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O Arantes
telefonou-me. Chovia de mansinho. Ele estava alegre, como sempre (vodka
"Kamikaze"). "Imagino de que irás logo tu mascarado!"
disse-me mostrando saber como ia ser no baile das Saavedras. "Aposto
que vais de urso!", atirou gargalhando em tom de gozo. Não lhe disse
que sim nem que não. E ele, lampeiro: "Adeus, meu malandro! Antes passa
lá por casa e empresta-me o sobretudo que a nena te ofereceu".
Estava nisto quando tocaram à
campainha. Claro, era o Avelino. "Tou cá a pensar..." afirmou
antes que eu respirasse fundo "Logo no baile das Reboredos... Sou capaz
de jurar que vais de guarda-republicano!". E foi direito à garrafeira
e abalou-me com o "Queen Margot"! Ainda não se extinguira o estrépito
na escada e já me repenicava o telelé. Naturalmente, era o Simões, o gorducho
com o seu pigarro enervante. "Olha lá, parceiro do teu parceiro! Já
pensei que irás de bispo à funçanata das Castro Henriques..."
pespegou-me com vivacidade. "É ou não é, meu chapa?" E antes
de me deixar reagir já me cravara a certeza de 30 euros sem caroço...
Despediu-se velozmente e quem vejo aparecer no e-mail do meu portátil que
deixara ligado? Naturalmente, o Belisário. "Meu garanhão", li
na janela do sinistro aparelhómetro "Já cá se sabe que ao baile das
Avintes tu vais de bombeiro. Faz-te de novas...E não te esqueças de me devolver
aquela primeira edição que me levaste do Fernando Arrabal".
Suspirando, fui até à secretária. Nem
tinha tido tempo de ver antes o correio. Uma carta. Hum, hum... Da Leopoldina.
"Matulão, calculo que logo ao baile da Filarmónica não te sustenhas de
ir de criada-para-todo-o-serviço. Sempre gostaste de meias pretas, eheh...".
E dava-me logo o recado: "Não te esqueças de me levar a tua pulseira de
ouro que eu depois ta devolvo...".
A chuva parara. Olhei pela janela, com
certa melancolia, as árvores que muito quietas estavam como sempre no
enfiamento das ruas onde se cruzavam transeuntes com um ar algo abatido.
Sentia-me meio patusco.
Respirei fundo.
Despi-me devagarinho. Pausadamente.
Com prazer, com decisão. Pus-me até sem cuecas, fui até à porta do quarto,
fechei-o à chave e voltando para junto da cómoda atirei-a dentro por uma fisga
mal-fechada, que depois cerrei com esmero.
Desatei a rir em stacatto, num
estilo muito meu. Abri o ar condicionado quentinho, apanhei um exemplar do
Boris Vian e estendi-me confortavelmente na doce cama.
Eles nunca tinham pensado que neste
Carnaval eu ficaria em casa mascarado de nudista...
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