terça-feira, 15 de março de 2022

Um texto de Manuel Carvalho

 




  Damos aqui a lume, com vénia ao seu Autor, um texto do director do Público, referente ao notório Boaventura Sousa Santos, que anteriormente fora já igualmente desmascarado pelo Professor António Manuel Baptista no seu livro “Critica da razão ausente”:

 

“A miséria moral da esquerda iliberal”

 

  “A guerra raramente promove consensos e a que está a devastar as cidades da Ucrânia não foge à regra. Não faltam por aí crédulos como Chamberlain, simpatizantes dos ditadores militaristas como Lord Halifax ou até meros vendedores da alma própria e alheia como Pétain. Entre nós, não faltam também os que se servem dessa extraordinária superioridade moral das democracias liberais, a de acolher e estimular pontos de vista divergentes, para caírem no relativismo moral e manipularem o indispensável julgamento sobre quem é vítima e inocente e quem é agressor e culpado.

  O festim do relativismo que tende a dizer que Putin é culpado mas… perturbou o Bloco de Esquerda, agravou a obsolescência doutrinária do PCP e chegou a um patamar digno de monumento com a recomendação de Boaventura Sousa Santos (B.S.S.) para que a Europa faça a sua autocrítica perante o que acontece em Mariupol, em Kharkiv ou em Kiev.

   Não surpreende que o que resta da esquerda maniqueísta continue a olhar o mundo na perspectiva saudosista da Guerra Fria. A rigidez conceptual do seu mundo luta ainda por essa memória do confronto entre dois blocos. Não havendo hoje um lado bom (a URSS e o Pacto de Varsóvia), continua a haver pelo menos um lado mau (a NATO e os Estados Unidos). Se antes era glorioso estar do lado soviético ou, depois da vergonha da invasão da Checoslováquia, ser “melhor vermelho do que morto”, hoje os resquícios desse tempo perduram no ódio aos Estados Unidos e no apoio a tudo e todos que os possam desafiar ou comprometer.

   Em vez de porem as democracias contra as autocracias em confronto, preferem falar nos EUA como o eterno “império do mal”, ignorando que Trump foi amigo e protegido de Vladimir Putin, esquecendo que a Rússia desenvolve há anos planos para apoiar Salvini ou Le Pen. Pouco importa que Putin e Moscovo estejam hoje no lado oposto do comunismo, que estejam até de braço dado com os populismos de pendor fascizante.    Importa sim é explorar todas as formas de alimentar o ódio visceral que os EUA lhes merecem.

  E quando se diz ódio visceral tem-se em apreço o peso das palavras. Porque não é o conhecimento da história política ou das ideias que justifica a forma como essa esquerda fossilizada relativiza a violência da Rússia sobre a Ucrânia. É, pelo contrário, a mentira e a manipulação. Quando Boaventura Sousa Santos diz que a Europa deve envergonhar-se por não ter sabido evitar a guerra, está a usar a narrativa contrafactual para salvar Putin e culpar a Europa pelo seu imperialismo militarista. Da mesma forma, quando culpa os Estados Unidos pelo golpe no Brasil em 2016 que elegeu Bolsonaro, não baseia em coisa alguma esta teoria da conspiração nem diz que o Presidente mais cavernícola da democracia brasileira simpatiza com Trump e Putin e odeia Joe Biden e a democracia americana.

   Esta manipulação cheia de ranço soviético e antiamericanismo primário não se fica pela acusação à Europa, afinal a culpada por não ter salvado o mundo das garras de um ditador, ou mera extensão dos desígnios da dominação mundial da América.

   Mais grave ainda é considerar que os Tratados de Minsk foram violados pela Ucrânia, quando se sabe que as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk trataram de marcar eleições logo em Novembro de 2014, em clara violação dos tratados, com o apoio da Rússia e o protesto dos negociadores da OSCE. Uma mentira tão inaceitável como a de dizer, como também o PCP defende, que em 2014 houve um “golpe” contra um    Presidente eleito democraticamente.

   Um intelectual de esquerda com os pergaminhos e o prestígio de B.S.S. certamente interpretaria a intensa e corajosa luta popular na Praça Maidan, que durou mais de 100 dias e causou mais de 100 mortos, como uma façanha digna da Primavera dos Povos ou da Comuna de Paris se na origem da rebelião não estivesse o cumprimento de acordos com a União Europeia. A traição à vontade popular, ou expressões ainda mais eloquentes consagradas na terminologia revolucionária, seria sem dúvida um bom argumento para explicar e justificar a queda de Viktor Ianukovich.

   Mas isso só aconteceria se Ianukovich não tivesse esmagado o desejo dos ucranianos em aproximar-se da democracia europeia e, pelo contrário, tivesse cedido às exigências da Rússia. O Euromaidan seria um acontecimento com enorme potencial para ilustrar o património das glórias populares dessa esquerda, só que, infelizmente para os seus arautos, fez-se em nome das democracias burguesas da Europa.

   Na mesma linha delirante está a tese de que há linhas de fundo da política externa de Washington que “provocaram a Rússia” para se “expandir”, de modo a que quando se expandisse pudesse ser “criticada por fazê-lo”. Lê-se e custa a acreditar que um relatório da Rand Corporation citado por B.S.S. seja suficiente para corroborar tão delirante visão.    

   Quer isso dizer que os EUA e a UE estimularam o ataque à Ucrânia apenas para poderem hoje dizer que a Rússia é um perigo para a segurança mundial e a atacarem com sanções?

   Acreditar nisto não difere muito da crença de que os comunistas comiam criancinhas.    Afinal, Putin ataca a Ucrânia não por recusar o seu direito a ser uma entidade histórica, ou por a querer desmilitarizar ou “desnazificar”. Não: responde apenas a uma provocação.

   Numa democracia (e num jornal europeu, democrático e pluralista como o PÚBLICO) cabem todos estes devaneios, mesmo que ancorados em visões distorcidas ou manipuladas da História - ao contrário do que acontece na ditadura de Putin que B.S.S. tão ardilosamente protege, a divergência é um tempero indispensável das sociedades livres.

   Mas há nesta forma de explorar o relativismo uma hipocrisia que começa a ser intolerável. Que B.S.S., ou o PCP, ou quem quer que seja, defendam Putin, a Rússia e a agressão à Ucrânia de forma aberta, corajosa e frontal, estão no seu direito. Mas que digam então de forma livre e consciente que a Rússia e a autocracia de Putin (ou a China) lhes fazem falta, para que a democracia liberal do Ocidente, que atrai os jovens ucranianos ou bielorrussos, tenha opositor à altura.

   Não podem nem devem tergiversar com meias verdades ou mentiras inteiras apenas para expor a sua crença num mundo bipolar onde os maus estão na Europa e na América. Se o ataque à Ucrânia serviu para alguma coisa, foi para expor a inconsistência dos seus mitos.

   Conservemos, pois, as relíquias doutrinárias do mundo bipolar e guardemo-las longe da guerra na Ucrânia. Como memória, dão sentido ao nosso tempo e exacerbam o valor da democracia dita burguesa; como exercício para interpretar o presente da Rússia, da Ucrânia e do Ocidente, só garantem as ideias moles do relativismo e uma evidente falta de pudor perante o sofrimento do povo ucraniano.


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