Antes
de ter saído na Amazon (Brasil) a edição completa com mais de 200 págs., o
poemário aqui aludido saiu em Portugal sob a chancela da “Apenas Livros” numa
edição parcial. Eis o que dele disse, na hora, José do Carmo Francisco.
Nicolau Saião (n.1946) retoma neste volume de 55 páginas o seu trabalho
poético premiado pela Associação Portuguesa de Escritores – o original que deu
origem ao livro «Os objectos inquietantes» de 1992. Já Carlos de Oliveira em «O
aprendiz de feiticeiro» adverte: «o meu ponto de partida, como romancista e
poeta, é a realidade que me cerca.» É esse «quotidiano» que o prefácio de Jules
Morot convoca quando refere uma espécie de «escala» antes da chegada da Poesia:
o inesperado, o cansaço, o desapego e, de repente, a poesia. Os poemas deste
livro oscilam entre a raiva e a ternura mas nunca se colocam na indiferença. O
poeta inscreve-se no poema como na página 12: «Atravesso os bairros e sou um
homem só entre as casas / onde patrões e criados vão vivendo o seu dia.» mas a
sua viagem pode passar pela Nazaré (Vila e Praia): «A solidão da praia do Norte
/ o assombro da luz / que alimenta a penumbra.» Pelo meio da viagem o fascínio
das Artes Visuais. Há poemas para Mayte Bayon, Giorgio Morandi, Carbajal ou
Hundertwasser: «Alguém que não está nesta paisagem / que nem sequer
conhece os seus contornos / que é linha isso sim mas não por dentro / que é
pele mas só na outra geometria / do que o pincel procura atormentado / E às
vezes nós olhamos um reflexo / de sol que cai onde as figuras existiram / e
ilumina o seu perfeito contrário.»
A poesia faz-se com palavras e há palavras inquietantes como no poema da página
22: «E notou ainda que algumas das palavras mais inquietantes, mais
significativas, é por bê que começam? Beemoth, bendito, Babilónia, bondade,
bifronte… Já tinha reparado?» Fiquemos
pela escolha de um poema como convite à leitura de todos os outros: «RECEITA
PARA UM NATAL (à Flora) Primeiro, ficar parado / durante um momento, de
pé / ou sentado numa sala ou mesmo / noutra dependência do lar. / Depois
preparar / os olhos, as mãos, a memória / e outros utensílios indispensáveis. A
seguir / começar a reunir / coisas, por ordem bem do interior / do coração e do
pensamento: / a ternura dos avós, uma mancheia; / rostos de primos distantes,
uma pitada; / sons de sinos ao longe, quanto baste; a recordação duma rua, uns
bocadinhos / um velho livro de quadradinhos / duas angústias mais tardias,
alguns restos de azevias, / a lembrança de vizinhos ainda vivos mas ausentes /
e de uns já passados. /Quatro beijos de seres amados ou de parentes / Um
cachecol de boa lã cinzenta aos quadrados / e um pouco de azeite puro e fresco
/ igual ao que a mãe usava noutro tempo saudoso. / Mexe-se bem, leva-se ao
forno / e fica pronto e saboroso / – mesmo que, nostálgica, se solte uma
pequena lágrima.»
(Editora: Apenas Livros, Revisão: Luís Filipe Coelho, Design da capa: Maria
Tomás, Direcção da colecção: Maria Estela Guedes, Arte final: Fernanda Frazão)
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