segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

José Carlos Costa Marques, A carta perdida

 

Era uma carta perdida. Uma simples carta,
perdida entre centenas de outras,
perdidas também, rasgadas,
nunca lembradas.
Esta porém brilha na sua escuridão
de carta várias vezes procurada,
nunca encontrada.
Lançaria ela alguma luz num recanto apagado
de uma memória declinante?
Como foi, como é, como teria sido?
Inútil procurar mais.
O brilho que brilharia brilha agora
no ato mesmo da perda
e na memória de a ter perdido.
Biliões de cartas perdidas, triliões de pedras,
estelas e daguerreótipos,
quintiliões de imagens digitais
preenchem o universo,
E a sua luz vai velozmente caindo na mortalha
do olvido,
sem parar.
Não salvarão a memória humana
condenada a perder-se.
Lembras a mãe muito querida
e a outra mãe também adorada.
Como seria
terem ambas vivido numa memória de trevas?
Ou que luz mais inapagável teria junto delas
brilhado?
Agora, a carta perdida
que lançaria luz sobre esconsos e outroras,
brilha sim de um outro brilho.
O do sorriso que acolheu a perda
e dela fez o inesperado, o improvável,
luminoso momento vivo que perdura
na transitória recordação de estarmos vivos,
O achado.

               
Águas Santas, 26 de fevereiro de 2020

                                               José Carlos Costa Marques


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