Damos aqui a lume, com vénia ao seu Autor, um
texto do director do Público, referente ao notório Boaventura Sousa Santos, que
anteriormente fora já igualmente desmascarado pelo Professor António Manuel
Baptista no seu livro “Critica da razão ausente”:
“A miséria moral da esquerda
iliberal”
“A guerra raramente promove consensos e a que está a devastar as
cidades da Ucrânia não foge à regra. Não faltam por aí crédulos como
Chamberlain, simpatizantes dos ditadores militaristas como Lord Halifax ou até
meros vendedores da alma própria e alheia como Pétain. Entre nós, não faltam
também os que se servem dessa extraordinária superioridade moral das
democracias liberais, a de acolher e estimular pontos de vista divergentes,
para caírem no relativismo moral e manipularem o indispensável julgamento sobre
quem é vítima e inocente e quem é agressor e culpado.
O festim do relativismo que tende a dizer que
Putin é culpado mas… perturbou o Bloco de Esquerda, agravou a obsolescência
doutrinária do PCP e chegou a um patamar digno de monumento com a recomendação
de Boaventura Sousa Santos (B.S.S.) para que a Europa faça a sua autocrítica
perante o que acontece em Mariupol, em Kharkiv ou em Kiev.
Não surpreende que o que resta da esquerda
maniqueísta continue a olhar o mundo na perspectiva saudosista da Guerra Fria.
A rigidez conceptual do seu mundo luta ainda por essa memória do confronto
entre dois blocos. Não havendo hoje um lado bom (a URSS e o Pacto de Varsóvia),
continua a haver pelo menos um lado mau (a NATO e os Estados Unidos). Se antes
era glorioso estar do lado soviético ou, depois da vergonha da invasão da
Checoslováquia, ser “melhor vermelho do que morto”, hoje os resquícios desse
tempo perduram no ódio aos Estados Unidos e no apoio a tudo e todos que os
possam desafiar ou comprometer.
Em vez de porem as democracias contra as
autocracias em confronto, preferem falar nos EUA como o eterno “império do
mal”, ignorando que Trump foi amigo e protegido de Vladimir Putin, esquecendo
que a Rússia desenvolve há anos planos para apoiar Salvini ou Le Pen. Pouco
importa que Putin e Moscovo estejam hoje no lado oposto do comunismo, que
estejam até de braço dado com os populismos de pendor fascizante. Importa sim é explorar todas as formas de
alimentar o ódio visceral que os EUA lhes merecem.
E quando se diz ódio visceral tem-se em
apreço o peso das palavras. Porque não é o conhecimento da história política ou
das ideias que justifica a forma como essa esquerda fossilizada relativiza a
violência da Rússia sobre a Ucrânia. É, pelo contrário, a mentira e a manipulação.
Quando Boaventura Sousa Santos diz que a Europa deve envergonhar-se por não ter
sabido evitar a guerra, está a usar a narrativa contrafactual para salvar Putin
e culpar a Europa pelo seu imperialismo militarista. Da mesma forma, quando
culpa os Estados Unidos pelo golpe no Brasil em 2016 que elegeu Bolsonaro, não
baseia em coisa alguma esta teoria da conspiração nem diz que o Presidente mais
cavernícola da democracia brasileira simpatiza com Trump e Putin e odeia Joe
Biden e a democracia americana.
Esta manipulação cheia de ranço soviético e
antiamericanismo primário não se fica pela acusação à Europa, afinal a culpada
por não ter salvado o mundo das garras de um ditador, ou mera extensão dos
desígnios da dominação mundial da América.
Mais grave ainda é considerar que os
Tratados de Minsk foram violados pela Ucrânia, quando se sabe que as repúblicas
populares de Donetsk e Lugansk trataram de marcar eleições logo em Novembro de
2014, em clara violação dos tratados, com o apoio da Rússia e o protesto dos
negociadores da OSCE. Uma mentira tão inaceitável como a de dizer, como também
o PCP defende, que em 2014 houve um “golpe” contra um Presidente eleito democraticamente.
Um intelectual de esquerda com os
pergaminhos e o prestígio de B.S.S. certamente interpretaria a intensa e
corajosa luta popular na Praça Maidan, que durou mais de 100 dias e causou mais
de 100 mortos, como uma façanha digna da Primavera dos Povos ou da Comuna de
Paris se na origem da rebelião não estivesse o cumprimento de acordos com a
União Europeia. A traição à vontade popular, ou expressões ainda mais
eloquentes consagradas na terminologia revolucionária, seria sem dúvida um bom
argumento para explicar e justificar a queda de Viktor Ianukovich.
Mas isso só aconteceria se Ianukovich não
tivesse esmagado o desejo dos ucranianos em aproximar-se da democracia europeia
e, pelo contrário, tivesse cedido às exigências da Rússia. O Euromaidan seria
um acontecimento com enorme potencial para ilustrar o património das glórias populares
dessa esquerda, só que, infelizmente para os seus arautos, fez-se em nome das
democracias burguesas da Europa.
Na mesma linha delirante está a tese de que
há linhas de fundo da política externa de Washington que “provocaram a Rússia”
para se “expandir”, de modo a que quando se expandisse pudesse ser “criticada
por fazê-lo”. Lê-se e custa a acreditar que um relatório da Rand Corporation
citado por B.S.S. seja suficiente para corroborar tão delirante visão.
Quer isso dizer que os EUA e a UE
estimularam o ataque à Ucrânia apenas para poderem hoje dizer que a Rússia é um
perigo para a segurança mundial e a atacarem com sanções?
Acreditar nisto não difere muito da crença
de que os comunistas comiam criancinhas. Afinal, Putin ataca a Ucrânia não por
recusar o seu direito a ser uma entidade histórica, ou por a querer
desmilitarizar ou “desnazificar”. Não: responde apenas a uma provocação.
Numa democracia (e num jornal europeu,
democrático e pluralista como o PÚBLICO) cabem todos estes devaneios, mesmo que
ancorados em visões distorcidas ou manipuladas da História - ao contrário do
que acontece na ditadura de Putin que B.S.S. tão ardilosamente protege, a
divergência é um tempero indispensável das sociedades livres.
Mas há nesta forma de explorar o relativismo
uma hipocrisia que começa a ser intolerável. Que B.S.S., ou o PCP, ou quem quer
que seja, defendam Putin, a Rússia e a agressão à Ucrânia de forma aberta,
corajosa e frontal, estão no seu direito. Mas que digam então de forma livre e
consciente que a Rússia e a autocracia de Putin (ou a China) lhes fazem falta,
para que a democracia liberal do Ocidente, que atrai os jovens ucranianos ou
bielorrussos, tenha opositor à altura.
Não podem nem devem tergiversar com meias
verdades ou mentiras inteiras apenas para expor a sua crença num mundo bipolar
onde os maus estão na Europa e na América. Se o ataque à Ucrânia serviu para
alguma coisa, foi para expor a inconsistência dos seus mitos.
Conservemos, pois, as relíquias doutrinárias
do mundo bipolar e guardemo-las longe da guerra na Ucrânia. Como memória, dão
sentido ao nosso tempo e exacerbam o valor da democracia dita burguesa; como
exercício para interpretar o presente da Rússia, da Ucrânia e do Ocidente, só
garantem as ideias moles do relativismo e uma evidente falta de pudor perante o
sofrimento do povo ucraniano.
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