terça-feira, 6 de setembro de 2022

Dois poemas de José do Carmo Francisco

 

Poema periférico do meu operador

 

Um vago primo que nasceu em Salvaterra

Brilhou na baliza nos Jogos de Amsterdão

Sereno com seu coração em pé de guerra

Ele voava no ar com a leveza de um balão.

Chegava sempre aos dois cantos da baliza

Quando olhava para o campo tudo media

Com os seus olhos na medida mais precisa

Separando devagar a amargura e a alegria.

Todas as derrotas e as vitórias acumuladas

São quase calendário privativo do jogador

Que joga parte da sua vida nas bancadas

Na multidão que o aplaude num clamor.

As mãos desse vago primo tinham magia

Que foi depois herdada pelo meu operador

Mãos tão precisas num ritual de cirurgia

Que assim vai separando a morte do amor.

 


Poema periférico para a Farmácia

 

Não é comum este nosso lugar-comum

De espaço no balcão ponto de encontro

Onde se recebe apenas só o que se dá.

Às vezes entram cheiros de roupa lavada

De pedras, sabão e vozes de mulheres

Na ribeira que um dia por aqui passou.

Sabemos o princípio activo das lágrimas

E o excipiente da moderna amargura

Temos literatura explicativa das dores.

Só vendemos tudo com receita médica

E mantemos fora do alcance das crianças

No comércio onde há algo mais que troca.

A transacção foi concluída com angústia

Fica um espaço de tristeza no balcão

Entre o «adeus» e o final «bem-haja!».

 

in “Poemas periféricos”


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