quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Um poema de Vicente Aleixandre

 

A JANELA

 

Tanta tristeza numa folha de outono,

sempre duvidosa, no último extremo, de se apresentar como navalha.

Quanta hesitação na cor dos seus olhos

antes que se esfrie como uma gota amarela

Tu tristeza, minutos antes de morreres,

apenas és comparável à lentidão de uma rosa quando finda,

essa sede com espinhos que implora ao que nada pode,

gesto de pescoço, carne doce que treme.

És bela como a dificuldade de respirar numa sala fechada.

Transparente como o nojo de um sol ardente,

quente como esse chão onde ninguém pisou,

lento como o cansaço rendido ao ar parado.

A tua mão, sob a qual as coisas eram vistas,

cristal finíssimo que nunca outra mão acariciou,

flor ou vidro que, jamais desfolhado,

era verde no reflexo de uma lua de ferro.

A tua carne, na qual o sangue parado mal consentia

uma triste bolha quebrando-se entre os dentes,

como a débil palavra que quase redonda é

segurada na língua docemente na noite.

O teu sangue, em que esse lodo onde a luz não entra

é como o beijo falso das poeiras ou do talco,

um rosto em que a morte brilha ténuemente,

beijo doce que dá uma cera gelada.

Oh tu, amoroso poente que te despedes como dois longos braços

quando por uma janela agora aberta a esse frio

uma fresca borboleta penetra,

asas, nome ou mágoa, tristeza contra a vida

que esvoaça como o último raio.

Oh tu, calor, rubi ou pena ardente,

pássaros em chamas que são mensageiros da noite,

plumagem vermelha em forma de coração

que no preto se espalha como duas grandes asas.

Navios distantes, silvo amoroso, velas que não soam,

silêncio como uma mão que acaricia a quietude,

imenso beijo do mundo como uma única boca,

como duas bocas fixas que nunca se separam.

Oh verdade, oh morrer numa noite de outono,

longo corpo que viaja até à luz do fundo,

doce água que sustenta um oferecido corpo,

palidez verde ou fria que vestes um desnudo!


(Sevilha26 de abril de 1898 - Madrid13 de dezembro de 1984)

Prémio Nobel 1977

(Tradução de nicolau saião)


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