terça-feira, 31 de maio de 2022

Dois poemas de Floriano Martins

 


Mimi Parent



TRATADOS DA SOMBRA


1. O poeta é exigido por uma angústia vital:

aquela do desenlace em si de uma nova

transparência a partir de toda a opacidade

de sua vida. Tudo nele busca o desespero

iluminado das formas, sua convulsão

precipitada sobre a beleza das imagens

aterradoras. Refere-se o poeta sempre

ao outro que ainda não conseguiram tocar

suas débeis figuras. Indigente do instante

e do conhecimento do mistério, concebe

para si a tarefa de escrever um livro

impossível: o da personificação da morte.

Dissolve-se na matéria de suas metáforas,

misturado à visão do livro findo inacabado.

 

 

TRATADOS DA SOMBRA

 

2. Com quem se parece o pobre poeta senão

com Deus? Indaguei o nome do guardião

de seu museu de imagens. "Cuido de sombras

que deliram do desejo de ser a medida

de todos os homens". Que nome dar a ele?

(Gorostiza Holan Bopp Schwob Pessoa Breton)

Vislumbramos as possibilidades de amor

e amizade entre os homens, por mais estranhas

que sejam as atividades humanas. Parece-nos

a diversidade uma fotografia do vazio.

Apodrecida no excesso de signos a linguagem

não é mais a glória do indivíduo. Não mais

que Deus, em sua máscara de sombras, o velho

diabo feito de livros, ignorado em seu mundo.


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