terça-feira, 19 de julho de 2022

Dois poemas de Neil Curry (trad. de Francisco Craveiro de Carvalho)

 

Outros Quartos  

 

Mais tarde, tudo o que ele conseguia lembrar com clareza

Era o barulho feito pela chuva, salpicando

Os papéis que envolviam as flores

 

Que alguém estivera a dispor em volta da sepultura.

Afastou-se da janela. Quando as pessoas estão

Sempre à janela tendem a ser esquecidas.

 

E mexeu numa almofada, mas sem se sentar.

Ter partido, uma pessoa precisa de ter sido,

Ser alguém a quem aconteceu uma vez alguma coisa.

 

Pensou em fazer talvez um pouco de chá. Quando

não há amor que chegue perto de nós,

Devem ser os mortos a passar sem ele.

 

Um outro quarto, outra fronteira. Haveria

Outras: escadas e portas. Ele conseguia

recordar o conhecimento carinhoso dos seus corpos.

 

Estas eram as luvas dela. Havia alguma coisa parecida,

Pensou ele, com a imortalidade na sua saudade.

Noutro lugar estariam os sapatos, e outras coisas.

 

 

Em Samos: Uma Pergunta 

 

“E tu, meu filho, de que madeira és feito?”

Não era uma pergunta. Podia ver isso.

Era um Beneditino e muito atraído

Pela minha bengala: a sua elegância,

 

Em ébano, o punho macio em cabeça de cão

Virada para trás: olhar triste e um toque

Lúgubre na linha do seu queixo.

Comprara-a no Grand Bazaar

 

Em Istambul, tinha sido atraído

E fora enganado por ela também. Só

Ao chegar a casa  me apercebi

De que, de facto, era apenas bambu lacado.

 

Mas andara mais de trezentas milhas com ela

Em três semanas e o monge estava impressionado.

Não, não era uma pergunta. Sabia isso.

Mesmo assim preferia que ele não tivesse perguntado.


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