Ontem à noite
Cheguei tão cansada, Federico!
A primeira coisa em que o olhar se deteve
Nesta parte antiga de Madrid
Foi no Teatro Lara.
Passei os olhos pelos cartazes,
Nada vi teu
Nem de nenhum dos teus amigos.
E tu
sussurras:
Não precisas de procurar tudo o que é meu
Porque eu conheço tudo
o que é teu.
E a fadiga é demasiada para ir ver qualquer
Coisa só para poder dizer-te
Que sim, conheço o Teatro Lara, então, foi lá que vi
A casa de Bernarda Alba…
Sei no entanto que representaram
Há pouco
Uma peça bem premiada
Lorca, la
correspondencia personal.
O calor é grande neste debutado outubro
Transpira-se sob a cirúrgica máscara
Que a cidade, pejada de turbulentos jovens, pouco
usa.
Fui almoçar à Plaza Mayor
Andando por aí e perguntando
Sim, fica perto, 11 minutos de caminhada
Informou o
Google.
Mas divagando por vielas e entrando em lojas
Para comprar uns chinelos de quarto
Demorei bem mais do que isso.
Na calle de Zaragoza, uma casa de flamenco
O ar sombrio e duvidoso
Recordou-me as tuas estudantinas madrilenas.
Já devia existir no teu tempo, estou a ver-te
entrar,
Ouvir, bater os dedos na mesa ao ritmo do sapateado
Antes da brusca estacada, as asas elevadas
De Fénix em suspensão ardente.
Flamenco, tango, amor brujo – tudo flamingo de fumo
Planando sobre a fogueira do fado.
Quanto ao mais, Federico, comi umas chuletas de
lechal
Pensando em quanto sabemos que não sabemos
E vem à tona quando precisamos
Como este espanhol necessário para a comunicação
Já que do vosso lado nenhum esforço vejo igual…
O mistério anda na boca
De cá para lá, trincado nos dentes,
É tenro, soltam-se as palavras da saliva
Guardadas sabe-se lá em que glândulas
Desde as leituras dos Machado e Cervantes
Que
importa?
Servem, ainda são úteis, o moço percebe,
E a mim sabe-me a pouco esta mistura
De picantes especiarias
A temperar o anho e a dura língua
Mas quero ainda e sobretudo
O
louro olímpico
Alho, salsa e mel.
in Conversas com
Frederico García Lorca
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