Aqueles que pensam que nos podemos tornar um
país mais rico ou mais estável poupando na educação e deformando a instrução
dos mais novos são a classe mais ignorante de seres humanos.
Winston
Churchill
Aqueles que pensam que nos podemos tornar um
país mais rico ou mais estável poupando na educação e deformando a instrução
dos mais novos são a classe mais ignorante de seres humanos.
Winston
Churchill
Café Moderno
Foram chegando um a um os familiares
Do Café Moderno, em Pontevedra.
E agora, dez exatas horas da manhã
No relógio de parede
Ei-lo quase cheio
Mesmo na esplanada corrida por uma aragem fria
Vinda dos salgados miasmas da ria.
Lugar de tertúlias, ainda guarda essa memória
Nas madeiras aconchegantes
Nos
marmóreos tampos das mesas
Nos grandes quadros cujas cenas bucólicas
Cobrem as citadinas paredes.
E eu sinto o teu cheiro, Federico.
Usavas perfume discreto
Fumavas cigarrilha elegante
Os sapatos sempre engraxados
Luzindo como a caneta de tinta permanente.
À
tua frente
O caderno de capa preta
Fininho para o guardares no bolso
Do colete
Sem te deformar a silhueta.
Manuscreves
Como eu que teclo
Agora
Imaginando-te em ato de concentrada
Redação.
Menino, o teu infantil manuscrito
Nem parece ter
crescido
Na contemplação das paredes da Alhambra
Cobertas de
caligrafia sublime!
Cheira a café, cheira a tabaco, cheira à tua poesia.
Escreveste aqui, na cadeira em que me sento
Embora sem tablet, Federico, embora
Sem telemóvel
E sem esse grande luxo para substituir bibliotecas
Que é a Internet com a sua Wikipédia!
Apenas tinta, caneta e papel
E apesar de tão pobre em ferramentas
Ao alto céu subiste do flamingo.
Tão poucos meios
Mas foi aqui
Na Praza de San Xosé
Ainda não tinha sido postada
Ao centro
A tertúlia em bronze dos
Intelectuais e artistas do teu orbe
Foi aqui, no Café Moderno, aberto
Em Pontevedra em 1903
Que redigiste algum do teu moderno
Poeta
en Nueva York.
(Do poemário “Conversas
com Federico Garcia Lorca”)
2. BREBIS
ns
No meio da noite, ao acordar de supetão,
Brebis sente vontade de rir. Mentira parecerá mas por momentos, no mar do sono,
notou-se ligeiramente iluminado; por momentos, sobre a calva monacal, ouviu
adejar o fru-fru da clara santidade.
No Casarão já começaram a palpitar os ecos
dos que vêm de longes terras: cavalheiros-andantes, irmãos-chegados,
dormidos-nas-encruzilhadas, manas-de-mau porte, corcundas, coxos, famélicos,
leprosos; o costume, enfim, naquele santo retiro, onde chegam dia após dia, ano
após ano, e grão mérito se junte e daí releve, os que desejam por bem a doçura
jamais negada do repousar beatífico.
Foi nessa altura, dizia eu, que o manso
Brebis de orelha longa pela primeira vez olhou com atenção os dedos das suas
mãos sabedoras.
Outrora Brebis soubera coisas de muita
espantação: o lugar que a aurora escolhe para nascer, por exemplo. Mas já
esquecera tudo, as dúvidas não nos ligam às recordações. Como se calcula, a
suavidade dos cânticos é grata ao coração do homem, eis a verdade.
Na cozinha ronrona a voz seráfica de frei
João Sem Cuidados, cantando o seu mote de esperançosa mágoa:
Frère Jacques, frère Jacques
dormez vous, dormez vous?
e
no pátio lajeado os burricos de serviço, cobertos pela sombra lunar dos
pessegueiros e das tílias, esperam o início do seu turno de bondades.
Na Torre dos Grilos, aquela de tijolo e
pedra que pelos anos fora crescera até às barbas das nuvens, S. Estrabum
exercita-se cantochando e responsando, ardente e comovido com o seu “métier” de
grande purificador. A seus pés, um donato vai registando em velino as frases a
celebrizar.
No catre, irmão Brebis espreguiça-se para
compensar e sente lá por dentro uma intensa alegria.
Na cela quase nua, quase virgem, de
velharias nos cantos, de certeza que se esconde uma invisível presença.
