Mimi Parent
A tua filha Lena faz anos hoje. Provavelmente
vou ser injusto mas não me lembro de comemorarmos os anos lá em casa. A vida
sempre te foi madrasta e todos os dias eram para cuidar da sobrevivência. Sei
que aos 8 anos já guardavas cabras na serra. Há dois/três anos comecei um livro
que deveria ser uma espécie de monólogo contigo e que teria o título SONHEI QUE
A MINHA MÃE TINHA UM BLOG. Encalhei a meio do livro e não sei se o irei
terminar. Emocionei-me bastas vezes e cheguei a chorar para dentro e não é
fácil voltar àqueles tempos. Ao contrário do Pai tinhas as mãos leves e uma vez
resolvi enfrentar essa tua forma de ser decidindo que enquanto tu me estivesses
a bater eu não iria chorar. Assim fiz...e acabaste tu a chorar! Por isso muitas
vezes dizias que eu era “um vivo diabo”. Desde muito cedo protestei contra algumas
práticas a maior parte das quais tinham a ver com o teu fanatismo religioso bem
evidente na reza do terço à lareira naquelas noites frias de Inverno em que o
calor da fogueira também contribuía para que adormecêssemos e tu tinhas um
covilhete com água e quando adormecíamos atiravas uns pingos e acordávamos
sobressaltados... Uma vez sei que te chateei quando tu no quintal em que eu
discutia a justeza da guerra colonial me disseste numa espécie de eco do que
diziam os que nos governavam que “Angola é nossa”. Eu respondi que te vendia a
minha parte... Não tenho nenhum rancor mas não foi fácil sair disto sobretudo
se te comparasse com a bondade do Pai. Fizeste por nós o melhor que sabias e
tudo o que pudeste. Provavelmente algumas vezes te privavas tu para que a nós
não nos faltasse o essencial. Vejo-te a caminho da horta às 5 da manhã com a
tua burra e às quintas-feiras creio eu lá ias para o mercado de Ourém vender o
cebolo e outros produtos do campo, também vendias ovos à porta de casa a um
pessoal que depois os vendia em Lisboa, sei lá o que inventaste sem saber ler
nem escrever para que os filhos sobrevivessem. Uma vez recordo que espetaste um
dente da forquilha no pé, outra vez andavas a apanhar figos para o porco na
horta da fonte, não sei se era este o nome, e caíste da figueira e eu fiquei
atrapalhado sem saber o que fazer. Lá chegámos a casa! Dizia eu que a tua filha
Lena faz anos, o teu filho António estará novamente no hospital e não está a
passar bem, a tua neta Sofia foi operada e talvez tenha alta na segunda ou na
terça-feira! Vamos confiar que a Fé que sempre te guiou e Nossa Senhora da
Ajuda para onde caminhavas sempre que podias estarão connosco nestes momentos
mais complicados. Eras analfabeta mas mais inteligente que muitos doutores que
eu conheci! Sempre disse isto de ti, mas podias ser menos fanática nas questões
religiosas que também nos separaram naqueles tempos da juventude. Um dia
deixaste-me nos Covões e disseste para com a enxada eu cavar todas as ervas que
rodeavam os chícharos e a minha rebeldia levou-me a cortar todos os chícharos e
a deixar as ervas em paz. Aquela tareia que me deste acho que foi merecida e
estás perdoada de todas as outras que eu considerei injustas!
Salvé
Maria!
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