segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Um poema de José Carlos Costa Marques

 

Balão Minguante

 

Três décadas.

Trinta por cento destruímos

de tudo quanto vive.

Valeu a pena. Temos roupa em abundância

em marcas de prestígio,

estradas confortáveis e rápidas que nos levam

de um asfalto a outro asfalto,

queimamos a pele e o melanoma nas melhores praias,

nos melhores hotéis.

O mundo ainda belo que algures resta não nos escapa.

A ele acedemos voando pelos ares a baixo preço

e isentamos o querosene de obrigações

para que os mais recuados risortes possam criar valor,

matar a fome de dividendos

enquanto alhures se aprofunda a fome de grão e de pão.

Neste melhor dos mundos,

a vida diversa vai encolhendo,

balão furado pela imprevidente agulha

que o encarquilha.

O balão onde voamos de um nada a outro nada,

deixando na esteira, repletos, os centros onde tudo se compra

sob o néon resplandecente.

 

in “Safra do Regresso”


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