Poema periférico para Álvaro Pato
O
poema passa quatro vezes por dia
À
porta do lagar de azeite do teu avô
Entre
o Bom Retiro e a Escola Técnica.
Tal
como tu o poema não pode ouvir
As
crianças a chorar na sala ao lado
Com
as torturas das mães a confessar.
As
cartilagens do ouvido estão quebradas
Golpes
de tesoura repetidos e certeiros
Por
um pide mau que sabia do seu ofício.
Eu
não sou ninguém, fui delegado sindical
Vinte
e quatro anos seguidos desde 1972
Por
isso tenho hoje uma reforma pequena.
Mas
dava um ano de reforma e vida a quem
Me
dissesse onde os sapatos de Carlos Pato
Na
arca guardados junto à cama da avó.
Nós
continuamos a ser da mesma turma
Ninguém
nos tira dessa fotografia anual
A
preto e branco como é afinal a nossa vida.
Poema periférico para António Bárcia
Já
não se morre como no passado
Hoje
todo o morto tem um funeral
Com
urna e fato pago pela Santa Casa.
Muitas vezes vai apenas um
funcionário
No acompanhamento trinta dias depois
Do corpo chegar à Morgue de Santa
Maria.
Porque
a lei mudou a vala comum acabou
Mas
seu nome ficou nas fichas dos livros
E
no coração de quem não o vai esquecer.
Morrer não é apenas deixar de ser
visto
Nem as estradas têm curvas como antes
Morrer é sempre um mistério, outra
coisa.
Talvez
calhe e seja o Pedro a acompanhar
A
sua urna se ninguém se chegar à frente
Para
tratar de todas essas formalidades.
Tenho um livro onde as suas palavras
Aparecem num tão discreto anonimato
Mas a posteridade essa vai continuar.
O estilo inconfundível do meu amigo José do Carmo Francisco.
ResponderEliminarGostei muito. Abraço. Isabel Gouveia
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