terça-feira, 17 de maio de 2022

Dois poemas de Gabriel Chávez Casazola (Bolívia)

 




POEMA


Eu nasci nos confins de um império indescritível

cercado por linhas imaginárias e fugidias.

 

Desde criança queria conhecer o coração da região,

ir para o seu norte, que também era o seu centro.

 

Depois de muitos anos sonhando com caminhos

resigno-me a saber que não parti.

 

Esta manhã um homem na minha frente fala com os pássaros.

Ele ensina-os como chegar ao palácio de jade.

 

Eu escuto-o pensando no norte,

no meio,

no meu antigo desejo.

 

Mas já estou cansado e os dias pesam-me.

 

Terei de me contentar com aprender essa linguagem das aves

E, sozinho no meu quarto, esvoaçar sobre os lençóis.

 


SÃO LOURENÇO

 

É incrível como o que estava rígido pode ser

outra vez florescente,

como as mesmas árvores frondosas que nos surpreenderam em agosto passado]

com as suas plumagens de flamingo real

como uma deslumbrante Marilyn

de luvas compridas e vestido cor-de-rosa

mas que depois nos desiludiram

secas e engelhadas

violácias como as patas de um galo velho

por vários meses,

como podem elas tirar de si mesmas

do seu coração exausto de raiz

nova plumagem, novas luvas, novas cores

e fazerem-nos brevemente felizes

outro agosto

ou vinte e três agostos depois

com as suas flores deslumbrantes e misericordiosas,

capazes de lavar todo o mal do mundo.

 

in “Multiplicación del sol”

 

(Trad. de nicolau saião)


Renato Epifânio, Better dead then red

 



   O nosso prezado confrade Renato Epifânio, Presidente do MIL - Movimento Internacional Lusófono, deu a lume no jornal Público, no seu espaço de Opinião, o texto que aqui vos deixamos, com vénia ao Autor por nos permitir a sua publicação:

    Um dos mais infames slogans políticos da nossa história – “better red than dead” –, tem de novo ecoado, de forma mais ou menos expressa, a propósito da invasão russa da Ucrânia. Não porque, esclareça-se desde já esse equívoco recorrente, o regime de Putin tenha algo a ver com o comunismo – a sua matriz é claramente czarista.

   O próprio Partido Comunista Português sabe isso perfeitamente – daí que a sua posição não se explique, de todo, pela fidelidade ao regime de Putin. Antes, tão-só, pela sua fidelidade de sempre ao Partido Comunista Russo – foi assim durante toda a II Guerra Mundial, mesmo durante o pacto soviético com o regime nazi; foi assim em todo o processo da nossa descolonização; foi assim em todo o processo de desmantelamento da União Soviética; tem sido também assim, sem surpresa, agora.

   O próprio Putin também tem usado o “argumento da desnazificação” da Ucrânia para justificar a invasão russa da Ucrânia de forma claramente cínica. Ele não acredita nessa alegação – mas acredita que, por mero “reflexo pavloviano”, ela tenha algum efeito na opinião pública, interna e externa. E acredita bem – como, também sem surpresa, se pode verificar, inclusivamente na opinião pública portuguesa.

   slogan tem, porém, ecoado, de forma cada vez mais sonora, à medida que a resistência ucraniana se amplia – e daí as crescentes sugestões, mais ou menos tácitas, para que a Ucrânia se renda. Como sempre, aduzem-se os mais diversos argumentos, em particular o de que a resistência ucraniana tem como principal beneficiário a NATO/ OTAN e, em especial, os Estados Unidos da América; e como maior prejudicado colateral o modelo social europeu, pelo desvio de fundos, já em concretização, para os orçamentos de Defesa dos Estados da União Europeia.

