(1911-2001)
POEMA
Amarrado à sua sombra o bosque
Abria caminho às pegadas ardentes
Os faunos carreavam os regatos
E nos cornos da Lua uma flauta
trilava
A ninfa na encosta sobre o braço
descansava
Estios de florais prestígios
Entreteciam desenredavam as brisas
Nas têmporas da bela adormecida
Como se dois meninos com ele
folgassem
Tantas voltas dava o mundo
De mão em mão se via percorrido
De vermes com chapéu de copa e
dignidade
Os rios não se atreviam
A tocar a orla das cidades
De longe as cantavam e em surdina
Para não quebrar a quietação das
muralhas
Ou turvar no recinto
A clara canção dos menestréis
Ali aparecia a bela adormecida
coberta de sóis
Os seus ardentes passos tanto
mediam o solo
Como o firmamento
Uma sombra de oliveiras sob os
olhos
Murmúrios de água para as mãos
No mar esses olhos flutuavam sempre
E esta rama de loureiro de
horizonte a horizonte
Adorno dos sonhos pendentes do céu
Não viste um sorriso fiar uma
paisagem
A moçoila rindo com o céu gotejando
de suas mãos
Mais sombra me davam as pestanas
dela
Que uma alameda sob o triplo peso
De folhas ventos e céus
Não viste entreabrir-se a alvorada
Sobre as neves como uma fronte
Alumiando o sol e as estrelas
E a mão mais clara que a água com
seu rumor
Assim me atravessaram desde a manhã
à noite
As músicas geladas os dedos de aço
Com cercaduras novas seu rosto não
descansava
Já sobre a dália ou sobre a nevada
Já na brisa ou no próprio coração
do inverno
E na outra mão o ceptro do estio
E no outro pé o sol do outono
Os olhares carregados de
resplendores de oceanos ensolarados
Cruzando o Mediterrâneo os
golfinhos saltavam
Nos ares quedavam-se as tartarugas
A moçoila não despertara ainda
A flor era a plenitude dos espaços.
POEMA
Tristemente descansei a minha
cabeça
Na sombra que cai do ruído dos teus
passos
Voltando à outra margem
Imponente como a noite para te
negar
Abandonei as manhãs e as árvores
cravadas na minha garganta
Deixei até a estrela que galopava
entre os meus ossos
Larguei mesmo o meu corpo
Como o náufrago as barcas
Ou as lembranças quando as marés se
vão
E espalham estranhos olhos sobre as
orlas do mar
Abandonei o corpo
Como um cobertor para com a mão
liberta
Apertar o cerne de uma estrela
molhada
Não me ouves sou mais leve que as
folhas
Porque me livrei de toda a ramaria
E o ar não consegue aprisionar-me
Nem as águas tampouco me detêm
Não me ouves chegar mais poderoso
que a noite
E as portas que ao meu sopro não
resistem
E as cidades quietas para que não
note as suas presenças
E o bosque entreaberto como a
madrugada
Que busca apertar o mundo entre os
seus braços
Ave belíssima que no paraíso irá
cair
A tua fuga derribou todas as tendas
E eis que os meus braços fecharam
as muralhas
E até os ramos se inclinam para te
impedir a passagem
Frágil corça deves temer a terra
E o ruído dos teus passos em cima
do meu peito
Já se cerraram os cercos
E o peso da minha ansiedade
far-te-á cair
Os teus olhos irão fechar-se sobre
os meus
E a tua doçura brotará como os
chifres novos
E a tua meiguice crescerá como a
sombra que me envolve
A cabeça deixei que rodasse
O coração deixei que caísse
Já nada tenho que me assegure que
irei alcançar-te
Pois que tens pressa e tremes como
a noite
Talvez eu não atinja a outra margem
Porque não tenho mãos que abarquem
o espaço
Entre o que está desperto e o que
vai morrendo
Nem pés que pesem sobre o
esquecimento
De tantos ossos e tantas flores
mortas
Talvez eu não alcance a outra
margem
Se a última folha já foi por nós
lida
E a música entreteceu a luz em que
hás-de cair
E os rios te impedem o caminho
E as flores te chamam mas com a
minha voz
Rosa imensa chegou a hora de
deter-te
O estio ressoa como degelo para os
corações
E as madrugadas tremem como árvores
ao acordar
Todas as saídas estão guardadas
Rosa imensa não irás tombar?
Do livro
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