terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Para que a Terra não esqueça

 

  Aqueles que pensam que nos podemos tornar um país mais rico ou mais estável poupando na educação e deformando a instrução dos mais novos são a classe mais ignorante de seres humanos.

Winston Churchill

Um poema de Maria Estela Guedes

 




Café Moderno

 

Foram chegando um a um os familiares

Do Café Moderno, em Pontevedra.

E agora, dez exatas horas da manhã

No relógio de parede

          Ei-lo quase cheio

Mesmo na esplanada corrida por uma aragem fria

          Vinda dos salgados miasmas da ria.

Lugar de tertúlias, ainda guarda essa memória

Nas madeiras aconchegantes

          Nos marmóreos tampos das mesas

Nos grandes quadros cujas cenas bucólicas

Cobrem as citadinas paredes.

E eu sinto o teu cheiro, Federico.

Usavas perfume discreto

Fumavas cigarrilha elegante

Os sapatos sempre engraxados

Luzindo como a caneta de tinta permanente.

          À tua frente

                    O caderno de capa preta

Fininho para o guardares no bolso

                    Do colete

Sem te deformar a silhueta.

Manuscreves

Como eu que teclo

                         Agora

Imaginando-te em ato de concentrada

Redação.

Menino, o teu infantil manuscrito

                                Nem parece ter crescido

Na contemplação das paredes da Alhambra

                          Cobertas de caligrafia sublime!

Cheira a café, cheira a tabaco, cheira à tua poesia.

Escreveste aqui, na cadeira em que me sento

Embora sem tablet, Federico, embora

Sem telemóvel

E sem esse grande luxo para substituir bibliotecas

Que é a Internet com a sua Wikipédia!

Apenas tinta, caneta e papel

E apesar de tão pobre em ferramentas

Ao alto céu subiste do flamingo.

Tão poucos meios

                         Mas foi aqui

                         Na Praza de San Xosé

Ainda não tinha sido postada

             Ao centro 

A tertúlia em bronze dos

Intelectuais e artistas do teu orbe

             Foi aqui, no Café Moderno, aberto

Em Pontevedra em 1903

Que redigiste algum do teu moderno

                                         Poeta en Nueva York.

 


(Do poemário “Conversas com Federico Garcia Lorca”)


Nicolau Saião, de "Contarelos para mortos vivos"

 

2.  BREBIS   



ns



    No meio da noite, ao acordar de supetão, Brebis sente vontade de rir. Mentira parecerá mas por momentos, no mar do sono, notou-se ligeiramente iluminado; por momentos, sobre a calva monacal, ouviu adejar o fru-fru da clara santidade.

    No Casarão já começaram a palpitar os ecos dos que vêm de longes terras: cavalheiros-andantes, irmãos-chegados, dormidos-nas-encruzilhadas, manas-de-mau porte, corcundas, coxos, famélicos, leprosos; o costume, enfim, naquele santo retiro, onde chegam dia após dia, ano após ano, e grão mérito se junte e daí releve, os que desejam por bem a doçura jamais negada do repousar beatífico.

    Foi nessa altura, dizia eu, que o manso Brebis de orelha longa pela primeira vez olhou com atenção os dedos das suas mãos sabedoras.

    Outrora Brebis soubera coisas de muita espantação: o lugar que a aurora escolhe para nascer, por exemplo. Mas já esquecera tudo, as dúvidas não nos ligam às recordações. Como se calcula, a suavidade dos cânticos é grata ao coração do homem, eis a verdade.

    Na cozinha ronrona a voz seráfica de frei João Sem Cuidados, cantando o seu mote de esperançosa mágoa:

 

                   Frère Jacques, frère Jacques

                   dormez vous, dormez vous?

 

e no pátio lajeado os burricos de serviço, cobertos pela sombra lunar dos pessegueiros e das tílias, esperam o início do seu turno de bondades.

    Na Torre dos Grilos, aquela de tijolo e pedra que pelos anos fora crescera até às barbas das nuvens, S. Estrabum exercita-se cantochando e responsando, ardente e comovido com o seu “métier” de grande purificador. A seus pés, um donato vai registando em velino as frases a celebrizar.

    No catre, irmão Brebis espreguiça-se para compensar e sente lá por dentro uma intensa alegria.

