quinta-feira, 30 de julho de 2020

Eu era só p'ra dizer - 1

   Sim, é apenas para referir que o aparelho em que são congeminados, armazenados e confeccionados os blocos que, depois, são transformados em postagens adequadas, ainda está no "estaleiro" - pois o destrambelhamento sofrido foi severo…

   A reparação teve até que retirar\substituir vários componentes, um dos quais ainda irá chegar. Só depois disso voltaremos ao vosso convívio cíclico e paulatino. Pese a todos os...destrambelhamentos que se vierem a dar a exemplo deste último. Pois somos partidários convictos da expressão consagrada pelo uso "Alma até Almeida!".

   Até lá, vai o abraço firme do vosso

                                                                          ns

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Não há duas sem três...


...como dez o velho ditado - e parece ser verdade…! Pelo menos no que diz respeito ao pc em que são feitos os blocos das postagens habituais, de segunda e quinta feira como é proverbial.
  Ou seja, por destrambelhamento técnico o aparelho teve que recolher ao estúdio onde costuma ser reparado. Não sabemos quando ficará pronto. Quando estiver de novo operacional voltaremos ao vosso convívio.
 Malhas que o império tece… como usa dizer-se.

  Até lá, vai o abraço firme do vosso
                                                                       ns 

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Para um minuto de meditação - 17


Nicolau Saião, Sem título



A verdade a que temos direito…

“Comunismo não é amor, comunismo é um martelo com o qual se golpeia o inimigo -Mao-Tse-Tung”.
                                                           Jorge Gaillard Nogueira

Cinco poemas de José Carlos Breia






                     O MOCHO


                     A placidez informe das coisas.

Um rufo de asas
entreabre
o silêncio.

Teus olhos estelares
regressam.

Medito
no início dos astros,
na imensa noite
que antecedeu
o tempo.

E pergunto-me:
(sábio na fábula,
mau agoiro no grito)
de que avatar descendes?

Ou és transmutação?


                     EURÍDICE

                     Entrei por fim na casa abandonada.

Quanto tempo terá ela levado
a tricotar as teias pelos cantos,
a nublar vidros
velando espelhos, rostos e retratos?

Dados dois passos,
sob o ranger das tábuas e das portas,
vi
o que ficara de um vestido
no rasto da fuligem,
o rasgado verde resto da coberta
a resvalar da mesa,
as cadeiras partidas.

E, ao rodar a mão por um desenho
que o mofo recamara,
abri no espesso as linhas de uma face,
tirei do pó
uns olhos apagados.

Abertos, lentamente,
em mim pousaram
com tão funda ironia,
que, sem olhar pra trás,
abandonei-a.

E tudo se ocultou
em sucessivas dobras:
tempo, casa, razão,
cuidados meus.


DICIONÁRIO

Este é o livro
onde as palavras
cristalizam.

Do livro agora aberto
-   do preciso rigor das suas linhas,
retiro algumas dessas formas frias.

Rodeio, lento, a sua geometria.
Paciente, procuro, ponto-a-ponto
a cruz axial em que se animam.

Os pequenos cristais
revelam ângulos, planos
que a sua dura forma escurecia.

Secreto,
fecho depois o livro em que o poema,
recomeçado sempre,
ausente fica.


RETRATOS

Olho os retratos
que nesta velha sala me rodeiam.

Entre quadros e livros muito lidos
eles cercam-me
e pedem-me cuidados:
que lhes tire o pó dos vidros
e a mancha das molduras.

Brilham agora, limpos,
mas ainda inseguros.

Eles querem também que os reconheça:
querem, da minha vida,
a vida que me resta.

(Mesmo o meu gato preto,
por quem chorei talvez
mais do que por ninguém,
me lança a fina fresta dos seus olhos
pedindo-me que o deixe ronronar).

Mas são, contudo, os vivos
-   os que ainda se arrastam lá por fora
que mais me preocupam.

