segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Para um minuto de meditação - 53

 

    “Independentemente dos detalhes de linguagem ou da espuma dos dias, a disputa cívica, social e política por um ideal de moral social é hoje tão legítima quanto fundamental no amadurecimento das democracias ocidentais. Daí que a omissão ou fuga a esse confronto são próprias dos inimigos da democracia, da sua vitalidade e capacidade de autorrenovação”.

                                                                                     Gabriel Mithá Ribeiro


Nicolau Saião, Para o Natal 2020


"A finalidade de uma obra de arte é a de tornar sensível o mistério dos elementos que esta põe em jogo" disse um dia Michel Leiris. Dizendo de outra forma, é uma comunicação especializada que, contudo, possui em si um mistério frequentemente intraduzível e, daí, incomunicante no largo mundo em que se transformou (em que transformaram) o universo societário. A comunicação por extenso ficou assim transmutada em algo de quase secreto, de imarcescível e que, para que haja apreensão dos seus ritmos mais solenes, carece de chaves, de pistas - que no entanto estão ao alcance de quem se disponha a perscrutá-las, a inquiri-las mediante um profundo apego à inteligência dos afectos que se têm da Arte e da Humanidade encaradas como dois continentes de consciencialização e de ética das vivências.

 Como se usa dizer em linguagem do dia-a-dia, "há males que vêm por bem" e, se esta "incomunicação comunicante" coloca aos menos avisados obstáculos de entendimento, no fundo é ela que garante que os "objectos artísticos" criados não são meras matérias filhas do lugar-comum, da facilidade primária e da vulgaridade manipulatória.

  Ao oferecer a todos esta meia-dúzia de obrinhas que congeminei nas minhas horas, presentinhos de Natal modestos de quem não é grão-fino, saliento que as dificuldades - tal como na Arte - podem ser matéria de adequação para um mais lúcido viver futuro, afastadas que foram as "facilidades" burlonas que buscaram nos capturassem e afinal mais não eram que ouro de pechisbeque. Com coragem, brio e determinação, apesar dos tempos negros que já estão sobre a nossa cabeça, busque-se que os tempos a vir tenham um vigor mais fecundo.

  O natalício proverbial abraqson do vosso

  ns



A  Queda do anjo




A Terra Prometida




A viagem




As bodas de Canan




Ecce Homo




Iluminuras


Nicolau Saião, Neste Natal

 

       NATAL INTEMPORAL

 

Quem fala de Natal perde palavras

à entrada do Inverno, na secura dos dias

no vasto frio das noites, tão lúcidas e antigas

tão de infância e de Agosto. O fogo

misturado: árvores, luzes, fantasmas

e as doces mãos das Avós. E ainda

um postal velho velho cheio de vento e de memórias.

 

Quem fala de Natal perde palavras, ganha

e perde as demais coisas que as palavras edificam.

 

Quem grita no Natal? E Deus

não os fulmina? “. Quem mergulha os seus pulsos

na fria água do rio?  Com seus chapéus à banda

em barcos engalanados

os anjos vão passando, dizendo amores esquecidos

dizendo estranhas frases, assombrando as moradas

onde afinal não nasce o tal de Nazareth. O sal e o

pão terrenal dos que ainda não foram

pelo ar, pela vida, pelos túmulos vazios.

 

Sim, pelo Natal as pobres casas em ruínas.

 

Para ser do Natal é preciso possuir

uma lembrança ardente, um brinquedo estripado

e muita tristeza feita nos anos em leilão

dos retratos tombando com um nó na garganta.

Para ser do Natal é preciso morrer

e viver de seguida com o sangue nos braços

esperando a estrela fixa do brusco espanto nocturno

junto à porta perdida dum milagre adiado.

 

Ah falar de Natal! Quem o consente?

 

O pão e o sal

talvez

de toda a gente. E um olho de animal

pairando no poente. Decisivo, visceral. E Deus, pobre dele

abrindo a água lustral (no bem, no mal)

frente ao horror da morte

terrena e inocente.