   A alegação não é infundada mas não explica o crescente incómodo com a resistência ucraniana. Explica-se antes este incómodo, a nosso ver, por um conceito que a nossa cultura historicamente recalcou: o de heroicidade. Com um efeito, se há um qualificativo adequado para a resistência ucraniana é esse: heróica. E é isso o que mais profundamente nos incomoda, a todos nós que deixámos de valorizar a heroicidade e que até criámos, na nossa cultura, como seu substituto simbólico, a figura do anti-herói. Na resistência ucraniana, olhamo-nos ao espelho e vemos, com o mais profundo incómodo, quem fomos deixando de ser.

2 comentários:

 

OCTÁVIO DOS SANTOS disse...

 

    Renato, estou de acordo com a «tese» principal deste teu texto - o reconhecimento e a valorização (que, sim, a alguns incomoda) da resistência e do heroísmo ucranianos. Porém, discordo da asserção de que o regime de Vladimir Putin nada tem a ver com o comunismo. Pelo contrário: VP, tal como todos os que lhe estão mais próximos, nasceram, cresceram e foram (des)educados nos preceitos comunistas, e o actual líder do Kremlin foi mais longe na (auto-)doutrinação ao ter seguido a carreira de agente do KGB. Aliás, há que nunca esquecer que ele disse que a maior tragédia do século XX foi, não a Revolução Russa, nem sequer a Segunda Guerra Mundial, mas sim o fim da União Soviética em 1991.

NOVA ÁGUIA disse...

 

    Sim, sendo que, a meu ver, o que Putin valoriza na União Soviética é a sua dimensão imperial - não propriamente a dimensão comunista...


Ennio Morricone, O Padrinho

 



terça-feira, 10 de maio de 2022

Para que a Terra não esqueça

 


Bridget Tichenor



PCP em Lisboa

diz que Associação dos Ucranianos "não reúne condições de idoneidade"

para integrar refugiados da Ucrânia


Os vereadores do PCP na Câmara de Lisboa alegam que a Associação dos Ucranianos em Portugal "não reúne condições de idoneidade" por atacar o "regime democrático" e manifestar "ódio contra o PCP".

Os vereadores do PCP na Câmara de Lisboa justificaram esta sexta-feira o voto contra o protocolo com a Associação dos Ucranianos em Portugal por considerarem que esta entidade “não reúne condições de idoneidade” para a integração dos refugiados da Ucrânia.

(Dos jornais)

 

    O PCP continua a comportar-se como um lacaio de um país estrangeiro, a Rússia. Em 1956 apoiou a invasão da Hungria e em 1968 a invasão da Checoslováquia, apoiando a entrada dos tanques para pôr fim à revolta da população que procurava maior liberdade. É preocupante a existência de uma sucursal da Rússia em Portugal, o PCP, que com o acesso a informação confidencial do país pode colocar o país e a população que defende a liberdade e os valores do mundo ocidental em risco.

Francisco Seabra

 

    Eu acho que a luta do PCP contra a ditadura de Salazar foi importante para Portugal, mas a verdade é que eles não lutaram contra a ditadura de Salazar para defenderem a liberdade ou a democracia, eles lutaram contra a ditadura de extrema-direita para tentarem instaurar uma ditadura de sentido contrário, isto é, de extrema-esquerda. Acredito que a pouca admiração histórica que alguns portugueses pudessem ainda sentir pelo PCP acabou a partir do momento em que o PCP defende uma ditadura como a de Putin na Rússia que está a matar o povo ucraniano, a despojá-lo da sua soberania e a provocar milhões de refugiados (os que têm sorte e conseguem fugir ao horror, à tortura e aos massacres perpetrados pelos russos).