Eram belos e plenos
seus corpos.
Pareciam eternos.

Mas há muito morreram
nos retratos
que nesta velha sala me rodeiam. 


DAS PEDRAS 1

A pedra na mão.
Na minha mão

Disse-o Décio, o romano,
que com ela matou.
Disse-o o nómada Ben Zir
quando ao meditar
a rolou.
Devraux, o arqueólogo,
disse que se tratava de…
Von Zeint, o geólogo,
contestou

Se enobreceu túmulos
ou palácios
não sabemos.
Mas,
talhada por mãos hábeis,
foi arte,
é vida.

Passou por muitas mãos
e de todas, um pouco, ficou.

A pedra na mão.
Na minha mão.
Milhares de histórias
entre os dedos.

*
                                                     
José Carlos Breia nasceu em 3 de Maio de 1930.
Leu muito e muita música ouviu. As artes plásticas fascinam-no tal como a arquitectura.
Viajou pela Europa e pela América do Sul.Trabalhou, naturalmente, pois sem dinheiro não se vive.Reformou-se cedo.
É na altura em que se reencontra com António Luís  Moita que este lhe propõe, para ocupar o tempo livre, que junte todos os poemas que tinha feito e os publique. Surge assim LUGAR NENHUM no ano de 2000, dado a lume na Assírio e Alvim.Continua a escrever  e tem neste momento mais três livros não publicados: “Outro lado”, “Das pequenas coisas” e “Poemas do chão”.

Um poema de Marie Noël





Algumas palavras sobre a Autora – ns

   Nascida em Auxerre (1883), onde viria a falecer (1967) e viveria praticamente toda a sua vida, Marie Noël é uma das consciências místicas mais complexas, de cariz fortemente interrogativo e mesmo libertário, da poesia francesa e europeia.
   Como é referido na introdução à colectânea – “Madrugada secreta” – donde extraímos o poema que aqui se dá a lume – Dois factos capitais marcam a sua vida. Com vinte e um anos sente uma paixão inconfessada por certo rapaz socialmente inferior (como então se fazia questão de sublinhar) cuja fugacidade a deslumbrou e feriu para sempre. Teria deixado Auxerre no próprio dia de Natal de 1904 ‘caminhando para destino obscuro e doloroso’.
   Esse destino foi o seguinte: o jovem madeireiro – de acordo com o que se soube a imagem mesma da graça, da delicadeza simultaneamente humilde e varonil, da apaixonante inocência em suma – com os seus companheiros duma pequena equipa de trabalho foram assaltados, no caminho para outra terra, por uma quadrilha de ladrões que o mataram à pancada. Dois dias depois ela recebe a estarrecedora notícia – pouco antes de achar “morto na cama o seu irmão mais novo, Eugénio, que contava apenas doze anos”.
  Acometida por violentíssima crise, recolhe-se ao seu quarto. Durante um par de dias não responde a nenhuma solicitação dos familiares atormentados, não come nem bebe, não trata de si. Bichinho enovelado na dor e ferida no mais fundo da sua alma e corpo, como que faz o luto cuja memória não mais se apagará do seu coração.
  Ao terceiro dia sai, como que transfigurada. Faz as suas abluções, come e encara os parentes com lhaneza e serenidade: nascera Marie Noel. Como é referido na introdução aludida: “ Confessa-nos ela: Marie Noël é mais ainda o meu nome de desgraça. MARIE (mara) amargura mortal da minha raiz. NOËL, o meu milagre, a minha flor de alegria”.
    E é esta poetisa - em cuja obra se mescla a simplicidade rítmica e a riqueza de pormenor, os perfumes do solo e da natureza numa consciência ecológica avant la lettre, um sentido excepcional do discurso narrativo que nunca a prendeu a qualquer exagero de imagens nem de crença - que aqui se vos apresenta com a proverbial estima.

