segunda-feira, 10 de maio de 2021

Dois poemas de Cristino Cortes

 

João Garção



O PÉ DE PENÉLOPE

 

A mulher de Ulisses, enquanto esperava, a sabedoria

Encontrou, de dominar o tempo - que nunca mais passava…

Ao tapete que tecia o avanço para trás puxava

Desfazendo à noite o que tinha feito durante o longo dia.

 

Tu, oh meu amor, olhas para o pé, à noite quase o vendo

Mais inchado e vermelho do que de manhã ele se encontrava;

É o exercício, a prática que ao horário calhava

Lento te parecendo o tempo, na clepsidra escorrendo …

 

Mas o fadário de ambas não é assim muito diferente.

Resultado garantido, ainda que em prazo incerto

E o tempo, hoje como então, custe a passar. Convém que perto

Não percas essa vã ciência, és uma entre a mais gente.

 

A nova forma de tecer está, talvez, em ver o pé.

Pé de Penélope, agora o teu. É tudo questão de fé.

 

TERNURA E OCASIÃO

 

Todos os dias, agora, sobretudo ao fim de semana

Arranjei uma outra rotina, e gosto-a qual ácido sal;

À hora de antemão fixada vou-te ver ao hospital

E lá fico, enquanto me deixam, os dois na mesma cama.

 

Tens um ar de menina a quem muito custa assim passar

Tanto tempo que medes em função desse diário momento;

Varia às vezes o teu aspecto, frágil contentamento

Face ao fim que está quase, quase, ou vem mais devagar…

 

Nada ficaste a dever ao destino, e eu me comovo

Ao pensar no que te aconteceu, sem nada teres feito;

A rasoira não despega e tem-te deixado a eito

Azar e má-sorte, o que correu mal e o que é novo.

 

Bem vejo, oh meu amor, como os dias te custam a passar

E grande é a aspiração, e direito, de te ver voltar.


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