Ana Fonseca


NOTA DE IMPRENSA

 

Do assessor ex-comandante Tomaz Figueira:



Doutor José Jagodes, num flash mediático


 "Tem circulado nos mentideros da Nação um dos casos mais momentosos da circunstância actual, ligada à guerra a decorrer na Europa: o facto do famoso estoriador nacional - e por isso mundial! - Professor Doutor José Jagodes até agora não se ter pronunciado sobre o confllto, tanto mais que o renomado Autor de "A beligerância cognitiva entre os soldados tímidos e os emproados", (com prefácio do especialista militar coronel-na-reserva Teodoro Rabejana) ser um dos maiores conhecedores lusitanos de Estratégia, disciplina que leccionou na Sourbonne e, primeiramente, na Academia de Vila Facaia, onde se tornou clássico o seu ensinamento sobre Táctica Subliminar Aplicada.

 

    Podemos adiantar agora que tal se deveu a estar o Doutor Jagodes em período de análise e reflexão, preparando a sua tese conceptual "Ocidente & Oriente", com os cuidados argumentativos suficientes para não se enganar como os majores-generais na reserva que têm ido comentar nas Têvês com os resultados tristes que os tele-espectadores geralmente conhecem e se tornaram notórios.

 

    Mais adiantamos que em breve, numa entrevista conduzida pela publicista freelancer Lina Carvalhosa coadjuvada pelo conhecido repórter Emanuel Conduto, José Jagodes virá a lume ter com os leitores num exclusivo dos habituais órgãos onde se dão à estampa as suas apreciadas congeminações, ou seja no "Casa do Atalaião" e, depois, no proverbial "TriploV".

 

    As fotos estarão a cargo do apreciado fotógrafo Rabiny de Andrade.

 

    Com os melhores cumprimentos, de Vexas. atentamente

 

     Tomaz Figueira, ex-comandante submarinista, Assessoria Complementar em Exercício". (Segue-se assinatura manuscrita).



   
                 Emanuel Conduto                                Lina Carvalhosa                                                         Ex-coronel na reserva Teodoro Rabejana

Dois poemas de Nicolau Saião

 




O PÃO

 

1.

 

Eis o pão sobre a toalha:

não se agita, não grita

- está ali,  simplesmente

como uma ilha a descobrir

pelo sabor e o cheiro.

 

Um pão morto, um pão vivo

o cortado ou o inteiro?

 

O pão por vezes geme

como uma égua louca

e cresce, cresce ardendo

no sangrento e lavrado

triste e desabitado

nevoento, esfomeado

céu da boca.

 

O pão é a substância

dum bicho transformado:

o tempo   e a terra

onde foi criado.

 

2.

 

Tronco de paz, tronco de escuridão

erguendo o cadafalso para todos

 

Suavíssimo, cercado de claridade

um avião gelou o sonho e a aurora

 

Uma flor crepuscular desafia o delírio

litania de fome destruindo o desejo

 

e uma cidade, angustiada, afoga-se

na sua própria imagem

sem que lembrada seja

como o sabor do pão

 

para ninguém.







NAVALHA

 

O próprio nome assusta

embora seja só

uma operária a sangrar

a pele da fruta. Como um sol

multiplicando-se no seu corpo de aço

marfim ou corno de boi: como um sino

vibrando se se toca

com ela numa pedra

de casa ou sepultura.

 

Com ela limpo às vezes

o lixo do tempo: sóbria mergulhadora

em unhas, pães, barrigas.

 

Fechada é como um nome

calado para sempre.

 

 

ns

in “Os objectos inquietantes”

Prémio Revelação/Poesia 1990 da A.P.E.

Editorial Caminho


Um texto de Diamantino Bártolo

 

Recebemos do autor o seguinte texto, inserido numa das divulgações que distribui ciclicamente:



Rita Kernn-Larsen



O DIREITO À PAZ


   O direito à paz constitui um dos direitos da chamada terceira geração, segundo a estrutura que é estabelecida, tais como outros direitos, por exemplo, ecológicos, parece-me, contudo, cada vez mais um objetivo, importante e necessário a salvaguardar, não fossem os inúmeros conflitos regionais de guerra declarada ou latente, seja por motivos políticos, seja por razões de ordem económica, estratégica ou religiosa.
   A “Instituição da Guerra” apresenta-se-nos como uma ordem de magnitude que transcende qualquer agressor – a vítima particular -, na medida em que faz mais sentido responsabilizar um país por uma agressão sobre outro, do que imputar culpas a indivíduos isolados, além de que existe, obviamente, violência estrutural no sentido em que danos não intencionais são infligidos, frequentemente, a indivíduos ou países em todo o mundo, porque o opressor está incrustado nas estruturas, com culturas que não deixam outras alternativas.
   A agressão é provocada e algumas das causas são estruturais, outras culturais: o colonialismo é uma dessas estruturas que ligam a colónia ao poder colonial, de tal forma que aquela pode revoltar-se para se libertar. Ora, o caminho para a paz passa, necessariamente, por resoluções imaginativas dos conflitos, o que pode significar a transformação de algumas estruturas através da substituição de culturas de violência por mecanismos de apoio ao desenvolvimento sociocultural, científico e económico dos povos até então oprimidos.
   O homem tem o dever de procurar e construir um mundo melhor, porque: «o direito de viver em paz também pode ser interpretado como o direito de não ser vítima da agressão. Mas se assumirmos que a agressão não é aleatória, mas causada por factores estruturais e culturais entre e dentro dos actores, então o direito de viver em paz é o direito de viver num cenário social (...) onde se faz qualquer coisa sobre factores e não só sobre actores (...).» (POPPER, 1992:213).
   A construção de um mundo melhor, no sentido de promover e preservar a paz, quaisquer que sejam os conceitos deste valor inestimável (mesmo o mais rudimentar, como aquele que define paz como ausência de guerra), passa, certamente, pelo conhecimento dos valores universais constantes na Declaração Universal dos Direitos do Homem, e dos instrumentos legais, técnicos e científicos para os defender, porque, desde logo, é necessário, combater o irracionalismo que tanto parece estar na moda, sendo certo que atitudes incoerentes, não se fundamentam na observância dos direitos humanos e, mesmo aceitando que todo o conhecimento humano é falível e incerto, também não é menos verdade que o conhecimento é uma procura da realidade, de teorias explicativas e, objetivamente, verdadeiras.
   Neste contexto, não nos é difícil compreender que qualquer violação dos Direitos Humanos constitui um erro grave, contudo: «combater a falha, o erro, significa, pois, procurar uma verdade mais objectiva e fazer tudo para detectar e eliminar tudo o que é falso. (...). Ao reconhecermos a falibilidade do conhecimento humano, reconhecemos, simultaneamente, que nunca podemos estar completamente seguros de não termos cometido algum erro.» (Ibid.:18).
   A prática de deveres que conduzem a soluções pacíficas de conflitos humanos, naturalmente que carece de profundos conhecimentos ético-morais, de cidadania, de Saber-ser e saber-estar no mundo com os outros, numa permanente postura de tolerância e responsabilidade intelectual e, quantas vezes, na nossa tolerância e humanidade, somos objetos da intolerância e da desumanidade de outros.
   Infelizmente, o número de casos não para de aumentar: campos de concentração, assassinatos, violação de mulheres e crianças, deportações, migrações em condições infra-humanas, enfim, destinos terríveis, horrores que ainda sentimos, seres humanos, homens, mulheres, crianças, idosos, são vítimas de outros seres humanos, cuja motivação e objetivos são muito discutíveis.
   O mundo confronta-se hoje com uma nova calamidade, com dimensões regionais que podem, provavelmente, alastrar-se mundialmente, qual nova e terrífica pandemia, esta de natureza bélico/nuclear, a partir da invasão da Ucrânia pela Rússia. Iniciado este ataque desumano, criminoso e ilegítimo, em 24 de fevereiro de 2022, os combates prosseguem e, em algumas localidades, corpo a corpo.
