terça-feira, 29 de março de 2022

Dois poemas de José do Carmo Francisco

 


Poema periférico do meu operador

 

Um vago primo que nasceu em Salvaterra

Brilhou na baliza nos Jogos de Amsterdão

Sereno com seu coração em pé de guerra

Ele voava no ar com a leveza de um balão.

Chegava sempre aos dois cantos da baliza

Quando olhava para o campo tudo media

Com os seus olhos na medida mais precisa

Separando devagar a amargura e a alegria.

Todas as derrotas e as vitórias acumuladas

São quase calendário privativo do jogador

Que joga parte da sua vida nas bancadas

Na multidão que o aplaude num clamor.

As mãos desse vago primo tinham magia

Que foi depois herdada pelo meu operador

Mãos tão precisas num ritual de cirurgia

Que assim vai separando a morte do amor.

 


Poema periférico do telefone

 

Eu ouvi a tua voz numa estação

À espera do comboio para o Rossio

De todo inesperada foi esta ligação

Que veio trazer calor a um dia frio.

Valores de pressão e temperatura

Havia vento onde outrora foi ribeira

Um tempo e uma distância na procura

Dum olhar que é janela sobranceira.

Eu ouvi a tua voz numa estação  

De repente havia um retrato antigo

Na luz do comboio uma multidão

Foi diluída num crime sem castigo.

De gente que de súbito se escondia

Em autocarros em táxis em paragens

No meio da tarde nasceu uma alegria

Nas palavras da promessa das viagens.

 

in “40 poemas periféricos”

(Apenas Livros Editora)


Sem comentários:

Enviar um comentário

Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...