Javier Pagola
DOIS RAPAZES
Dois rapazes discutem Parménides
Em plena livraria.
Pura perda de tempo.
Descobrirão mais tarde.
Ao mesmo tempo, manifestam o desejo
De ler Santo Agostinho
No original.
Não lhes faz mal.
Também já fui de bicicleta
Aos Alpes do pensamento.
A PEDRA NO SAPATO
Se tens a pedra no sapato,
Não chores o leite derramado,
Olha bem o dente a cavalo dado,
Não te percas no mato.
Isto, em sentido lato,
Com música de fado,
Letra de encapuzado
E paciência de gato.
Se não tens, deita-te a correr
Estrada fora,
Feito pedra rolante.
Pois, chegarás a ver,
Perto da aurora,
Os pés de barro dum gigante.
O TERAPEUTA BELGA
Preparai as vias respiratórias.
Vamos cantar.
Um velho sentou-se na curva da estrada
E cumprimentou o mundo.
Pode passar.
As virgens, por exemplo, passam apressadas
E brancas,
Comprimindo o vento nos lábios.
Mas eu (ele, o outro) disse que íamos cantar.
A canção da mãe e dos seus dois filhos.
Da cabra e das suas duas crias.
Do vigário e dos seus dois meninos de coro.
Do vento e das suas duas velocidades.
Moderado, forte com rajadas.
Ora, abri a boca enquanto vos enfiam o dedo
E estareis prontos para cantar
Ai solidão
Ai solidão
O velho cumprimentou o mundo a seu modo.
Ao sul, levanta-se a poeira do deserto
E o homem da gaiola corre atrás
Do pássaro português.
Aonde? Perguntam, boquiabertos,
E espantam a ave
E espevitam o homem.
O velho, sentado e sentido, chora,
Ultrapassado por um carro funerário
(Ocasião para esclarecer que os caracóis
Não vão ao enterro deste homem).
E a canção? Perguntam, desapontados.
Que querem? Eu não sou o homem do saco
E secaram-se-me os ossos,
Que não são flautas
(Longe de mim tal alegria),
E a canção fica enterrada no peito,
Tal como a gaiola no homem
E o pássaro na gaiola.
E, depois, vou-me embora,
E, triste, deixo para trás
A cidade e o campo,
A terra, o mar e o céu,
E, de joelhos,
Toco no pássaro morto na erva
E não penso mais.
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