   Na Ucrânia, aldeias, vilas e cidades já foram praticamente destruídas. Centenas de milhares de pessoas: mulheres, crianças, jovens, idosas e até animais de estimação, foram dizimadas pelos bombardeamentos russos. Os nossos irmãos não têm as mínimas condições para desfrutarem de algum conforto, porque; a fome grassa, a água, os alimentos, a eletricidade e as infraestruturas já não satisfazem as populações. Glória à Ucrânia.
   O homem intelectual, culto e responsável, tem hoje, mais do que no passado, o dever inalienável de rejeitar o relativismo radical, na medida em que há valores que jamais se podem mensurar: Deus, verdade, bem, justiça, paz, liberdade e tantos outros, aliás, parece-me que as posições radicais, não conduzem, geralmente, a soluções equilibradas, afigurando-se do mais elementar bom senso, optar por atitudes moderadas, dialogantes, consensuais.
   Tal como nos diz Popper: «O pluralismo crítico apresenta uma posição de acordo com a qual, no interesse da verdade, cada teoria - e quanto mais teorias tanto melhor - deve ser posta em plano de concorrência com as demais. Esta concorrência consiste na discussão racional: isto significa que o que está em causa é a verdade das teorias concorrentes. Aquela teoria, que na discussão crítica parecer aproximar-se mais da verdade é a melhor e a melhor teoria prevalece sobre as menos boas. O mesmo se passa com a verdade.» (Ibid.:178).
   A Paz constrói-se, seguramente, a partir de um conhecimento cada vez mais profundo das realidades humanas e, todas as ciências serão poucas, todos os cientistas e intelectuais, não serão suficientes para prosseguirem na busca de um mundo melhor, no sentido: não apenas de ausência de guerra; mas também e, principalmente, no que respeita ao dever do cumprimento dos direitos humanos, sejam estes individuais ou coletivos, pelo que, de facto, urge cada vez mais debruçarmo-nos sobre o que as ciências cognitivas podem fazer por um mundo em efervescência. Afinal, onde é que está localizado, no cérebro humano o “bom-senso”?
Poder-se-á colocar aqui, também, a questão da vontade e liberdade suficientes, para resolvermos a deprimente situação da violação dos Direitos Humanos? Será que, também aqui, o homem está determinado por circunstâncias que não controla nem domina? Ou, pelo contrário, tem o homem a capacidade para alterar alguma coisa?
   Porque, conforme escreve SEARLE: «A liberdade humana é precisamente, um facto de experiência. Se desejar alguma prova empírica de tal facto, podemos sem mais aludir à possibilidade que sempre nos cabe de falsificar quaisquer predições que alguém possa ter feito acerca do nosso comportamento. Se alguém prediz que eu vou fazer alguma coisa, posso muito bem não fazer essa coisa.» (SEARLE, 1987:107). Nesta linha, o autor prossegue, mais adiante, afirmando o seguinte: «A ciência não deixa espaço para a liberdade da vontade (...). Por outro lado, somos incapazes de abandonar a crença na liberdade da vontade.» (Ibid:113).
   A liberdade da vontade não depende, portanto, do determinismo porque, de acordo com o raciocínio de SEARLE: «A forma de determinismo que em última análise é incómoda não é o determinismo psicológico. A ideia de que os nossos estados da mente são suficientes para determinar tudo o que fazemos é, provavelmente falsa. (...). Se a liberdade é uma ilusão, porque é que é uma ilusão que, aparentemente, somos incapazes de abandonar? A primeira coisa a observar a propósito da liberdade humana é que ela está essencialmente ligada à consciência.
   Apenas atribuímos liberdade aos seres conscientes. (...) a maior parte dos filósofos pensam que a convicção da liberdade humana está essencialmente ligada ao processo da decisão racional. (...) A experiência característica que nos dá a convicção da liberdade humana, e é uma experiência da qual somos incapazes de arrancar a convicção da liberdade, é a experiência de nos empenharmos em acções voluntárias e intencionais. (...) É esta experiência a pedra basilar da nossa crença na liberdade da vontade (...)» porque: «No comportamento normal cada coisa que fazemos suscita a convicção válida ou inválida de que poderíamos fazer alguma coisa mais, aqui e agora, isto é, permanecendo idênticas todas as outras condições», donde e concluindo: «... a evolução deu-nos uma forma de experiência da acção voluntária onde a experiência da liberdade, isto é, a experiência do sentido de possibilidades alternativas, está inserida na genuína estrutura do comportamento humano, consciente e intencional.» (Ibid.: 1987:114-120)

