segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Maria Estela Guedes, Poema a Lorca

 




Ontem à noite

 

Cheguei tão cansada, Federico!

A primeira coisa em que o olhar se deteve

Nesta parte antiga de Madrid

Foi no Teatro Lara.

Passei os olhos pelos cartazes,

Nada vi teu

Nem de nenhum dos teus amigos.

                                      E tu sussurras:

Não precisas de procurar tudo o que é meu

                        Porque eu conheço tudo o que é teu.

E a fadiga é demasiada para ir ver qualquer

Coisa só para poder dizer-te

Que sim, conheço o Teatro Lara, então, foi lá que vi

A casa de Bernarda Alba

Sei no entanto que representaram

Há pouco

                   Uma peça bem premiada

                        Lorca, la correspondencia personal.

O calor é grande neste debutado outubro

Transpira-se sob a cirúrgica máscara

Que a cidade, pejada de turbulentos jovens, pouco usa.

Fui almoçar à Plaza Mayor

Andando por aí e perguntando

Sim, fica perto, 11 minutos de caminhada

                                 Informou o Google.

Mas divagando por vielas e entrando em lojas

Para comprar uns chinelos de quarto

Demorei bem mais do que isso.

Na calle de Zaragoza, uma casa de flamenco

O ar sombrio e duvidoso

Recordou-me as tuas estudantinas madrilenas.

Já devia existir no teu tempo, estou a ver-te entrar,

Ouvir, bater os dedos na mesa ao ritmo do sapateado

Antes da brusca estacada, as asas elevadas

De Fénix em suspensão ardente.

            Flamenco, tango, amor brujo – tudo flamingo de fumo

                  Planando sobre a fogueira do fado.

Quanto ao mais, Federico, comi umas chuletas de lechal

Pensando em quanto sabemos que não sabemos

E vem à tona quando precisamos

Como este espanhol necessário para a comunicação

Já que do vosso lado nenhum esforço vejo igual…

                    O mistério anda na boca

                    De cá para lá, trincado nos dentes,

É tenro, soltam-se as palavras da saliva

Guardadas sabe-se lá em que glândulas

Desde as leituras dos Machado e Cervantes

                                     Que importa?

Servem, ainda são úteis, o moço percebe,

E a mim sabe-me a pouco esta mistura

De picantes especiarias

                A temperar o anho e a dura língua

Mas quero ainda e sobretudo

             O louro olímpico

                        Alho, salsa e mel.


in Conversas com Frederico García Lorca


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