Trovoada
Baixaram já as águas
das primeiras tempestades
de outono, refluíram para o vale e nos
deixaram
gravetos, terras desmoronadas, latas e
desperdícios
que não conseguimos identificar; o sol
dispersa
nuvens de chumbo e enxuga o que resta
das chuvas
repentinas; e, entre os destroços,
enquanto distraídas
crianças brincam sem que a paz lhe
perturbem,
jaz o cadáver de um verde translúcido
contra o cimento
de uma pequena rã, seis centímetros
longitudinais
há pouco ainda vivos, na perfeita
simetria da posição natatória,
pernas flectidas como as nossas se
flectem,
inteiro ainda e incorrupto o corpo
diminuto e espalmado,
na harmonia de quem pelo charco avança
naquele preciso
instante em que o impulso vai, de um
salto, levá-la mais à frente.
E o verde translúcido por entre dois ou
três matizes desiguais
ali permanece, naquele instante em que a
vida já não está
e a podridão não começou, e no entanto
se anuncia,
duas ou três formigas afadigadas
exploram já as cercanias
e os exércitos numerosos não tardarão a
surgir,
em hordas disciplinadas, na sua
misericordiosa tarefa de limpeza.
E nós, sobre o cimento, quando as
crianças, desatentas,
intensamente se concentram na sua
conversa a fingir,
tão verdadeira, nós inclinamo-nos, e uma
última
lembrança dedicamos àquele momento vivo
de tão verde,
tão igual ao nosso momento breve, e em
quem ninguém mais pensou.
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