    Na cela quase nua, quase virgem, de velharias nos cantos, de certeza que se esconde uma invisível presença. Inventariemos: uma cadeira cambada, uma távola redonda, uma bacia de esmalte, um mocho empalhado (símbolo da coragem e da humildade) uma caveira de esculápio, um astrolábio, um globo. E Brebis. Inventariemos mais: uma gamela onde por vezes, com preguiça de ir ao urinol, faz o chichi; uma estante com “in fólios”, seis terços com as contas de pau-santo; um relógio de cuco; três exemplares do “Reader’s Digest”; um óculo para ver o destino; uma lamparina. E Brebis.

    Brebis olhou segunda vez, atentamente, as suas mãos cor de caca de recém-nascido e os dedos bondosos. E sente que na alma lhe vai caindo como que um trémulo pingo de negro licor.

    Brebis, como se sabe, já inventou uma nova filosofia: negar a existência das ruas que a partir do crepúsculo perdem a luz e a memória. Qualquer dia começará a comer o pão pelo lado mais escuro e cortará as unhas seis vezes por ano. Andará pelos corredores com a cabeça baixa, salmodiando ciência e reza. Olhará a luz que os vitrais coam, estremecerá de frio como a flama das velas, bimbalhará como os sinos das matinas, rirá para dentro devagar.

    Sentirá rumores de gente esquisita, com um odor lixado a incenso. Mas por enquanto, pensando nisto, apenas a sacola das migas se começa a queixar de abandono e desprezo.

    Diz para si próprio que o maior mistério é andar quando deve andar, dormir quando deve dormir, fazer a barba, entrar no refeitório com pratos de boa loiça, rir para o sol, rir para as árvores do monte, contar anedotas. Fugir dos ajuntamentos e não desejar a mulher do próximo. As rugas, os olhos fechados, ficam onde calha. Brebis, ausente em rugidos, sonolento enquanto velho, deixa escapar um gemido honrado. Um gemido sulfuroso.

    No salão onde as orações e os suspiros têm quentes frenesis, as preces misturam o arrependimento com o desejo de entusiasmo. Tanta gentinha! O oratório resplandece no meio dos rostos intensamente ardidos. Brebis começa a pensar que, dali para a frente, o resto da sua vida começará a ganhar em deslumbramento e santidade.

    …Que Brebis, aliás, repartirá pelos outros. Pois o regresso é sempre nobre e as sombras que tremem, quase mortas, mesmo assim pulsam misteriosamente como a paz magnífica das lágrimas redentoras.


Três canções de amor (Federico Garcia Lorca/Manuel Oltra)

 



segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Para que a Terra não esqueça

 

Padre e namorada terão desviado 800 mil euros

Um padre e uma gestora são suspeitos de desviarem milhares de euros de instituições sociais e de fazerem vida de luxo. Justiça investiga crimes de abuso de confiança e branqueamento de capitais.

(Dos jornais)


Que vergonha! Isto está bonito, está!

João Bermudes


Um poema de Luís Borja (El Salvador, 1985-2021)

 

PÁSSARO E AREIA

 

Sei que é muito difícil pensar em ti com as mãos feridas pela saudade

ainda imagino como as tuas palavras cantam com ternura

A voz alegre e sangrenta com a qual tu imitas os pássaros

As batidas dos teus dedos destruindo a distância

- Acho que nesse arpejo tu resumes toda a tua tristeza -

Às vezes acho que tu és uma palavra melancólica que se perde nas tardes

Achas estranho pensar assim?

E é que em ti às vezes também é fácil perceber a solidão moderna com que amaldiçoas as ruas.]

O golpe terrível com que quebras os vazios.

Tu podes estar preocupada com a mediação que existe no homem morto e na arma]

E talvez te preocupes com o sorriso caricioso das crianças perdidas

E podes preocupar-te com a borda delineada empilhada com os mortos

É por isso que me encontro em ti

Porque é fácil ver nos teus olhos a transbordante ternura de que falamos

E essa é a única coisa que nos salva da morte.

Eu tenho que terminar contando-te

Que às vezes quando penso em ti

Imagino-te pássaro e areia

E vais ver o quão terno eu me imagino nas tuas mãos.