 

Por isso, no Natal

os segredos demoram

e tudo muda e tudo se envolve num pano branco barato

para que ninguém esqueça um corpo ferido que por debaixo jaz

uma nova e desconhecida espécie de cadáver achado na ilha

dos animais inominados

e outras diversas coisas que por desespero se não apontam.

 

No Natal treme a casa, a casa

sempre caiada, como um sepulcro sem número e sem nome.

 

E o inventário dá, se estiver certo:

um coração ardido todo azul

uma recordação minúscula que se guardou num bolso

um riso salutar ensanguentado

uma pequena ironia desenhada a tinta de colegial

uma apenas esboçada mão posta sobre um antebraço

o lenço de cabeça duma tia que desapareceu na manhã

um gato tranquilamente dormindo ao cimo das escadas

uma rosa e uma palavra que a si mesmas se julgaram

duas mãos de pedra tremendo atravessadas por uma ferida

numa cruz de polo a polo

um hálito que soprado no peito nos enlouquece

um arrepio, uma agonia

uma tarde a fechar-se repleta de amargura e de alegria.

 

Talvez o Natal seja um rosto

ou uma madrugada de outono

ou um avião nocturno

ou um verão por detrás das coisas aparentes

ou um combatente jazendo de borco numa pia baptismal

ou os bramidos de dois seres abandonados encarando-se de súbito

numa rua da cidade

no escuro muito escuro de uma cidade do universo

quer dizer – luminosa e aterrada. E talvez

 

que tudo afinal esteja a mais, que tudo afinal

se resuma a filhós e azevias de um outrora

a canecas de café familiar

algures num horizonte, numa idade, num momento

no imenso murmúrio de uma voz sulcando o tempo.

 

E a chuva   que diabo   irá cobrindo tudo

no infinito Natal dos mundos desaparecidos.




      UM NATAL ÀS CORES

 

 

Em geral estava frio. Um frio límpido e seco

com um tom de cobalto muito escuro no horizonte, quando

surgiam no céu os primeiros luzeiros de Orion ou da

Ursa Maior. Para os lados de Ocidente, a seguir à noitinha, um clarão

débil propagava-se sobre o bosque de castanheiros: e eram as luzes

da cidade acocorada no princípio da aba da Serra, estendida

no pequeno vale para lá das colinas e dos pinhais.

 

Às vezes

chegava alguém até ao muro da azinhaga – primeiro sinal

de casas e de gente: e eram vizinhos das quintas em volta, alguns bufarinheiros

com a sua mala de corre-mundos, um que outro mendigo mais afeito

aos campos e à sua generosidade em que as Estações

se sucediam com figos, castanhas, laranjas ardentes de sumo e de cor, o bom pão dormido e coberto de toucinho rechinante ou rescendente de frescura

com o queijo duro e a manteiga entre duas capas de presunto. Porque à gente

de boa paz nunca se negava, por vontade do Pai e da Mãe,

o aconchego do estômago e uma que outra placa desviada ao serviço

de domésticas, económicas utilizações. E havia o tio Noitinhas

que, contava-se, fora rico e decaíra; o tio Chico do Mel (esse levava sempre, porque tinha o meu nome, um pedaço de chouriço ou de paio, de reforço);

a ti’ Ana Grila, que corria Ceca e Meca desbastando por dentro

a saudade de um filho e de um marido que lhe haviam morrido de desastre

lá para as lisboas da construção civil; e o tio Martinho,

sempre com um canito à ilharga: figura e retrato escarrapachado

do homem-do-saco que tantas vezes me faria

comer o prato sem tardança, ele que era manso e sereno

como um irmão de Heliópolis e cuja voz,

tirante as barbaças de monge, era suave posto que rouca e mais afeita

a dialogar com o rafeiro que a assustar fosse quem fosse.

Mas as crianças, já se sabe, vêem o tempo

com olhos maravilhados e sobre a sua imaginação corre uma brisa

deslumbrante e divina que lhes permite ver um emissário de mistérios e segredos

num pobre pedinte alentejano.

