quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Dois poemas de Gabriel Chaves Casazola

 


 

O SONHO DE BERTIMEO

 

Não posso ver

 

a minha indigência como um cajado

às apalpadelas bate na rocha da noite

 

quer beber da água

que lava a cinza

dos olhos do mundo

 

então

alguém me lança um sonho

passa um deus

 

limpa as minhas pálpebras com a sua saliva

 

vejo

 

todos os rios dividirem-se

todas as águas confluirem

 

é demais

afundo-me até o pescoço no rio originário

e contemplo as macieiras à sua beira

 

estendo-me na erva

desdobro

um muito precioso manto branco que comprei lá em Esmirna

 

volto a comer da maçã

vejo Eva chegar

 

Eva que dança

com brancos pés na manhã do rio

 

o fulgor cega-me e

desperto

 

é o veneno da maçã

 

não posso ver

 

busco o cajado

 

à minha direita

à minha esquerda

 

dorme uma mulher

toco no seu rosto

tem a cara do deus

 

mas está cega.

 

VOO NOCTURNO/Arte Poética

 

Essa luz que se apaga

não é um império

nem um vaga-lume.

 

Antoine sabia-o, soube-o  voando sobre a Patagónia.

 

Essa luz que se apaga é uma casa que cessa de fazer os seus ademanes

ao resto do mundo,

um palácio

 

— um humilde palácio se tal coisa é possível: todas as casas do homem são    

                      um palácio, todos os palácios do homem uma cabana —

 

um palácio, dizia Antoine, que se fecha sobre o seu amor. Ou sobre o seu tédio.

 

Uma luz vacilante à qual

— frio ao calor —

uns camponeses reunidos

se aferram

 

náufragos que balançam um fósforo

ante a imensidade

desde uma ilha deserta.

 

(Tradução de Pedro Sevylla de Juana e colaboração de NS)

 

 

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