quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Recordando Carlos Garcia de Castro - Dois poemas

 




RODAPÉ

 

Sento-me neste patamar à porta

da minha casa já de si airosa

de quantas luas não sei quantas sejam

depois da morte à vida dos meus netos.

 

Que é que distingue um ovo do seu ninho?

 

Do que eu mais gosto é ver de madrugada

os melros ancestrais no meu quintal,

sentado à porta neste patamar.

A minha casa há-de ser airosa,

sombras de luas que eu não sei quais sejam

da minha morte à vida dos meus netos.

 

Que é que distingue um ovo do seu ninho?

 

Dispersos já em luas – quantas sejam,

soltam-se os melros ancestrais e cósmicos,

quase trocistas em neblinas fixas.

 

Do que mais gosto quando aqui sentado

é vê-los a furar a madrugada.

O patamar é firme, a casa airosa,

e vai da morte à vida dos meus netos.

 

Lá estão em solitude as árvores no quintal.

 

Que é que distingue um ovo do seu ninho?

 

Sentado há-de ficar quem quer que seja

e julgará de novo aqueles melros

 tal qual se fossem outros sendo os mesmos.

 

 

 

A SITUAÇÃO DOMÉSTICA

 

 

Aqui me sento, permaneço e durmo.

 

Aqui se dá comigo a unidade

de haver no corpo um animal sentado

numa almofada com sinal de nádegas.

 

É decisória a cova permanente

que lá deixou na travesseira o morto

quando da cama o deram para o caixão.

 

Uma cadeira, canapé ou maple

que toda a vida cá em casa usei

são marcações de palco aqui na sala

onde me fixo, residente actor

dum só papel com vários desempenhos.

Quando mais tarde alguém os repuser,

– lugar secreto seja em unidade

ter lá ficado o meu sinal de nádegas.

 

O nosso corpo é sempre uma impressão.

 

… e lá por fora a liberdade é fácil,

o mais custoso é ser-se independente.

 

… os nadas que em família não se dizem

fazem do espírito um amor conciso.

 

Silenciar-se de harmonia a voz

que a sensatez pratica sem palavras

– maple ou poltrona fazem sempre falta.

 

… dentro de casa com sinal de nádegas,

– o privilégio serve às almofadas.          

 

Dormir e ressonar ali sentado

para sempre há-de passar e nunca mais

igual barulho volta a ser ruído.

Por isso o que lá fica em unidade

de haver no corpo um animal sentado

nesta almofada – é o sinal das nádegas.

 

Todos os estofos têm chamamento,

sua matéria sossegada e lisa

desperta as almas quando as faz dormir.

Todos os estofos, de veludo ou pele,

pelo contrário enrijam o pensar,

ninguém por lá se espraia que os não queira.

 

 

Aqui me sento, permaneço e durmo.

 

Tudo o que for será por qualidade

dos mais direitos de animal sentado

numa cadeira, canapé ou maple.

A vida toda ficará em casa

liberta em situação destes sinais

(no travesseiro a cova da cabeça)

– como se herança de unidade e nádegas.

 

O nosso corpo é sempre uma impressão.

 

Se mais não for qualquer outro sinal,

ao menos que a saudade e a apreensão

fiquem tomadas de almofada e nádegas.

 

Aqui me sento, permaneço e durmo.


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