SERVIÇO HUMILDE

Se eu fosse planta
não gostaria de ser
daquelas plantas úteis
demasiado ligadas ao homem.

Nem aveia, nem trigo,
nem cevada, encarcerados
sem poderem sair dum campo
regulamentado
- nem sequer deixam às searas
distrair-se com os seus pica-peixes –
nem principalmente
estes legumes submissos e educados,
cenouras alinhadas,
feijões dirigidos com varinha,
saladas forçadas a empalidecer
apertando-lhes o coração,
quando está tão bom tempo ao redor
e elas preferiam desabrochar livremente.

Quando muito
aceitaria ser erva de tisana,
serpão ou malva,
contanto que fosse num desses altos
batidos do vento,
onde só os pastores as podem colher.

Mas gostaria ainda mais de ser urze,
genciana azul, espinheiro,
se fosse preciso, cardo abandonado no campo,
ou ainda um cogumelo nem venenoso
nem bom demais para comer,
que nasce no musgo da manhã
no fundo mais negro do bosque,
que se torna cor de rosa
sem que o vejam
e morre sozinho no dia seguinte
sem intervenção de ninguém.

E, se fosse um animal,
não gostaria
de ser da casa nem da quinta,
nem sequer a cabra
que se prende a uma estaca
e que depois
se mete no curral para ordenhar
ou uma dessas galinhas de capoeira,
misturadas aos negócios do homem
e que podem dizer uma à outra:
- Ali produzi quinze soldos
e valho vinte francos por quilo…

Não! Não!
Antes queria ser lebre,
ou raposa,
ou corça,
ou rouxinol
que só encontram o homem
no dia em que ele os mata.

E terei sido, toda a minha vida,
animal dos mais domésticos,
besta de carga,
cão preso,
canário na gaiola.
Ou legume na sopa.

Era a vontade de Deus.

                              Tradução de Manuel Simões

Louis Armstrong, What a wonderful world


segunda-feira, 6 de julho de 2020

Para um minuto de meditação - 16


Nicolau Saião, Sem título



“Dou com muito mais certeza o nome de peste à corrupção da inteligência do que à infecção do ar que nos rodeia”.
                                                                          Marco Aurélio

Um poema de José do Carmo Francisco





Domingo à tarde em Falconwood

O olhar do menino entrou no meu poema / E não mais saiu. Era um olhar sentido /
Na revolta de uma exclusão cruel e súbita.
Sentado num banco frente à mesa da festa / não o deixam falar com os conhecidos /
Entre vizinhos e colegas de turma na escola.
Quase tudo em seu redor era em miniatura / locomotivas e linhas de volta à infância /
Porque o carvão e os apitos são verdade. 
O olhar do menino era em ponto grande / e a sua dôr tinha o volume da sua idade /
Sete anos bem medidos no meu olhar.
Não era problema não o terem convidado / mas sim a proibição de se aproximar /
E de comunicar com as crianças da festa.  
Festa com pouco de muito recomendável / além de bolos de fábrica e sumos de pacote /
Bebés e mães com problemas hormonais.
Vejo no menino de Falconwood o meu olhar / quando na minha vida outros me disseram /
Que queres daqui? - como quem bate a porta. 
E ao bater a porta deixam do lado de fora / os sonhos de quem, como eu, só queria fazer /
Um breve recado sobre o tempo que passou.
Nos jornais, nas revistas e nas editoras / nos encontros e desencontros das letras e da vida /
Muitas vezes ouvi a pergunta - Que queres daqui?     
Foi esse desprezo, essa vaidade, esse rancor / que eu vi hoje no olhar triste do menino /
Nos comboios miniatura de Falconwood.
Lá tudo é miniatura desde o fumo ao apito / desde as várias linhas às passagens de nível/
Tudo  menos o olhar do menino afastado. 
                 
                                              JCF - poema autógrafo para Francisco José Viegas

Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...