Bibliografia

POPPER, Karl R, (1992). Em Busca de um Mundo Melhor, 3a ed. Tradução, Teresa Curvelo. Lisboa: Editorial Fragmentos.
SEARLE, J., (1987). Mente, Cérebro e Ciência, Lisboa: Edições 70


Rick Wakeman, Space Odity

 



terça-feira, 3 de maio de 2022

José do Carmo Francisco, Um sobre futebol

 




Poema afastado nº 77 para Ana Isabel


Na descida da Académica à terceira divisão lembrei uma história passada no Metro de Lisboa: um jovem dirige-se a um idoso com o emblema da A.A.C. no casaco sobre uma possível subida de divisão nesse ano ouvindo a resposta: «Na primeira, na segunda ou na terceira a Académica é sempre a Académica!»

Finalista em Faro do Campeonato de Portugal em 24-6-23 (o Sporting venceu por 3-0) a Académica derrotou o Benfica por 4-3 na final da primeira Taça de Portugal em 25-6-39 e disputou quatro em nove Nacionais de Juniores: 7-6-40, 18-5-47, 2-5-48 e 11-5-49. Havendo o Nacional, o Santa Clara e o Sport, a rivalidade sempre foi com o União.

Tudo conforme o livro «Football para o serão» de Armando Sampaio: «Do comando da GNR veio a ordem aos soldados: «Se houver conflito e vocês entrarem em campo só batem nos de azul!» A certa altura um militar levantou a espingarda para o Albano mas logo lhe disseram: «Nesse não, que é dos nossos…»


Nicolau Saião, Bilhete aos confrades no Dia da Mãe

 





Ucrânia:

Presidente de associação diz não perceber como

 PCP continua a existir em Portugal


O presidente da associação Refugiados Ucranianos (UAPT) afirmou este sábado à Lusa não perceber como é que Portugal continua a ter um partido como o PCP, nem por que as organizações não filtram as pessoas que lá trabalham.

O dirigente associativo Maksym Tarkivskyy comentava a notícia divulgada pelo Expresso de que refugiados ucranianos foram recebidos no município de Setúbal por russos pró-Putin, durante a iniciativa “Obrigado a Portugal (Glória a Portugal)”, que decorreu na Praça do Comércio, em Lisboa, entre as 17h00 e as 19h00 e reuniu mais de duas centenas de pessoas perante um sol abrasador.

(Dos jornais)

 

   O PCP pode e deve existir! Como lembrança do que é o comunismo e que propósitos serve... O melhor garante daquilo que devemos evitar...

Alberto Sousa


  Portugal continua a ter um partido como o PCP porque se deixou reduzir à insignificância. Porque continuou atrasado e a atrasar-se, e acima de tudo porque os próceres do regime passaram pelas carteiras de escola do “Partido” com os manuais de Moscovo. Situação que o povo ucraniano tão bem conhece... A ignorância, o não querer saber e a pobreza de espírito, fazem o resto.

Paulo Silva

 

  O presidente da Câmara de Setúbal, o que não nos espanta, mentiu duas vezes, ao primeiro-ministro e aos dirigentes do SEF. Não tem condições honestas para continuar a ser autarca, deve demitir-se e sem demora. Por outro lado, é imperativo que as autoridades democraticamente constituídas e por isso legítimas, investiguem qual o tipo de comprometimento do PC com o regime autocrático russo.