Inventariemos: uma cadeira cambada, uma távola redonda, uma bacia de esmalte,
um mocho empalhado (símbolo da coragem e da humildade) uma caveira de
esculápio, um astrolábio, um globo. E Brebis. Inventariemos mais: uma gamela
onde por vezes, com preguiça de ir ao urinol, faz o chichi; uma estante com “in
fólios”, seis terços com as contas de pau-santo; um relógio de cuco; três
exemplares do “Reader’s Digest”; um óculo para ver o destino; uma lamparina. E
Brebis.
Brebis olhou segunda vez, atentamente, as
suas mãos cor de caca de recém-nascido e os dedos bondosos. E sente que na alma
lhe vai caindo como que um trémulo pingo de negro licor.
Brebis, como se sabe, já inventou uma nova
filosofia: negar a existência das ruas que a partir do crepúsculo perdem a luz
e a memória. Qualquer dia começará a comer o pão pelo lado mais escuro e
cortará as unhas seis vezes por ano. Andará pelos corredores com a cabeça
baixa, salmodiando ciência e reza. Olhará a luz que os vitrais coam, estremecerá
de frio como a flama das velas, bimbalhará como os sinos das matinas, rirá para
dentro devagar.
Sentirá rumores de gente esquisita, com um
odor lixado a incenso. Mas por enquanto, pensando nisto, apenas a sacola das
migas se começa a queixar de abandono e desprezo.
Diz para si próprio que o maior mistério é
andar quando deve andar, dormir quando deve dormir, fazer a barba, entrar no
refeitório com pratos de boa loiça, rir para o sol, rir para as árvores do
monte, contar anedotas. Fugir dos ajuntamentos e não desejar a mulher do
próximo. As rugas, os olhos fechados, ficam onde calha. Brebis, ausente em
rugidos, sonolento enquanto velho, deixa escapar um gemido honrado. Um gemido
sulfuroso.
No salão onde as orações e os suspiros têm
quentes frenesis, as preces misturam o arrependimento com o desejo de
entusiasmo. Tanta gentinha! O oratório resplandece no meio dos rostos
intensamente ardidos. Brebis começa a pensar que, dali para a frente, o resto
da sua vida começará a ganhar em deslumbramento e santidade.
…Que Brebis, aliás, repartirá pelos outros.
Pois o regresso é sempre nobre e as sombras que tremem, quase mortas, mesmo
assim pulsam misteriosamente como a paz magnífica das lágrimas redentoras.
Padre e namorada terão desviado 800 mil euros
Um padre e uma gestora são suspeitos de desviarem
milhares de euros de instituições sociais e de fazerem vida de luxo. Justiça
investiga crimes de abuso de confiança e branqueamento de capitais.
(Dos jornais)
Que vergonha! Isto está
bonito, está!
João Bermudes
PÁSSARO
E AREIA
Sei
que é muito difícil pensar em ti com as mãos feridas pela saudade
ainda
imagino como as tuas palavras cantam com ternura
A
voz alegre e sangrenta com a qual tu imitas os pássaros
As
batidas dos teus dedos destruindo a distância
-
Acho que nesse arpejo tu resumes toda a tua tristeza -
Às
vezes acho que tu és uma palavra melancólica que se perde nas tardes
Achas
estranho pensar assim?
E
é que em ti às vezes também é fácil perceber a solidão moderna com que amaldiçoas as ruas.]
O
golpe terrível com que quebras os vazios.
Tu
podes estar preocupada com a mediação que existe no homem morto e na arma]
E
talvez te preocupes com o sorriso caricioso das crianças perdidas
E
podes preocupar-te com a borda delineada empilhada com os mortos
É
por isso que me encontro em ti
Porque
é fácil ver nos teus olhos a transbordante ternura de que falamos
E
essa é a única coisa que nos salva da morte.
Eu
tenho que terminar contando-te
Que
às vezes quando penso em ti
Imagino-te
pássaro e areia
E
vais ver o quão terno eu me imagino nas tuas mãos.
(Tradução de Nicolau Saião)
ns
O Arantes
telefonou-me. Chovia de mansinho. Ele estava alegre, como sempre (vodka
"Kamikaze"). "Imagino de que irás logo tu mascarado!"
disse-me mostrando saber como ia ser no baile das Saavedras. "Aposto
que vais de urso!", atirou gargalhando em tom de gozo. Não lhe disse
que sim nem que não. E ele, lampeiro: "Adeus, meu malandro! Antes passa
lá por casa e empresta-me o sobretudo que a nena te ofereceu".