 

E depois, quase de repente, era Natal. Com todas as suas

maravilhas incógnitas: o grão cozido e pisado para o recheio

das azevias largas como uma palma de mão

ou diminutas

como um ninho de andorinha-do-mar; o bacalhau que o Pai trouxera

da cidade de juntura com misteriosos embrulhos

encaminhados à socapa para as secretas geografias das gavetas

da cómoda grande; a Tia cortando o pão

para a sopa de cação apaladado de alho

e demais ervas próprias, a Mãe estendendo o manto

das filhós depois fritas com cuidados e saberes de alquimista, a Mana

que ajudava neste e naquele trabalho para depois saber

quando crescesse com filhos e responsabilidades por dentro

e nas mãos operosas. E, pela noite,

vinham então a vizinha Mari'José, o vizinho Manuel Planeta, as filhas

Jacinta e Júlia e, às vezes, a minha Avó das histórias

com seu saquinho de malhas, lá de longe das Arronches,

e no meio duma conversa, dum riso, duma garfada, dling dlong

e era já meia-noite? Já, a missa do galo sentida por cima dos pinheiros, chegada

da capela de S. Cristóvão ainda não havido o Atalaião?

Sinal de fraternidade na noite subitamente silenciosa.

 

Um Natal às cores. Com as cores do passado. Fotografado

pela memória da infância e da recordação agradecida.

 

                                                                                       ns


The Moody Blues, Nights in White Satin

 



quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Para um minuto de meditação - 52

 

  "Esqueçam a sujeita do SEF, o balofo das golas, a Martinha chorosa e restantes descartáveis sem autonomia nem interesse. Essas nulidades não caem do céu, caem do PS e obedecem a um único indivíduo. O indivíduo que, além do empobrecimento material a galope inspira uma pobreza de espírito sem grandes precedentes na nossa sociedade, dá pelo nome de António Costa."

                                                                                     Alberto Gonçalves

 

   “Pedro Nuno Santos pretende suceder a Costa, apesar da TAP. Mas esta disputa pode levar ao fim da companhia aérea e custará muitos e muitos milhões aos portugueses.”                                                                              

                                                                      João Marques de Almeida


“Como o assassinato de Ihor Homeniuk com tudo o que o rodeou, acrescentando-se a outras coisas sinistras perpetradas pelo Poder, vem mostrar, Portugal não é desde há muito um Estado de Direito, mas apenas um País onde distorções do Direito, quando necessário, permitem tudo o que ao Poder fizer falta para atingir os seus fins. “

                                                                                          José de Lencastre


Natal é em Dezembro...

 

   Pelo menos o do tempo proverbial, canónico, que pelos séculos vem sucedendo e é celebrado pelos crentes e fruído, em festa e por vezes em nostalgia vinda da infância e de uma assumida inocência, por não crentes tolerantes e cordiais.

   No Natal dão-se e recebem-se presentinhos que certificam fraternal entrosamento relacional.

  Não vou agora falar nos que se dão por hábito apenas, ou por formalidade – mas naqueles que se entregam por muita amizade ou por amor que basta, por reconhecimento ou por simples doação de espírito, que também é digna e respeitável.

  Neste tempo de pandemia e de, até, inconfessável medo (só irresponsáveis não o sentirão, mesmo fortuitamente) eu tive já o meu presente, o meu quitute de Natal: todos do meu círculo familiar nuclear, assim como eu mesmo, estamos de boa saúde – depois de dois de nós, aqui o digo desveladamente, termos testado positivo!

  Como compreendem, até ao momento de termos ultrapassado o tempo de confinamento, de termos tido alta por científica indicação médica, passámos dias de inevitável angústia.

   Que, por uma certa caballerosidad, um certo pudor, nunca dei a mostrar. Sei que me entendem…!

    Mas pronto – agora estamos bem. Percebem como me sinto, é claro.

     E a todos os confrades, amigos & amigas, desejo – como sincero melhor presente que vos posso desejar – que o maldito bicho não vos toque!

      (…Na próxima postagem serão então arrolados textinhos (poemaria & quadros) alusivos à Quadra).