 

(Tradução de Nicolau Saião)


Nicolau Saião, A doce solidão do artista no Carnaval

 


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   O Arantes telefonou-me. Chovia de mansinho. Ele estava alegre, como sempre (vodka "Kamikaze"). "Imagino de que irás logo tu mascarado!" disse-me mostrando saber como ia ser no baile das Saavedras. "Aposto que vais de urso!", atirou gargalhando em tom de gozo. Não lhe disse que sim nem que não. E ele, lampeiro: "Adeus, meu malandro! Antes passa lá por casa e empresta-me o sobretudo que a nena te ofereceu".
   Estava nisto quando tocaram à campainha. Claro, era o Avelino. "Tou cá a pensar..." afirmou antes que eu respirasse fundo "Logo no baile das Reboredos... Sou capaz de jurar que vais de guarda-republicano!". E foi direito à garrafeira e abalou-me com o "Queen Margot"! Ainda não se extinguira o estrépito na escada e já me repenicava o telelé. Naturalmente, era o Simões, o gorducho com o seu pigarro enervante. "Olha lá, parceiro do teu parceiro! Já pensei que irás de bispo à funçanata das Castro Henriques..." pespegou-me com vivacidade. "É ou não é, meu chapa?" E antes de me deixar reagir já me cravara a certeza de 30 euros sem caroço... Despediu-se velozmente e quem vejo aparecer no e-mail do meu portátil que deixara ligado? Naturalmente, o Belisário. "Meu garanhão", li na janela do sinistro aparelhómetro "Já cá se sabe que ao baile das Avintes tu vais de bombeiro. Faz-te de novas...E não te esqueças de me devolver aquela primeira edição que me levaste do Fernando Arrabal".
   Suspirando, fui até à secretária. Nem tinha tido tempo de ver antes o correio. Uma carta. Hum, hum... Da Leopoldina. "Matulão, calculo que logo ao baile da Filarmónica não te sustenhas de ir de criada-para-todo-o-serviço. Sempre gostaste de meias pretas, eheh...". E dava-me logo o recado: "Não te esqueças de me levar a tua pulseira de ouro que eu depois ta devolvo...".
   A chuva parara. Olhei pela janela, com certa melancolia, as árvores que muito quietas estavam como sempre no enfiamento das ruas onde se cruzavam transeuntes com um ar algo abatido. Sentia-me meio patusco.
   Respirei fundo.
   Despi-me devagarinho. Pausadamente. Com prazer, com decisão. Pus-me até sem cuecas, fui até à porta do quarto, fechei-o à chave e voltando para junto da cómoda atirei-a dentro por uma fisga mal-fechada, que depois cerrei com esmero.
   Desatei a rir em stacatto, num estilo muito meu. Abri o ar condicionado quentinho, apanhei um exemplar do Boris Vian e estendi-me confortavelmente na doce cama.
   Eles nunca tinham pensado que neste Carnaval eu ficaria em casa mascarado de nudista...


The Gipsy Kings, L'Italiano (Toto Cutugno)

 



segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

PÓRTICO

 

  Assinalamos, com gosto, a volta à colaboração com a Rádio Portalegre do Dr. Nuno Oliveira, agora como comentador integrado na rubrica Desabafos. Dicção clara e sugestiva, bem articulada, com textos apropriados certificando sensatez e bom propósito. O autor, que nos tempos áureos daquela Emissora desempenhou o cargo de seu  Presidente, é pois agora e de novo, com outras funções, um elemento de valor neste órgão de comunicação regional local, pelo que a Cidade está de parabéns. - ns


Para que a Terra não esqueça

 

D. José Ornelas: "Pedimos perdão a todas as vítimas”.

Padres abusadores "não têm lugar" na Igreja,

"desde que seja provado" na justiça civil ou em processos canónicos

 

Relatório final da comissão independente estima "mínimo" de 4.815 vítimas de abusos de menores na Igreja em Portugal. Lista de "abusadores no ativo" vai ser enviada à Igreja e MP.

(Dos jornais)

 

  Bom propósito. No entanto, a pedofilia na Igreja é estrutural, parte do síndrome monomaníaco comum a todas as religiões reveladas. Lembremos que tem sucedido em todos os tempos, só que anteriormente era ocultado. Recordemos o que aconteceu nos tempos de Jesus e que o próprio Jesus referiu, na sua célebre postura em que ele disse “Deixai vir a mim as criancinhas. E em verdade vos digo que o mal que fareis a estes inocentes é como se o fizésseis a mim”.

  A pedofilia vai continuar, está ali como uma inevitabilidade que a boa vontade dos dirigentes e antístenes nunca poderá extinguir, por muito que tentem em sã decisão.

José Moura e Castro


Um poema de Vicente Aleixandre

 




ADOLESCÊNCIA

 

Virias e te irias docemente,

de um caminho

a outro caminho. Para eu te ver,

e não te ver de novo.

Passar por uma ponte a outra ponte.

O pé acanhado,

vencida a alegre luz.

 

Garoto que seria eu mirando

as águas em baixo correndo,

e no espelho a tua passagem

fluir e desvanecer-se.