  Como afirmou na TV um coronel comentador, “já estamos em guerra, ainda não mundial mas já internacional”. É pois necessário agir afastando ingenuidades, tanto mais que Portugal que é considerado pelo Kremlin como país hostil expulsou como devia vários membros da embaixada russa, tidos como agentes provocadores ligados ao FSB, a pide russa. Mas a bem da defesa do povo português como se fez contra a Gestapo em 39-45 nas democracias, devem também ser investigadas até às últimas consequências as possíveis ligações de autores de espaços interativos aos serviços russos e chineses, quer de embaixadas quer de serviços secretos. Não os simples opinativos, por depravados que sejam, mas os estipendiados quintas-colunas que são verdadeiros propagandistas-espiões.

Jofre Cabral


Um poema de Léon-Paul Fargue

 


Greta Knutson



QUIOSQUES

 

O mar em vão faz a viagem

do fundo do horizonte para beijar os teus pés sábios.

Tu sempre a tempo os desvias.

 

Em silêncio ficas e eu também nada digo.

Nisso talvez não mais pensamos,

mas os vaga-lumes passo a passo

pegaram na sua lanterna de bolso

de propósito para fazer brilhar

nos teus olhos calmos esta lágrima

que um dia fui obrigado a beber.

 

E o mar é salgado a valer.

 

Depois, uma medusa loira e azul

que aprender quer enquanto se entristece

atravessa os fundos atulhados do mar,

limpa e clara como um ascensor.

 

E desgrenha a lâmpada à flor da água

para te ver fingir na areia

com tua sombrinha em mão, chorando,

 

os três casos da igualdade dos triângulos.

 

(Trad. ns)


Nicolau Saião, Maria Alzira Brum Lemos ou A reconstrução da memória

 


ns



                 “Não se pense, meus senhores, que a memória é coisa do passado.

                        Ela é matéria do presente, deste infinito presente e umas vezes             

                   está no que foi e outras no que vai ser e sempre será”.

                                                                    “Aforismos” - Fernando Batalha

 

1.

   Como nos disse em tempos François Jacob, num texto tão excitante como de clara feitura, “A vida é mais questão de engenhoquice do que de engenharia”.

  Referia-se, no caso vertente, à vida carnal, material do Homem elaborada através dos séculos, mas eu estou em crer que se referiria efectivamente à vida em geral, fôsse ela de seres humanos ou de tigres, de lobos de Alsácia ou do nosso estimado “ornithorhynchus anatinus”, animalzinho estimável, protegido pelas leis internacionais e que, a quem o viu pela vez primeira com olhos de ver, deve ter comunicado um espanto que apenas podemos conjecturar ou inferir a partir de relatos cabais e com chancela científica.

   O mesmo se dá igualmente, arriscaria dizer, com certos livros – que naturalmente são representação dos seus autores ou, melhor, das congeminações dos seus autores em certa fase de vivência ou de escrita. Livros únicos, de uma feitura que não se pode entretecer de novo sem se correr o risco da repetição desnecessária, ainda que o que se pretendesse fôsse o de uma mais perfeita adequação, mais exacta preparação como uma iguaria de maestro ou de transmutador. E livros absolutamente, felizmente compósitos, com suas diversas partes e escaninhos, aparentemente intercambiáveis  como  puzzles,  como labirintos  comunicacionais, como peças de um mecanismo intelectual, literário e feito a partir de uma escrita cujo cimento mais evidente é o que parte da memória, do como e do porquê em que tudo surgiu e, depois, se estruturou para fazer sentido – ainda que um sentido que a uma primeira vista (uma primeira leitura?) não é imediatamente reconhecível ou, ia dizer, mesmo descriptável a quem dele se aproxime sem ter tido a precaução de verificar que se está a contas com um texto-ornitorrinco.