 

       Vai o abraço firme e cordial do vosso

                                                                                            ns

Nicolau Saião, Um poema natalício

 


João Garção, Sem título



RECEITA PARA UM NATAL

 

Primeiro, ficar parado

durante um momento, de pé

ou sentado, numa sala ou mesmo

noutra dependência do lar.

Depois preparar

os olhos, as mãos, a memória

e outros utensílios indispensáveis. A seguir

começar a reunir

coisas, por ordem bem do interior

do coração e do pensamento:

a ternura dos avós, uma mancheia;

rostos de primos distantes, uma pitada;

sons de sinos ao longe, quanto baste;

a recordação duma rua, uns bocadinhos

um velho livro de quadradinhos

duas angústia mais tardias, alguns restos de azevias,

a lembrança de vizinhos   ainda vivos mas ausentes

e de uns já passados.

Quatro beijos de seres amados ou de parentes

um cachecol de boa lã  cinzenta aos quadrados

e um pouco de azeite puro e fresco

igual ao que a mãe usava noutro tempo saudoso.

Mexe-se bem, leva-se ao forno

e fica pronto e saboroso

 

- mesmo que, nostálgica,  se solte uma pequena lágrima.


                                                                                        ns


Mozart, Laudate Dominum - boy soprano Aksel Rykkvin (13 years)

 



segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Para um minuto de meditação - 51

 

“Organizar uma biblioteca é um modo silencioso de exercer a arte da crítica.”

                                                                             Jorge Luís Borges


Um poema de Jorge Luís Borges

 


(Buenos Aires, 1889 – Genebra 1986)



O FORASTEIRO

 

Despachadas as cartas e o telegrama

caminha pelas ruas indefinidas

e nota leves diferenças a que não dá importância

pois pensa em Aberdeen ou em Leyden,

para ele mais vívidas que este labirinto

de linhas rectas, não de complexidade

aonde o leva o tempo de um homem

cuja vida verdadeira está bem longe.

Numa habitação numerada

fará depois a barba ante um espelho

que não voltará a reflecti-lo

e parecer-lhe-á que esse rosto

é mais inescrutável e mais firme

do que a alma que o habita

e que ao longo dos anos o vai lavrando.

Cruzar-se-á contigo em qualquer rua

e tu só notarás que é alto e grisalho

e que olha para as coisas.

Uma mulher indiferente

a tarde lhe dará e o que sucede

do outro lado de umas portas. O homem

pensa que esquecerá a sua cara e irá lembrar

anos depois, perto do mar do Norte,            

a persiana ou a lâmpada.

Nessa noite, os seus olhos contemplarão

num rectângulo de formas passageiras,

o cavaleiro e a épica pradaria,

porque o Faroeste abarca o planeta

e espelha-se nos sonhos dos homens

que jamais o pisaram.

Na intensa penumbra, o desconhecido

crer-se-á na sua cidade

e surpreender-se-á ao sair numa outra

de uma outra linguagem e outro céu.

 

Antes da agonia

o inferno e a glória nos estão dados:

andam agora por esta cidade, Buenos Aires,

que para o forasteiro do meu sonho

(o forasteiro que fui sob outros astros)

é uma série de imagens imprecisas

feitas para o olvido.

 

                                                                 (Trad. de ns)


Notícias da cultura

 

Caríssimo

 

   Segunda 14 de dezembro será expedido para o seu endereço o seu exemplar do n.º 30-31 da DiVersos - Poesia e Tradução (em quase 25 anos é a primeira vez que fazemos um número duplo por necessidade de vencer alguns atrasos, e por outros fatores; com 316 páginas e cerca de meio quilo de peso, a lombada tem 2 cm de espessura; esperamos que não seja obstáculo para ser depositada na sua caixa de correio).

 

   Esperamos também que chegue sem muita demora apesar das atuais circunstâncias desfavoráveis. Dado por vezes haver problemas com os correios, agradecemos se nos puder informar quando da chegada. Para evitar devoluções, pedimos se possível que esteja atento. 

 

 

   Em anexo pode ver-se o sumário do n.º 31-32 que dá uma ideia do seu conteúdo.

