quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Quatro poemas de Joaquim Simões

 



Aconchego

 

(para Lúcia Helena Weiss)

 

Na luz vivem dez mil tons

No ar moram dez mil sons

Nos corpos dez mil odores

Rodam com dez mil sabores

Num torvelinho que vejo

Ouço cheiro provo desejo

Ora o verso ora o reverso

Dos prazeres e das dores

Em que ensaio os meus amores

Roda-viva Universo

Entre a fortuna e a má-sorte

Entre o nascimento e a morte

 

Onde às vezes espreita um verso

Que aconchego ao coração

P´ra que ele o faça canção

 

 

Poema incompleto

 

(para Lúcia Helena Weiss)

 

Nunca caias em certezas:

Diz, de tudo, que parece.

Aquilo a que chamas mundo,

É o que, em ti, acontece.

 

Estranha-te, se ainda és jovem;

Estranha-te, se já fores velho.

Estranha sempre o que vires,

Quando te vires ao espelho.

 

Estranha os olhos, estranha os dedos,

Estranha a fome, o respirares…

E, se ansiares pelo voo,

Estranha as asas e os ares.

 

Estranha a voz, estranha o falar,

O que dizem natural,

Estranha o teres que estranhar

Tudo o que é habitual.

 

Estranha, estranha o porquê,

O isto, agora e aqui.

Só quando nada for teu

Terás a verdade em ti.

 

Porque a verdade é vazio

Sem tempo, forma nem cor.

Mas não é paz indiferente:

É a presença do Amor.

 

 

Andando

 

(para Maria Morbey Henriques)


Vou andando, passo a passo.

A cada passo que dou

passa o tempo, ao mesmo tempo,

a ser tempo que passou.

 

Desfaço a passada, torno

à primeira posição:

a perna voltou atrás,

mas o tempo, esse, não.

 

Atrás de mim, vejo o tempo

no espaço que foi ficando:

o mundo é como o rasto

do tempo que vai andando.

 

Em meu redor está o mundo

que alguém fez antes de mim.

Não sei onde começou

nem consigo achar-lhe o fim.

 

Espaço, tempo, tempo, espaço…!

No meu corpo, em todo o lado!

E o coração torna o tempo

mais ou menos apressado.

 

Há mais mundo, a cada vez

que o meu pé pousa no chão…

O tempo parece gente

no bater do coração…

 

E o som do pé, quando bate

ao ritmo que vai no peito,

faz ouvir, cá fora, o mundo

que quer ser tempo perfeito.

 

Talvez, se eu estiver à escuta

enquanto for caminhando,

possa fazer, acordado,

o tempo que vou sonhando.

 

 

Descobrimentos

 

(para Lúcia Helena Weiss)

 

Difundir o corpo

na toalha

da calma

 

Deixar que o silêncio

se dissolva

na alma

 

Degustar as flores

que se abrem

num grito

 

– Terra nova à vista?

– Não, meu capitão,

só o infinito.


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