetes negros e a mesma opressão de uma classe sobre a outra. A sorte é que, como diz Maria Estela, “os tiranetes duram pouco/ e os grandes tiranos, por muitos quarenta anos/ que governem, também pouco duram”, ao evocar no poema “A Kabi Nafantchamna, no dia da sua morte”, a manhã de 2 de março de 2009 em que os noticiários informaram sobre o levante que resultou no assassinato do presidente Nino Vieira (1939-2009):

 (...) Conheces o ditado “Quem com ferro mata...?”

Conheces, Nino? Ainda ninguém disse nada

Mas podes crer que

Mesmo sem despacho

Alguém te despachou para o tribunal do Irã.

Bárbaros, violentos, egotistas.

Iguais em tudo na guerra

E iguais em tudo na paz

Aos mais bárbaros, violentos e egotistas

Americanos, asiáticos e europeus.

 

   Em “O cais do Pidjiguiti”, Maria Estela, à semelhança de Camilo Pessanha (1867- 1926) em “À noite, no Pego-Dragão”, uma das suas traduções em forma livre das “Oito Elegias Chinesas”, diz num poema perpassado de efeitos sinestésicos: “Não quero partir sem voltar ao Ku Pelon / A ouvir as serenatas do meu amigo”. E recorda que no Pidjiguiti dezenas de trabalhadores foram abatidos, vítimas indefesas de um massacre, ao tempo do colonialismo, para observar, em seguida, como se fizesse um mea culpa em nome dos  opressores de então, ainda que nada tivesse a ver com aquilo e fosse apenas uma adolescente de 12 anos de idade, talvez com a ingênua ideia de que, se os colonialistas tivessem oferecido letras, ou seja, educação, em vez de opressão, talvez o caminho tivesse sido outro, de entendimento, embora se saiba que o colonialismo, como o escorpião, jamais renunciaria a sua natureza:

(...) Assim depois o crime repetido insaciavelmente

Por negros e brancos

E mulatos igualmente

Até o dia de ontem

Em que também foi assassinado

Nino Vieira, o presidente.

Sem grandes diferenças, na morte

Todos iguais

Sem precisão de invocar raças

Nem a paleta das cores (...).

 

   Na evocação, Maria Estela lembra que o tempo do cais do Pidjiguiti vai longe, 3 de agosto de 1959, dia em que começou a guerra.

(...) Nunca mais seríeis felizes como antes.

Não era nosso o Chão de Papel

Mas podia ter sido

Se em vez de chumbo, ódio, vinganças e cana

Tivéssemos semeado letras na terra.

 

   Versos como esses refletem o caos emocional que sofre todo o desterrado. E nesse caso Maria Estela é também uma desterrada, pois, ao voltar a Portugal, nas noites de sua solidão, passou a perguntar pelos amigos e familiares que haviam ficado na terra africana que a vira crescer, pelos desaparecidos, sem conseguir banir da memória o drama vivido, o drama da ruptura com um mundo que desapareceu. Para aqueles que desconhecem a Guiné-Bissau, é preciso que se diga que o título Chão de Papel aponta para a pátria-chica do grupo étnico desta região guineense: a tribo dos Papéis, cerca de 40 mil naquela altura, como explica o alentejano Saião, bom conhecedor da região. Trata-se de um trocadilho, um simbolismo feliz, acrescenta Saião.

4. Editora da publicação eletrônica Triplo V (www.triplov.com), Maria Estela Guedes tem uma vasta obra publicada de livros de e sobre poesia em que se destacam Herberto Helder, Poeta Obscuro (Lisboa, Moraes Editores, 1979), SO2 (Lisboa, Guimarães Editores, 1980), Eco, Pedras Rolantes (Lisboa, Ler Editora, 1983), Mário de Sá Carneiro (Lisboa, Editorial Presença, 1985), À Sombra do Orpheu (Lisboa, Guimarães Editores, 1990), A_maar_gato (Lisboa, Editorial Minerva, 2005), Lápis de carvão (Lisboa, Apenas Livros, 2005), Ofício das trevas (teatro (Lisboa, Apenas Livros, 2006), A Boba (monólogo em três insônias e um despertador), com prefácio de Eugénia Vasques (Lisboa, Apenas Livros, 2006), À la Carbonara, em co-autoria com J.C.Cabanel & Silvio Luis Benítez Lopes (Lisboa, Apenas Livros Lda., 2007) e Poesia na Óptica da Óptica (Lisboa, Apenas Livros Lda., 2008).