 

   Saúda cordialmente, 

 

                                                                         José Carlos Costa Marques

 

                                                              *

 

   Um número de homenagens na DiVersos (mas todos o são), este número duplo 30-31. Todos o são, porque o espírito humano não distingie, essencialmente, entre mortos e vivos. Nele, essencialmente, todos são vivos. Não obstante, é uma homenagem com carinho especial a que fazemos a Manuel Resende e a António Fournier. De gratidão pelo que representam na biografia da DiVersos. Manuel Resende: foi dele a ideia de criar esta série. Foi ele quem lhe deu o nome – e a latitude e abertura fora de qualquer espírito de capela ou de escola. António Fournier: um tradutor que veio ter connosco trazendo consigo a Itália e a Madeira, e nos deixou a saudade da sua grande generosidade e delicadeza. Homenagear é comemorar e recordar. Por coincidências múltiplas, este número recorda, aproveitando a convencionalidade das datas, um grande vulto do século XVIII, Hölderlin, e outro grande do século XIX, Herman Melville. Mas também uma poetisa grega falecida neste mesmo ano de 2020, Kiki Dimoulá, e uma poetisa portuguesa falecida em 2016, Maria Amélia Neto, cuja inexplicável obscuridade despertou o nosso inconformismo e a esperança de contribuir para a trazer à claridade que deve ser a dela. Neste caso, as datas são apenas uma oportunidade, tanto para os que morreram como para os que estão vivos. Daí que celebremos os 101 anos que já perfez Lawrence Ferlinghetti, poeta e editor de poetas, uma lenda viva de forte irradiação. Um núcleo destacado neste número é a seleção «Três Poetas da Bahia» (Florisval Mattos, Roberval Pereyr e João Filho) que, depois de alguns anos de germinação, é agora finalmente incluída aqui, graças aos cuidados de Wladimir Saldanha. Ele próprio poeta da Bahia e colaborador da DiVersos, que, esperamos, venha em breve a reincidir. Do Brasil estão ainda presentes neste número André Luís Pinto, Jean Sartief, Ronaldo Cagiano e Viviane Santana Paulo. Carlos Sousa Almeida, Diana V. Almeida (mas cujo poema, embora traduzido por ela própria, foi originalmente escrito em inglês), Eduarda Chiote, João Vilhena, José Pascoal, Liberto Cruz, Luís Serrano, Margarida Vale de Gato, Nicolau Saião, Pedro Silva Sena, Sandra Costa são outros poetas de língua portuguesa, portugueses de nacionalidade, alguns pela primeira vez na Diversos, outros de novo (os primeiros três e os últimos quatro). Ou, como Sebastião Belfort Cerqueira, pela primeira vez mas com dois livros publicados neste mesmo editor: o seu primeiro (O Pequeno Mal) e o mais recente, no momento em que escrevemos (Monda). Uma novidade linguística neste número é a primeira publicação de um poeta islandês, Kristian Guttesen, e de uma poetisa macedónia, Marta Markoska, em ambos os casos tendo como língua-ponte o inglês. Talvez isso encoraje o aparecimento junto de nós de algum tradutor que o seja diretamente dessas línguas, quem sabe? Estes dois poetas foram-nos trazidos e apresentados por Glória Sofia, poetisa caboverdiana radicada em Roterdão, e de quem incluímos alguns poemas no nosso número anterior. Obrigado, Glória! De resto, do búlgaro temos desta vez Gueorgui Konstantinov traduzido pela poetisa búlgara Zlatka Timenova, radicada em Lisboa. Do italiano, Guido Gozzano, poeta «crepuscular» do início do século XX, cuja presença aqui, como mais adiante se explica, é uma forma de homenagem a António Fournier. Do inglês, Lawrence Ferlinghetti, jovem poeta de 101 anos, dos Estados Unidos, a que já aludimos, e Wendy Lee Hermance, poetisa norteamericana radicada na Senhora da Hora (Matosinhos), traduzida por José Lima, amigo de sempre e desde a primeira hora. O n.º 1 da DiVersos tinha apenas 36 páginas. O número de páginas foi aumentando insensivelmente, mas só ultrapassou as 100 com o n.º 10, comemorativo do 10.º ano de existência. Voltou depois a situar-se abaixo das 100. A partir do número 18, esteve sempre acima desse número de páginas, e acima das 150 a partir do n.º 22. O n.º 30-31 é porém o primeiro número que batizamos como duplo. É que, ultrapassando as 300 páginas, com ele procurámos reabsorver atrasos vários e colocar a pauta em dia. Pela primeira vez, o aumento de páginas se reflete no aumento do preço avulso (muito ligeiramente), apenas para este número, e influencia a duração abrangida pelas assinaturas. Esperamos para tal a compreensão dos que nos acompanham.