Estava nisto quando tocaram à
campainha. Claro, era o Avelino. "Tou cá a pensar..." afirmou
antes que eu respirasse fundo "Logo no baile das Reboredos... Sou capaz
de jurar que vais de guarda-republicano!". E foi direito à garrafeira
e abalou-me com o "Queen Margot"! Ainda não se extinguira o estrépito
na escada e já me repenicava o telelé. Naturalmente, era o Simões, o gorducho
com o seu pigarro enervante. "Olha lá, parceiro do teu parceiro! Já
pensei que irás de bispo à funçanata das Castro Henriques..."
pespegou-me com vivacidade. "É ou não é, meu chapa?" E antes
de me deixar reagir já me cravara a certeza de 30 euros sem caroço...
Despediu-se velozmente e quem vejo aparecer no e-mail do meu portátil que
deixara ligado? Naturalmente, o Belisário. "Meu garanhão", li
na janela do sinistro aparelhómetro "Já cá se sabe que ao baile das
Avintes tu vais de bombeiro. Faz-te de novas...E não te esqueças de me devolver
aquela primeira edição que me levaste do Fernando Arrabal".
Suspirando, fui até à secretária. Nem
tinha tido tempo de ver antes o correio. Uma carta. Hum, hum... Da Leopoldina.
"Matulão, calculo que logo ao baile da Filarmónica não te sustenhas de
ir de criada-para-todo-o-serviço. Sempre gostaste de meias pretas, eheh...".
E dava-me logo o recado: "Não te esqueças de me levar a tua pulseira de
ouro que eu depois ta devolvo...".
A chuva parara. Olhei pela janela, com
certa melancolia, as árvores que muito quietas estavam como sempre no
enfiamento das ruas onde se cruzavam transeuntes com um ar algo abatido.
Sentia-me meio patusco.
Respirei fundo.
Despi-me devagarinho. Pausadamente.
Com prazer, com decisão. Pus-me até sem cuecas, fui até à porta do quarto,
fechei-o à chave e voltando para junto da cómoda atirei-a dentro por uma fisga
mal-fechada, que depois cerrei com esmero.
Desatei a rir em stacatto, num
estilo muito meu. Abri o ar condicionado quentinho, apanhei um exemplar do
Boris Vian e estendi-me confortavelmente na doce cama.
Eles nunca tinham pensado que neste
Carnaval eu ficaria em casa mascarado de nudista...
Assinalamos, com gosto, a volta à colaboração
com a Rádio Portalegre do Dr. Nuno Oliveira, agora como comentador integrado na
rubrica Desabafos. Dicção clara e sugestiva, bem articulada, com textos
apropriados certificando sensatez e bom propósito. O autor, que nos tempos
áureos daquela Emissora desempenhou o cargo de seu Presidente, é pois
agora e de novo, com outras funções, um elemento de valor neste órgão de
comunicação regional local, pelo que a Cidade está de parabéns. - ns
D. José Ornelas: "Pedimos perdão a todas as vítimas”.
Padres abusadores "não têm lugar" na Igreja,
"desde
que seja provado" na justiça civil ou em processos canónicos
Relatório final da comissão independente estima "mínimo"
de 4.815 vítimas de abusos de menores na Igreja em Portugal. Lista de
"abusadores no ativo" vai ser enviada à Igreja e MP.
(Dos
jornais)
Bom propósito. No entanto, a pedofilia na
Igreja é estrutural, parte do síndrome monomaníaco comum a todas as religiões
reveladas. Lembremos que tem sucedido em todos os tempos, só que anteriormente
era ocultado. Recordemos o que aconteceu nos tempos de Jesus e que o próprio
Jesus referiu, na sua célebre postura em que ele disse “Deixai vir a mim as
criancinhas. E em verdade vos digo que o mal que fareis a estes inocentes é
como se o fizésseis a mim”.
A pedofilia vai continuar, está ali como uma
inevitabilidade que a boa vontade dos dirigentes e antístenes nunca poderá
extinguir, por muito que tentem em sã decisão.
José
Moura e Castro
ADOLESCÊNCIA
Virias
e te irias docemente,
de
um caminho
a
outro caminho. Para eu te ver,
e
não te ver de novo.
Passar
por uma ponte a outra ponte.
O
pé acanhado,
vencida
a alegre luz.
Garoto
que seria eu mirando
as
águas em baixo correndo,
e
no espelho a tua passagem
fluir
e desvanecer-se.