Adelto Gonçalves


King Crimson, Epitaph

 



quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

ANTE-PROPÓSITO

 


Zuca Sardan



  A Rússia, hoje dominada na governação pelo antigo Director-Geral da KGB, designação da polícia secreta soviética e consabidamente autora de crimes os mais diversos contra os cidadãos russos, calçou de novo as esporas e procura, agora contra a Ucrânia, ser de novo um elemento imperialista, neste caso mediante a potencial invasão precedendo o roubo de uma Nação independente.

  E nisso tem sido respaldada por outro capitalista de Estado (pois comunismo não existe, nem nunca existiu, sendo apenas palavra de propaganda rasteira) o notório Xi-Jiping que dispensa qualificativos.

  Mas entre nós, embora de maneira deficiente e romba, colectivos há que por delírio anti-democrático apoiam aqueles autênticos quadrilheiros políticos. Tal como algumas figuras aliás já desmascaradas, como um viajante das coisas internéticas que sem pudor mas cinismo tenta elevar o ditador chinês e a própria China enquanto clara inimiga das democracias ocidentais, nomeadamente chegando a dizer, sabendo que estava a mentir, que o vírus do Covid tinha sido propagado naquele país por soldados americanos num prélio desportivo.

  O imperialismo de feição ultra-“comunista” tenta voltar sem rebuços. Creio, no entanto, que a realidade contemporânea lhe dará a resposta adequada.

ns


PÓRTICO

 


Javier Pagola



GASTRONOMIA


  Em Espanha tem estado a ser muito falada uma polémica causada por uma declaração conjunta de partidos esquerdistas que agrupando-se em formações que eles engendraram propõem esta sentença: quem é vegan é de esquerda, quem come carne é de direita. E no resto do que escreveram multiplicam as acusações aos carnívoros ou até omnívoros chegando ao insulto e às ameaças.

  A ecologia herbívora como dizia Jorge Perestrelo entrou definitivamente no estado de paranoia que nem é já capaz de se conter nos limites do razoável e do racional.

  Recentemente entrou-me pelo escritório adentro um honrado pai de família desesperado que pretendia eu tivesse uma conversa com o filho com quem nos últimos tempos se multiplicavam as discussões, pois o rebento tentava à viva força que os progenitores deixassem de vez o maldito hábito de comer frango, o que depois estendeu aos bifes e outros produtos culinários pelos vistos de direita. Apesar de mortificado por este drama familiar alimentar lá me safei da incumbência que seria trágica se não fosse cómica. Ou tristemente cómica.

  Mas antes de encerrarmos a consulta lá lhe fui sugerindo que uma das possíveis resoluções do problema seria apesar do preço do produto base passarem a consumir antes portuguesíssimos pastéis de bacalhau.


Jorge Gaillard Nogueira


Para um minuto de meditação - 149

 

Rui Rio sai até ao Verão

Partido vai definir data das eleições diretas a 19 fevereiro


Líder social-democrata está disponível para continuar, no máximo, até julho. PSD deve decidir calendário de eleições a 19 fevereiro. Rui Rio está de saída da presidência do partido e não tem intenção de se recandidatar ao cargo. O líder social-democrata quer ver a situação do PSD resolvida até ao mês de julho e caberá agora aos conselheiros nacionais definirem o calendário que entenderem.

(Dos jornais)


Rui Rio, não sendo oportunista, sendo honesto, e querendo o melhor para o País, podia e devia ter-se norteado, apenas e tão só, pela afirmação sistemática do verdadeiro diagnóstico da situação do País, pela denúncia sistemática do verdadeiro alcance das políticas do Sócrates/Costa e pela afirmação sistemática das políticas e reformas que era necessário executar. 

O "medo e falta de coragem" quanto à afirmação do “verdadeiro” diagnóstico da situação do País e das Políticas e Reformas que era necessário pôr em prática, e da afirmação e defesa de um Programa Político objectivo, concreto e claro, derrotaram Rui Rio.

Rui Rio devia ter apresentado o seu Programa Político para o País já há cerca de 4 anos atrás, quando foi eleito líder do Partido.