Carlos Gardel, Mano a mano

 



quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Para um minuto de meditação - 50

 

A ativista e artista contemporânea Tania Bruguera, uma das mais conhecidas personalidades artísticas de Cuba, afirmou que foi detida no domingo pela terceira vez numa semana e que não pode deixar a sua casa em Havana, denunciando perseguições.

Bruguera disse à agência de notícias espanhola Efe que quando saiu de casa surgiram agentes da polícia que a levaram de carro para um parque para falar com um agente da Segurança do Estado que vigiava há alguns dias a sua casa.

“Desta vez ele disse-me que não posso sair de casa, e quando lhe perguntei porquê, não me explicou e respondeu: ‘até que decidamos'”, disse Bruguera, membro do grupo que se intitula 27N, em referência à data de 27 de novembro, dia de uma manifestação do coletivo pelo fim da censura e repressão.

Nesse dia, mais de 300 artistas e intelectuais reuniram-se pacificamente em frente ao Ministério da Cultura para exigir a liberdade de expressão e criação, bem como o fim do assédio policial aos criadores críticos do governo.

                                                                                                  (Dos jornais)

Então mas não é isto o paraíso? O ideal de sociedade? A democracia plena? Não percebo porque razão uma conhecida atriz chilena, comunista de gema, ao fim de pouco tempo implorava para a irem buscar. Segundo parece, exilou-se em Cuba para fugir da ditadura do Chile…(risos)

                                                                            Franco Abrava


Dois poemas de Gabriel Chaves Casazola

 


 

O SONHO DE BERTIMEO

 

Não posso ver

 

a minha indigência como um cajado

às apalpadelas bate na rocha da noite

 

quer beber da água

que lava a cinza

dos olhos do mundo

 

então

alguém me lança um sonho

passa um deus

 

limpa as minhas pálpebras com a sua saliva

 

vejo

 

todos os rios dividirem-se

todas as águas confluirem

 

é demais

afundo-me até o pescoço no rio originário

e contemplo as macieiras à sua beira

 

estendo-me na erva

desdobro

um muito precioso manto branco que comprei lá em Esmirna

 

volto a comer da maçã

vejo Eva chegar

 

Eva que dança

com brancos pés na manhã do rio

 

o fulgor cega-me e

desperto

 

é o veneno da maçã

 

não posso ver

 

busco o cajado

 

à minha direita

à minha esquerda

 

dorme uma mulher

toco no seu rosto

tem a cara do deus

 

mas está cega.

 

VOO NOCTURNO/Arte Poética

 

Essa luz que se apaga

não é um império

nem um vaga-lume.

 

Antoine sabia-o, soube-o  voando sobre a Patagónia.

 

Essa luz que se apaga é uma casa que cessa de fazer os seus ademanes

ao resto do mundo,

um palácio

 

— um humilde palácio se tal coisa é possível: todas as casas do homem são    

                      um palácio, todos os palácios do homem uma cabana —

 

um palácio, dizia Antoine, que se fecha sobre o seu amor. Ou sobre o seu tédio.

 

Uma luz vacilante à qual

— frio ao calor —

uns camponeses reunidos

se aferram

 

náufragos que balançam um fósforo

ante a imensidade

desde uma ilha deserta.

 

(Tradução de Pedro Sevylla de Juana e colaboração de NS)

 

 

Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...