(Prémio
Nobel de 1977)
Tradução de Nicolau Saião
1. GANIMEDES
ns
Quando Ganimedes, o Meio-Poderoso, nasceu
(numa noite vesga e tranquila de Agosto) o Mundo sentiu um apertão, um espasmo,
percorrer-lhe raivosamente a cintura e a testa. Mas Ganimedes foi crescendo
forte e silencioso, vermelhos os cabelos, inquieto o nariz, os dedos mindinhos
mais compridos que os dos outros infantes. Direis: nada nos garante que o vento
terrinegro que nessa altura percorria o laranjal, em ilustrados jogos, não
tivesse adivinhado-sabido o semi-começar das trevas. Ainda que estranho seja,
nem a vaca nem o burro, aliás estarrecidos, recordaram esperançosos antigas
emoções. Ganimedes nasceu e cresceu, é tudo: nem discurso disse nem fala botou,
naquele acto de rendição: Somente um gemido fino e solto, atendei, ficou a
assinalar e para todo o sempre o local do seu nascimento.
Ganimedes no Verão caçou pardais. No
Inverno matou cobras. No Outono atormentou peixes e rãs. Na Primavera devorou
borboletas e rasgou os calções ao dormitar nos bosques. E depois da primeira
comunhão, de branco e azul fatiotado, sonhou com palácios distantes cheínhos de
fadas madrinhas.
Voltava triunfante para casa, ao
lusco-fusco, olhando o universo por cima do ombro. As suas madrugadas eram de
azougue e nos rios, lagos, fontes (não esquecendo o espelho mágico que tanto o
amava) estudava o rosto inseguro. A barriga de Ganimedes, quando chovia, tinha
a cor da tristeza: por isso Ganimedes, futuro Senhor das Portas Imprecisas,
resolveu provocar o destino.
Agora, sentado à mesa do Café, que linda
e que fresca é, o serenal Ganimedes pensava a sério nos mistérios, esperando
Centaurus. O velho palaciano, professor nas horas vagas, prometera aparecer.
Ganimedes, esse, cocou o revirão na existência.
Os olhitos de perro de Centaurus, recorda
o Meio-Poderoso, dançavam tem-te não caias, abarcando Norte e Sul, Este e
Oeste. Que pensar? Beiça lambida, perna traçada, estômago pesado-leve, talvez
fosse melhor esquecer e mudar. Mas qual! É tão belo o cheiro dos cobres! E nas
unhas de Centaurus, olhos e ouvidos do rei, também se entretopava com um bocado
de imaginação o perfume desfeito dos diamantes.
Agora, vede: a respiração de Ganimedes, o
Muitos-Anos potente, anos a vir, sobe no ar feliz como uma aeronave esquisita.
Que o hálito de Ganimedes, direi antes que me esqueça, já visitou Tembuctu: não
é um simples bafo: dentro dele, com ele, agonizam épocas e sóis, o que se
conhece e o que jamais se entenderá, pergaminhos, solenidades, clepsidras,
visões; e de há muitas e muitas badaladas que o Natal de Ganimedes começa onde
o Natal de outros acaba.
Contempla, Ganimedes, o vaivém da avenida!
Na tua mioleira ferve o querido unguento das bruxas. No teu bolso direito o
facalhão medita. No algibeirão esquerdo uma palavra enrosca-se. Tudo terás,
Ganimedes! Já tiveste amigos poucos, já tiveste inimigos defuntos, já andaste
ao calor e ao frio, já gozaste na carne o fedor dos beijos, já sentiste nas
orelhas o caminhar dos maus anos. No tempo velho ias tu, se bem me lembro, nos
dezassete fôlegos, tocou-te numa noite o buço o fresco braço de Emília. Nevava
com fartura. Era através de uma auréola que distinguias o quarto de hóspedes.
Andando em torno, fazendo do gelo o princípio das eternas delícias, Emilia a
Bela ria, ria.
Consagraste-te depois ao sono e aos
inventos da média maldade. Talvez por isso o nariz te tivesse crescido com
sabedoria e vigor.
Ganimedes ergue os olhos. Ninguém lamentará
a sorte que o espera. Cheira mal, Ganimedes. Tão mal que obriga os que vão
passando, sem que o saibam, a apertar os dentes. Mas Ganimedes será o pavor e a
ressurreição e nada cessará de lhe pesar em cima.
Na cidade, num largo ao longe, aves e cães
debicam pedacinhos de pão escuro. Também na cidade existem cães e aves
esfomeadas. E a brutalidade dos homens, a morte, nunca será infelizmente o
acabar da questão.