(Prémio Nobel de 1977)


Tradução de Nicolau Saião


Nicolau Saião, De Contarelos para mortos vivos


1. GANIMEDES



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    Quando Ganimedes, o Meio-Poderoso, nasceu (numa noite vesga e tranquila de Agosto) o Mundo sentiu um apertão, um espasmo, percorrer-lhe raivosamente a cintura e a testa. Mas Ganimedes foi crescendo forte e silencioso, vermelhos os cabelos, inquieto o nariz, os dedos mindinhos mais compridos que os dos outros infantes. Direis: nada nos garante que o vento terrinegro que nessa altura percorria o laranjal, em ilustrados jogos, não tivesse adivinhado-sabido o semi-começar das trevas. Ainda que estranho seja, nem a vaca nem o burro, aliás estarrecidos, recordaram esperançosos antigas emoções. Ganimedes nasceu e cresceu, é tudo: nem discurso disse nem fala botou, naquele acto de rendição: Somente um gemido fino e solto, atendei, ficou a assinalar e para todo o sempre o local do seu nascimento.

    Ganimedes no Verão caçou pardais. No Inverno matou cobras. No Outono atormentou peixes e rãs. Na Primavera devorou borboletas e rasgou os calções ao dormitar nos bosques. E depois da primeira comunhão, de branco e azul fatiotado, sonhou com palácios distantes cheínhos de fadas madrinhas.

    Voltava triunfante para casa, ao lusco-fusco, olhando o universo por cima do ombro. As suas madrugadas eram de azougue e nos rios, lagos, fontes (não esquecendo o espelho mágico que tanto o amava) estudava o rosto inseguro. A barriga de Ganimedes, quando chovia, tinha a cor da tristeza: por isso Ganimedes, futuro Senhor das Portas Imprecisas, resolveu provocar o destino.

      Agora, sentado à mesa do Café, que linda e que fresca é, o serenal Ganimedes pensava a sério nos mistérios, esperando Centaurus. O velho palaciano, professor nas horas vagas, prometera aparecer. Ganimedes, esse, cocou o revirão na existência.

     Os olhitos de perro de Centaurus, recorda o Meio-Poderoso, dançavam tem-te não caias, abarcando Norte e Sul, Este e Oeste. Que pensar? Beiça lambida, perna traçada, estômago pesado-leve, talvez fosse melhor esquecer e mudar. Mas qual! É tão belo o cheiro dos cobres! E nas unhas de Centaurus, olhos e ouvidos do rei, também se entretopava com um bocado de imaginação o perfume desfeito dos diamantes.

    Agora, vede: a respiração de Ganimedes, o Muitos-Anos potente, anos a vir, sobe no ar feliz como uma aeronave esquisita. Que o hálito de Ganimedes, direi antes que me esqueça, já visitou Tembuctu: não é um simples bafo: dentro dele, com ele, agonizam épocas e sóis, o que se conhece e o que jamais se entenderá, pergaminhos, solenidades, clepsidras, visões; e de há muitas e muitas badaladas que o Natal de Ganimedes começa onde o Natal de outros acaba.

    Contempla, Ganimedes, o vaivém da avenida! Na tua mioleira ferve o querido unguento das bruxas. No teu bolso direito o facalhão medita. No algibeirão esquerdo uma palavra enrosca-se. Tudo terás, Ganimedes! Já tiveste amigos poucos, já tiveste inimigos defuntos, já andaste ao calor e ao frio, já gozaste na carne o fedor dos beijos, já sentiste nas orelhas o caminhar dos maus anos. No tempo velho ias tu, se bem me lembro, nos dezassete fôlegos, tocou-te numa noite o buço o fresco braço de Emília. Nevava com fartura. Era através de uma auréola que distinguias o quarto de hóspedes. Andando em torno, fazendo do gelo o princípio das eternas delícias, Emilia a Bela ria, ria.

    Consagraste-te depois ao sono e aos inventos da média maldade. Talvez por isso o nariz te tivesse crescido com sabedoria e vigor.

    Ganimedes ergue os olhos. Ninguém lamentará a sorte que o espera. Cheira mal, Ganimedes. Tão mal que obriga os que vão passando, sem que o saibam, a apertar os dentes. Mas Ganimedes será o pavor e a ressurreição e nada cessará de lhe pesar em cima.

    Na cidade, num largo ao longe, aves e cães debicam pedacinhos de pão escuro. Também na cidade existem cães e aves esfomeadas. E a brutalidade dos homens, a morte, nunca será infelizmente o acabar da questão.

