quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Dois poemas de José do Carmo Francisco

 




Poema periférico para Álvaro Pato

 

O poema passa quatro vezes por dia

À porta do lagar de azeite do teu avô

Entre o Bom Retiro e a Escola Técnica.

Tal como tu o poema não pode ouvir

As crianças a chorar na sala ao lado

Com as torturas das mães a confessar.

As cartilagens do ouvido estão quebradas

Golpes de tesoura repetidos e certeiros

Por um pide mau que sabia do seu ofício.

Eu não sou ninguém, fui delegado sindical

Vinte e quatro anos seguidos desde 1972

Por isso tenho hoje uma reforma pequena.

Mas dava um ano de reforma e vida a quem

Me dissesse onde os sapatos de Carlos Pato

Na arca guardados junto à cama da avó.

Nós continuamos a ser da mesma turma

Ninguém nos tira dessa fotografia anual 

A preto e branco como é afinal a nossa vida.

 


Poema periférico para António Bárcia

 

Já não se morre como no passado

Hoje todo o morto tem um funeral

Com urna e fato pago pela Santa Casa.

Muitas vezes vai apenas um funcionário

No acompanhamento trinta dias depois

Do corpo chegar à Morgue de Santa Maria.

Porque a lei mudou a vala comum acabou

Mas seu nome ficou nas fichas dos livros

E no coração de quem não o vai esquecer.

Morrer não é apenas deixar de ser visto

Nem as estradas têm curvas como antes

Morrer é sempre um mistério, outra coisa.

Talvez calhe e seja o Pedro a acompanhar

A sua urna se ninguém se chegar à frente

Para tratar de todas essas formalidades.

Tenho um livro onde as suas palavras

Aparecem num tão discreto anonimato

Mas a posteridade essa vai continuar.


2 comentários:

Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...