A JANELA
Tanta tristeza numa folha de outono,
sempre duvidosa, no último extremo, de se
apresentar como navalha.
Quanta hesitação na cor dos seus olhos
antes que se esfrie como uma gota amarela
Tu tristeza, minutos antes de morreres,
apenas és comparável à lentidão de uma
rosa quando finda,
essa sede com espinhos que implora ao que
nada pode,
gesto de pescoço, carne doce que treme.
És bela como a dificuldade de respirar
numa sala fechada.
Transparente como o nojo de um sol
ardente,
quente como esse chão onde ninguém pisou,
lento como o cansaço rendido ao ar parado.
A tua mão, sob a qual as coisas eram
vistas,
cristal finíssimo que nunca outra mão
acariciou,
flor ou vidro que, jamais desfolhado,
era verde no reflexo de uma lua de ferro.
A tua carne, na qual o sangue parado mal
consentia
uma triste bolha quebrando-se entre os
dentes,
como a débil palavra que quase redonda é
segurada na língua docemente na noite.
O teu sangue, em que esse lodo onde a luz
não entra
é como o beijo falso das poeiras ou do
talco,
um rosto em que a morte brilha ténuemente,
beijo doce que dá uma cera gelada.
Oh tu, amoroso poente que te despedes como
dois longos braços
quando por uma janela agora aberta a esse
frio
uma fresca borboleta penetra,
asas, nome ou mágoa, tristeza contra a
vida
que esvoaça como o último raio.
Oh tu, calor, rubi ou pena ardente,
pássaros em chamas que são mensageiros da
noite,
plumagem vermelha em forma de coração
que no preto se espalha como duas grandes
asas.
Navios distantes, silvo amoroso, velas que
não soam,
silêncio como uma mão que acaricia a
quietude,
imenso beijo do mundo como uma única boca,
como duas bocas fixas que nunca se
separam.
Oh verdade, oh morrer numa noite de
outono,
longo corpo que viaja até à luz do fundo,
doce água que sustenta um oferecido corpo,
palidez verde ou fria que vestes
um
desnudo!
(Sevilha, 26 de abril de 1898 - Madrid, 13 de dezembro de 1984)
Prémio
Nobel 1977
(Tradução de nicolau saião)
Sem comentários:
Enviar um comentário