    Como um lagarto apodrecido, Ganimedes sentado espera. Provocou o destino, fez-se por fora dos homens. Talvez por isso os pavilhões auriculares não se envergonhassem da fama, pesada e maternal, de peregrino e vidente. A sua cova será mais um rabisco a juntar a todos os outros.

    E enquanto o Meio-Poderoso vai aguardando Centaurus, sentindo nas mãos peludas e no pescoço o finante sol da tarde, de súbito compreende que nunca mais voltará a contemplar, do meio dos pinheirais antiquíssimos, o recuado e terrível luzeiro de Canis Minor.


Canto Gregoriano, Salmo 90/91

 



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Para que a Terra não esqueça

 

Sismos matam pelo menos 2.500 na Turquia e Síria

 

Dois sismos de magnitude 7,8 e 7,6 na escala de Richter, que atingiu a Turquia, fez pelo menos 2.000 mortos no país e, também, na Síria. EUA estimam que mortes podem chegar às 10.000.

(Dos jornais)

 

  Pobres cidadãos, pobres povos. Não lhes bastava serem “governados” por totalitários hipócritas, ainda por cima têm de aguentar as inclemências da natureza. E com a miséria que por lá vai e o desinteresse dos chefões, estão bem arranjados.

Marcelino Cidrais


Dois poemas de Jean Hautepierre

 


ns



É O TEMPO PESADO DAS RECORDAÇÕES

 

É o tempo pesado das recordações;

Voltam na sombra maluca,

Imagens que vemos ressurgir,

Músicas e perfumes, palavras.

 

Com frequência, há uma dor no horizonte

A noite sobe mais alto que as torres;

Está lá essa hora, triste e serena

Como um luto que jamais acaba.

 

E é então, no limiar do mistério

Das coisas sombrias e das pedras

Que elas reaparecem, infinitas,

E que desfilam em multidão

Falando-nos dos dias que já foram,

Falando-nos dos amores que morreram.


 

É A HORA OBSCURA DA NOITE

 

É a hora obscura da noite;

É a hora obscura onde tudo desaparece,

As recordações, as alegrias, os sonhos,

A vida - e tudo o que nela se contém.

 

É a hora em que se ouvem os passos

Soar como soa o gelo,

Num céu vazio e numa alma alheada;

A esta hora, onde sem um adeus,

Tudo se extingue até ao último fogo,

Não há mais devaneios nem palavras.

 

É a hora imensa em que da terra

Sobem as sombras e as pedras,

Fazendo reinar do mineral

A ordem muda, dura, primordial.


Tradução de Cristino Cortes

Primeira pessoa do singular

 




Os sete magníficos do «Diário Popular»


José de Freitas, Fernando Teixeira, Urbano Carrasco, Abel Pereira, Jacinto Baptista, Baptista Bastos e José de Lemos – depois de lhe referir os nomes e de os definir a traços largos e concisos, Mário Ventura, no prefácio do livro «Morrer em Portugal» (Bertrand) adianta o seguinte: «Foi no meio destes homens, e com eles, que aprendi o que sei de jornalismo e me habilitei a honrar os princípios que sobrevivem  ao esmagamento da imprensa portuguesa nos  últimos cinquenta anos.» O texto é de 1975, basta fazer as contas. Tudo isto tem a ver comigo pois este é o meu jornal desde sempre. Nasci em 1951 em Santa Catarina – Caldas da Rainha e aprendi a ler pelos idos de 1957 pelo «Diário Popular» que o meu pai trazia para casa ao fim de um dia de trabalho no Montijo onde conduzia uma Mercedes Benz da brigada dos Serviços Prisionais para a construção do Palácio da Justiça. Mais tarde (1961-1966) em Vila Franca de Xira tinha longas conversas no Jardim frente ao Tejo com os meus colegas de turma no Curso Geral do Comércio. Uns eram pelo «Diário de Lisboa», outros pelo «República» mas eu era fiel ao «Diário Popular». É neste jornal que está a minha família sentimental, seja ela nuclear ou alargada. Agora já é tarde para mudar. No momento em que escrevo esta crónica estou perto de celebrar 72 anos; mudar de jornal nem pensar. Mesmo que esse jornal tenha acabado no sentido em que se deixou de publicar. Ficaram as memórias e a minha vida é feita cada vez mais de recordações. Afinal os sete magníficos eram oito. Santos Fernando tinha a coluna «Os grilos não cantam ao Domingo» e eu não perdia nenhuma. Mesmo quando chovia.

José do Carmo Francisco


Faran Ensemble, Rain

 



Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...