  No qual se mescla, como se fôsse só por acaso, uma certa angústia de viver  trespassada de súbitas alegrias (ou comoções) que principalmente vêm da infância ou da extrema juventude, que é onde as coisas todas começam antes de termos necessidades evolutivas interiores em que a engenhoquice a que se reportava o insigne autor de “O jogo dos possíveis”, livro onde as hipóteses biológicas são postas em equação (mas também de “A estátua interior”, autobiografia a que eu melhor chamaria viagem memorialística por si mesmo e pelos outros que lhe certificaram a existência e a permanência como pessoa em todas as direcções) assenta arraiais de maneira significativa e incontornável.

 

2.

   a. Não estamos a contas com um livro ameno ou, dito de outra forma, amável. A autora, como se fôsse uma bióloga-cirurgiã, disseca o texto (a memória dos eventos que o constróiem), descarna a escrita de forma simuladamente (mais que dissimuladamente, num jogo que nos arrasta como cúmplices para dentro das páginas) natural, tranquila, habitual dos meios em que nos faz excursionar: areópagos universitários, terras do (seu) estrangeiro, entrepostos colegiais que frequentou, cidades e lugares onde residiu ou visitou, em suma - elementos que, mais tarde, na nossa existência civil, constituem mesmo que o não queiramos lembranças por extenso e que são, por si sós, lugares estranhos.

   Creio que me faço entender...

   No entanto, não nos deixemos iludir, pois este é também um livro vincadamente filho de uma prestidigitação que os poetas aliás assumem sem que o mostrem excessivamente, uma vez que isso faz parte, diria, das regras do jogo em que se cruzam realidade e imaginação e já se sabe, desde Madame de La Fayette e do seu canónico “A princesa de Clèves”, que há fantasias que são muito mais reais que presumíveis realidades, ou dito de outro modo: que para uma situação ser vincadamente real necessita do colorido da construída fantasia, que é alma da escrita, dos relatos e das efabulações, da célebre folha de papel branco vencida pelas palavras e as frases organizadas de determinada feição. Ou seja, exactamente, da Literatura.

 

  b. “Ninguém nunca admitiu ter feito parte da Ordem”, diz-nos, significativamente, a autora a dado passo ao referir-se à entidade que consubstancia o título deste seu livro simultaneamente aberto e fechado, convivente e provocatório, simbólico, metafísico e no entanto muito concreto nas recorrências a que alude (da infância, dos encontros e desencontros, mesmo da própria nomenclatura discursiva e circunstancial dum quotidiano pós-moderno que subitamente irrompeu e riscou transversalmente um mundo onde está mesmo presente, ainda que em fotografia desfocada, o erotismo interactivo ou digitalizado e os sinais de uma técnica e de uma ciência entre “a opacidade e a transparência”(sic) e que, se têm a ver com a evolução das sociedades, muito mais o têm com a resposta que cada um lhe possa dar, seja em escrita seja em existência comum e de todos os dias civis.

   É um livro onde as personagens, vistas ou recordadas, sentidas ou apenas criadas para que o pensamento e o sentimento possam existir numa escrita que incessantemente se questiona, ora se perdem ora se encontram, revoluteando como imagens num espelho, como dizia Fulcanelli, no espelho que é este livro onde a autora (gémea ou mulher com rabo como um ornitorrinco? alguém pagando o pato ou madame bovary entrevistadora de Templiakov? poetisa dando comida às plantas carnívoras ou gestora da Coisa Perdida onde se pesquisa a língua?) se expressou.

  Essa língua, afinal, que dá origem a universos alternativos – ou seja, da escrita – que foi segundo os cânones o princípio do Mundo e que é pelo menos, indestrutivelmente e enquanto houver tempo, memória e terra para os conter, aquilo com que se faz a vida passível de existir num livro, em todos os livros, neste livro simultaneamente atormentado, complexo, sugestivo e onde, afinal e ao cabo, se consegue aperceber uma difusa e conquistada e sentida alegria de existir.


King Crimson, Heroes

 



Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...