terça-feira, 30 de agosto de 2022

In memoriam de Manuel de Castro

 




A ERC JOSAMU JOVE

 

Nós os intocáveis, os imundos, recusamos
nossa vida à condição comum.
Porque é intemporal a rosa que nos leva
entre o dia e a noite.
Nós os derrotados, impuros, oferecemos
nossa miséria a um significado
oculto e diferente –

asa branca na varanda
nome escrito nos telhados
estrada atravessando a terra de ninguém

Nós os últimos dos últimos coroamos
impérios e jardins

 

 

 

CARTA

 

esqueço-te com a terna complacência do silêncio

habitual das horas no seu movimento

e no entanto restou um perfume quase imperceptível

do olhar por uma vez aceite

em mim, um olhar que julguei

fosse o meu amor, a ilusão

de um gesto que olhamos como

se nos pertencesse e no entanto

nos é alheio.

Eu havia contribuído integralmente.

A terra foi por um instante pura

através do teu corpo elástico e pausado.

 

 

ÚLTIMO POEMA POSSIVELMENTE DE AMOR

 

recorda

como se os dias não fluíssem em dias

e para ti fosse um nítido jogo de músculos

meu braço no teu corpo    anfiteatro

da mais pura derrota rumo às constelações

 

eis-me descoberta

de tudo que se arrisca sem limites

construído pela coloração de globos de vidro

iluminados e submersos

 

para o teu nome

um novo mecanismo de linguagem

para o teu corpo

memória      ciclo perfeito

dos meus desejos de pedra e de violência

 

tu

única para quem fui      adeus      o homem sem comédia

 

   O autor dos livros “Paralelo W” e “A Estrela Rutilante”, falecido aos 36 anos de idade em Setembro de 71, ficou como um dos poetas mais significativos da segunda leva surrealista.

  Aqui lhe celebramos a memória e a sua poesia de singular qualidade.


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