quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Nicolau Saião, Cavalaria - uma carta a Soares Feitosa

 


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Caríssimo confrade

 

 Para já, o abraço firme que se endossa aos amigos, aos da cavalgada perene no tempo que nos foi dado viver.

 É isso, o tempo. Que como minha mãe costumava dizer, "é um cavalo". Que salta e revoluteia, que corre infrene como um ginete na Andaluzia, um corcel nos campos rasos do Nebraska, um garrano nos pastos de Alter do Chão deste meu Alentejo.

 Os cavalos... Quando vi eu pela primeira vez um cavalo? Não guardo de isso memória exacta, mas teria sido na vila de Monforte onde nasci, provavelmente uma montada da Guarda Republicana quando da visita de algum oficial ao posto que o meu pai comandava, ou então de algum lavrador das imediações com estábulo porventura dentro da vila. No entanto, pensando bem, creio que o primeiro cavalo que vi (ou seria égua, para o caso tanto faz...) estava atrelado a um charabã  - que só mais tarde soube ser o parisiense "char-à-bancs" das/dos elegantes dos Champs-Elisées de outrora. Conduzido por uma senhora, por um cavalheiro? Parece-me que o passeante seria, se a lembrança me não falha, um médico que usava esse meio de transporte quer para visitar seus pacientes quer para efectuar suas voltas e voltinhas nos momentos de lazer.

Já se percebe que nessa altura era eu bem pequeno.

Mais tarde, vi cavalos nos prados e campinas de muitos lugares: nos plainos de Espanha, nos vergéis da "Grand Prairie" francesa, nas ruas de Lisboa e de Portalegre quando era dia de festa nacional, transportando agentes militarizados, nas quintas do Ontário ao longo da estrada que vai de Toronto a Otawa, na "rota índia" americana. Tive mesmo ensejo de cavalgar algumas vezes em campos abertos - essa emoção absoluta de descendente de antigos cavaleiros aldeões - e, quando calha, na herdade de um amigo dado às cavalgadas e falcoarias (o visconde José António Valdez, que é o fidalgo de antiga nobreza lusitana mais plebeu e saudavelmente terra-a-terra que existe - faço a minha perninha como razoável "calção" como tradicionalmente se usa apelidar.

E que dizer dos cavalos vistos na arte: na pintura, na escultura, no cinema, nos livros de quadradinhos da minha infância e adolescência de leitor encartado? As cavalgadas, no papel, de índios e de cóbois, desde os apaches de Gerónimo aos oglalas de Sitting-Bull e de Nuvem Vermelha até ao, noutro registo, cavalgar em estilo "feio, forte e formal" do John Wayne? E o ar hierático de Gary Cooper ou do James Stewart ? (Que, aqui entre nós, sempre me pareceu ter um rosto um pouco cavalar...). 

 Todas estas coisas me foram suscitadas pelo texto (Cavalaria) do Poeta.

 Será necessário dizer que Feitosa, como bom ginete, ultrapassa as barreiras como um galhardo cavaleiro e nos faz cavalgar através do texto como um alazão de crinas ao vento?

Um abraço, meu Poeta - e que galope a preceito assim pela vida durante muito tempo e nos enleve soberanamente com o seu estro tão veloz como apropriado e fecundo.

Um abraço firme, à guisa de cavaleiro de antanho, do seu

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