Devia ser esse Programa Político o "fio condutor" que dava coerência e racionalidade a todas as intervenções públicas de Rui Rio.

Mesmo que o Costa caísse de podre e o poder viesse parar às mãos de Rui Rio, sem a afirmação prévia da "verdadeira" situação do País, das verdadeiras "Reformas" que o País exige e de um "Programa Político" objectivo, concreto e claro, Rui Rio não iria nunca a lado nenhum!

Rui Rio deixou-se “levar” na estratégia daqueles que acham que é preciso esconder a verdadeira situação do País e o verdadeiro Programa Político capaz de o recuperar, para serem eleitos com base num “cheque em branco” que depois lhes dê margem para manobrar segundo as suas conveniências.

Foi essa "estratégia" que, depois de usada pela Manuela Ferreira Leite contra o Sócrates, mais uma vez, foi derrotada!

Espero que tenha servido, em definitivo, de lição para o PSD.

A estratégia do "faz-te de morto" e "não digas nunca ao que vens" é a estratégia dos oportunistas, dos que querem chegar ao poder apenas para se servirem do Poder!

Essa não é a natureza de Rui Rio.

Mas essa foi a prática em que Rui Rio se deixou enredar.

Que isso sirva de lição ao futuro líder do PSD!

 

Joaquim Rodrigues


Quatro poemas de Joaquim Simões

 



Aconchego

 

(para Lúcia Helena Weiss)

 

Na luz vivem dez mil tons

No ar moram dez mil sons

Nos corpos dez mil odores

Rodam com dez mil sabores

Num torvelinho que vejo

Ouço cheiro provo desejo

Ora o verso ora o reverso

Dos prazeres e das dores

Em que ensaio os meus amores

Roda-viva Universo

Entre a fortuna e a má-sorte

Entre o nascimento e a morte

 

Onde às vezes espreita um verso

Que aconchego ao coração

P´ra que ele o faça canção

 

 

Poema incompleto

 

(para Lúcia Helena Weiss)

 

Nunca caias em certezas:

Diz, de tudo, que parece.

Aquilo a que chamas mundo,

É o que, em ti, acontece.

 

Estranha-te, se ainda és jovem;

Estranha-te, se já fores velho.

Estranha sempre o que vires,

Quando te vires ao espelho.

 

Estranha os olhos, estranha os dedos,

Estranha a fome, o respirares…

E, se ansiares pelo voo,

Estranha as asas e os ares.

 

Estranha a voz, estranha o falar,

O que dizem natural,

Estranha o teres que estranhar

Tudo o que é habitual.

 

Estranha, estranha o porquê,

O isto, agora e aqui.

Só quando nada for teu

Terás a verdade em ti.

 

Porque a verdade é vazio

Sem tempo, forma nem cor.

Mas não é paz indiferente:

É a presença do Amor.

 

 

Andando

 

(para Maria Morbey Henriques)


Vou andando, passo a passo.

A cada passo que dou

passa o tempo, ao mesmo tempo,

a ser tempo que passou.

 

Desfaço a passada, torno

à primeira posição:

a perna voltou atrás,

mas o tempo, esse, não.

 

Atrás de mim, vejo o tempo

no espaço que foi ficando:

o mundo é como o rasto

do tempo que vai andando.

 

Em meu redor está o mundo

que alguém fez antes de mim.

Não sei onde começou

nem consigo achar-lhe o fim.

 

Espaço, tempo, tempo, espaço…!

No meu corpo, em todo o lado!

E o coração torna o tempo

mais ou menos apressado.

 

Há mais mundo, a cada vez

que o meu pé pousa no chão…

O tempo parece gente

no bater do coração…

 

E o som do pé, quando bate

ao ritmo que vai no peito,

faz ouvir, cá fora, o mundo

que quer ser tempo perfeito.

 

Talvez, se eu estiver à escuta

enquanto for caminhando,

possa fazer, acordado,

o tempo que vou sonhando.

 

 

Descobrimentos

 

(para Lúcia Helena Weiss)

 

Difundir o corpo

na toalha

da calma

 

Deixar que o silêncio

se dissolva

na alma

 

Degustar as flores

que se abrem

num grito

 

– Terra nova à vista?

– Não, meu capitão,

só o infinito.


Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...