segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Dois poemas de José do Carmo Francisco

 

Poema periférico para António Bárcia


Já não se morre como no passado

Hoje todo o morto tem um funeral

Com urna e fato pago pela Santa Casa.

Muitas vezes vai apenas um funcionário

No acompanhamento trinta dias depois

Do corpo chegar à Morgue de Santa Maria.

Porque a lei mudou a vala comum acabou

Mas seu nome ficou nas fichas dos livros

E no coração de quem não o vai esquecer.

Morrer não é apenas deixar de ser visto

Nem as estradas têm curvas como antes

Morrer é sempre um mistério, outra coisa.

Talvez calhe e seja o Pedro a acompanhar

A sua urna se ninguém se chegar à frente

Para tratar de todas essas formalidades.

Tenho um livro onde as suas palavras

Aparecem num tão discreto anonimato

Mas a posteridade essa vai continuar.

 

 

Poema periférico para António Rego


Um homem subia aos telhados para falar

Não havia megafone, Internet ou telemóvel

Nem é correcto chamar telhados aos terraços.

No fundo é tudo uma questão de contexto

Com quando se escreve que uma homem rico

Possui muitos rebanhos, criados e mulheres.

A Bíblia é assim mas podia ser bem outra coisa

Um livro aberto a tão dispersas interpretações

Sempre novo e sempre antigo ao mesmo tempo.

O leitor de CDs do automóvel todas as manhãs

Continua a tocar o Vinde Espírito Santo Criador

Na pressa da cidade onde a febre tudo aquece.   

Um terraço não é um telhado, é só parecido

É só quase a mesma coisa sem o ser de facto

Saiu dos telhados e está hoje mais nos livros.

Porque oração e poema são coisas iguais

Maneiras de juntar de novo nas palavras

Tudo aquilo que a morte devagar separou.


Sem comentários:

Enviar um comentário

Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...