O nosso prezado confrade Renato
Epifânio, Presidente do MIL - Movimento Internacional Lusófono, deu a lume no
jornal Público, no seu espaço de Opinião, o texto que aqui vos deixamos, com
vénia ao Autor por nos permitir a sua publicação:
Um
dos mais infames slogans políticos da nossa história – “better
red than dead” –, tem de novo ecoado, de forma mais ou menos expressa, a
propósito da invasão russa da Ucrânia. Não porque, esclareça-se desde já esse
equívoco recorrente, o regime de Putin tenha algo a ver com o comunismo – a sua
matriz é claramente czarista.
O próprio Partido Comunista Português sabe
isso perfeitamente – daí que a sua posição não se explique, de todo, pela
fidelidade ao regime de Putin. Antes, tão-só, pela sua fidelidade de sempre ao
Partido Comunista Russo – foi assim durante toda a II Guerra Mundial, mesmo
durante o pacto soviético com o regime nazi; foi assim em todo o processo da
nossa descolonização; foi assim em todo o processo de desmantelamento da União
Soviética; tem sido também assim, sem surpresa, agora.
O próprio Putin também tem usado o
“argumento da desnazificação” da Ucrânia para justificar a invasão russa da
Ucrânia de forma claramente cínica. Ele não acredita nessa alegação – mas
acredita que, por mero “reflexo pavloviano”, ela tenha algum efeito na opinião
pública, interna e externa. E acredita bem – como, também sem surpresa, se pode
verificar, inclusivamente na opinião pública portuguesa.
O slogan tem, porém,
ecoado, de forma cada vez mais sonora, à medida que a resistência ucraniana se
amplia – e daí as crescentes sugestões, mais ou menos tácitas, para que a
Ucrânia se renda. Como sempre, aduzem-se os mais diversos argumentos, em
particular o de que a resistência ucraniana tem como principal beneficiário a
NATO/ OTAN e, em especial, os Estados Unidos da América; e como maior
prejudicado colateral o modelo social europeu, pelo desvio de fundos, já em
concretização, para os orçamentos de Defesa dos Estados da União Europeia.
A alegação não é infundada mas não explica o
crescente incómodo com a resistência ucraniana. Explica-se antes este incómodo,
a nosso ver, por um conceito que a nossa cultura historicamente recalcou: o de
heroicidade. Com um efeito, se há um qualificativo adequado para a resistência
ucraniana é esse: heróica. E é isso o que mais profundamente nos incomoda, a
todos nós que deixámos de valorizar a heroicidade e que até criámos, na nossa
cultura, como seu substituto simbólico, a figura do anti-herói. Na resistência
ucraniana, olhamo-nos ao espelho e vemos, com o mais profundo incómodo, quem
fomos deixando de ser.
OCTÁVIO DOS SANTOS disse...
Renato, estou
de acordo com a «tese» principal deste teu texto - o reconhecimento e a
valorização (que, sim, a alguns incomoda) da resistência e do heroísmo
ucranianos. Porém, discordo da asserção de que o regime de Vladimir Putin nada
tem a ver com o comunismo. Pelo contrário: VP, tal como todos os que lhe estão
mais próximos, nasceram, cresceram e foram (des)educados nos preceitos
comunistas, e o actual líder do Kremlin foi mais longe na (auto-)doutrinação ao
ter seguido a carreira de agente do KGB. Aliás, há que nunca esquecer que ele
disse que a maior tragédia do século XX foi, não a Revolução Russa, nem sequer
a Segunda Guerra Mundial, mas sim o fim da União Soviética em 1991.
Sim, sendo que, a meu
ver, o que Putin valoriza na União Soviética é a sua dimensão imperial - não
propriamente a dimensão comunista...
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