RODAPÉ
Sento-me neste patamar à porta
da minha casa já de si airosa
de quantas luas não sei quantas sejam
depois da morte à vida dos meus netos.
Que é que distingue um ovo do seu ninho?
Do que eu mais gosto é ver de madrugada
os melros ancestrais no meu quintal,
sentado à porta neste patamar.
A minha casa há-de ser airosa,
sombras de luas que eu não sei quais sejam
da minha morte à vida dos meus netos.
Que é que distingue um ovo do seu ninho?
Dispersos já em luas – quantas sejam,
soltam-se os melros ancestrais e cósmicos,
quase trocistas em neblinas fixas.
Do que mais gosto quando aqui sentado
é vê-los a furar a madrugada.
O patamar é firme, a casa airosa,
e vai da morte à vida dos meus netos.
Lá estão em solitude as árvores no quintal.
Que é que distingue um ovo do seu ninho?
Sentado há-de ficar quem quer que seja
e julgará de novo aqueles melros
tal qual se fossem
outros sendo os mesmos.
A SITUAÇÃO DOMÉSTICA
Aqui me sento, permaneço e durmo.
Aqui se dá comigo a unidade
de haver no corpo um animal sentado
numa almofada com sinal de nádegas.
É decisória a cova permanente
que lá deixou na travesseira o morto
quando da cama o deram para o caixão.
Uma cadeira, canapé ou maple
que toda a vida cá em casa usei
são marcações de palco aqui na sala
onde me fixo, residente actor
dum só papel com vários desempenhos.
Quando mais tarde alguém os repuser,
– lugar secreto seja em unidade
ter lá ficado o meu sinal de nádegas.
O nosso corpo é sempre uma impressão.
… e lá por fora a liberdade é fácil,
o mais custoso é ser-se independente.
… os nadas que em família não se dizem
fazem do espírito um amor conciso.
Silenciar-se de harmonia a voz
que a sensatez pratica sem palavras
– maple ou poltrona fazem sempre falta.
… dentro de casa com sinal de nádegas,
– o privilégio serve às almofadas.
Dormir e ressonar ali sentado
para sempre há-de passar e nunca mais
igual barulho volta a ser ruído.
Por isso o que lá fica em unidade
de haver no corpo um animal sentado
nesta almofada – é o sinal das nádegas.
Todos os estofos têm chamamento,
sua matéria sossegada e lisa
desperta as almas quando as faz dormir.
Todos os estofos, de veludo ou pele,
pelo contrário enrijam o pensar,
ninguém por lá se espraia que os não queira.
Aqui me sento, permaneço e durmo.
Tudo o que for será por qualidade
dos mais direitos de animal sentado
numa cadeira, canapé ou maple.
A vida toda ficará em casa
liberta em situação destes sinais
(no travesseiro a cova da cabeça)
– como se herança de unidade e nádegas.
O nosso corpo é sempre uma impressão.
Se mais não for qualquer outro sinal,
ao menos que a saudade e a apreensão
fiquem tomadas de almofada e nádegas.
Aqui me sento, permaneço e durmo.
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