Como um lagarto apodrecido, Ganimedes
sentado espera. Provocou o destino, fez-se por fora dos homens. Talvez por isso
os pavilhões auriculares não se envergonhassem da fama, pesada e maternal, de
peregrino e vidente. A sua cova será mais um rabisco a juntar a todos os
outros.
E enquanto o Meio-Poderoso vai aguardando
Centaurus, sentindo nas mãos peludas e no pescoço o finante sol da tarde, de
súbito compreende que nunca mais voltará a contemplar, do meio dos pinheirais
antiquíssimos, o recuado e terrível luzeiro de Canis Minor.
Sismos matam pelo menos 2.500 na Turquia e Síria
Dois sismos de
magnitude 7,8 e 7,6 na escala de Richter, que atingiu a Turquia, fez pelo menos
2.000 mortos no país e, também, na Síria. EUA estimam que mortes podem chegar
às 10.000.
(Dos jornais)
Pobres cidadãos, pobres povos. Não lhes bastava serem “governados” por
totalitários hipócritas, ainda por cima têm de aguentar as inclemências da
natureza. E com a miséria que por lá vai e o desinteresse dos chefões, estão
bem arranjados.
Marcelino Cidrais
ns
É O TEMPO PESADO DAS
RECORDAÇÕES
É o tempo pesado das recordações;
Voltam na sombra maluca,
Imagens que vemos ressurgir,
Músicas e perfumes, palavras.
Com frequência, há uma dor no horizonte
A noite sobe mais alto que as torres;
Está lá essa hora, triste e serena
Como um luto que jamais acaba.
E é então, no limiar do mistério
Das coisas sombrias e das pedras
Que elas reaparecem, infinitas,
E que desfilam em multidão
Falando-nos dos dias que já foram,
Falando-nos dos amores que morreram.
É A HORA OBSCURA DA
NOITE
É a hora obscura da noite;
É a hora obscura onde tudo desaparece,
As recordações, as alegrias, os sonhos,
A vida - e tudo o que nela se contém.
É a hora em que se ouvem os passos
Soar como soa o gelo,
Num céu vazio e numa alma alheada;
A esta hora, onde sem um adeus,
Tudo se extingue até ao último fogo,
Não há mais devaneios nem palavras.
É a hora imensa em que da terra
Sobem as sombras e as pedras,
Fazendo reinar do mineral
A ordem muda, dura, primordial.
Tradução de Cristino Cortes
Os sete magníficos do «Diário
Popular»
José
de Freitas, Fernando Teixeira, Urbano Carrasco, Abel Pereira, Jacinto Baptista,
Baptista Bastos e José de Lemos – depois de lhe referir os nomes e de os
definir a traços largos e concisos, Mário Ventura, no prefácio do livro «Morrer
em Portugal» (Bertrand) adianta o seguinte: «Foi no meio destes homens, e com
eles, que aprendi o que sei de jornalismo e me habilitei a honrar os princípios
que sobrevivem ao esmagamento da
imprensa portuguesa nos últimos
cinquenta anos.» O texto é de 1975, basta fazer as contas. Tudo isto tem a ver
comigo pois este é o meu jornal desde sempre. Nasci em 1951 em Santa Catarina –
Caldas da Rainha e aprendi a ler pelos idos de 1957 pelo «Diário Popular» que o
meu pai trazia para casa ao fim de um dia de trabalho no Montijo onde conduzia
uma Mercedes Benz da brigada dos Serviços Prisionais para a construção do
Palácio da Justiça. Mais tarde (1961-1966) em Vila Franca de Xira tinha longas
conversas no Jardim frente ao Tejo com os meus colegas de turma no Curso Geral
do Comércio. Uns eram pelo «Diário de Lisboa», outros pelo «República» mas eu
era fiel ao «Diário Popular». É neste jornal que está a minha família
sentimental, seja ela nuclear ou alargada. Agora já é tarde para mudar. No
momento em que escrevo esta crónica estou perto de celebrar 72 anos; mudar de
jornal nem pensar. Mesmo que esse jornal tenha acabado no sentido em que se
deixou de publicar. Ficaram as memórias e a minha vida é feita cada vez mais de
recordações. Afinal os sete magníficos eram oito. Santos Fernando tinha a
coluna «Os grilos não cantam ao Domingo» e eu não perdia nenhuma. Mesmo quando
chovia.
José do Carmo Francisco
Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana. Esperando resolvê-lo em breve,...