Pablo Picasso, Desenho
Há um bom par de anos, em Paris, numa bela
manhã de sol, passando em frente da “Maison Georges Brassens”- pequeno centro
cultural erguido em celebração da memória do grande cantautor - ofereci-me o
prazer de durante uns gratos minutos deambular pelo jardim próximo que é meio
mercado de livros meio entreposto de curiosidades, cifrado nalgumas dezenas de
padiolas onde se encontram resmas de fólios do quilate e género mais diversos,
desde edições vulgares, ainda que interessantes, até relativas raridades.
A certa altura, compreensivelmente
surpreso, extraí de entre muitos outros um tomo que relanceei excitado:
tratava-se de facto do conceituado “Dessins” de Picasso, na exemplar
edição de Albert Skira, impressa em Lausanne/1967 para a colecção por ele-mesmo
estabelecida e dirigida, “Le goût de notre temps”. Com texto
introdutório de Jean Leymarie, ostenta na capa encadernada em linho branco-mate
um belo desenho a caneta, de linha clara, de uma mulher deitada no pleno ar
livre de uma praia sugerida apenas por dois traços horizontais.
Nunca fiquei indiferente ao seu método de
renovação da visão, a essa sua realidade por detrás do aparente, essa que nele
existe em todas as direcções. O que nele sobretudo distingo é que a imaginação
se apoia no real quotidiano. Nesse que contudo é movediço e cuja face brilha
sob mil luas diferentes.
Nesta conformidade, um pouco trémulo
preparei-me para esportular se necessário uma continha calada. Congeminei mesmo
pedir o socorro da sua bolsa ao confrade que me acompanhava, caso o meu erário
não fosse suficientemente poderoso... Mas tinha de ter aquele livro!
É que, bastantes anos atrás, eu escrevera
num suplemento da capital lusa um textozinho precisamente assinalando a saída,
de que tivera menção e notícia, desse mesmo livro que tinha nas mãos. Escrevera
eu:
“A pintura, neste caso a pintura do
mestre malaguenho, mais que antecipar-se ao tempo tenta a todo o custo ser um
salvo-conduto para a grande viagem que não nos vincula às contradições da
sociedade.(…).
Com alguma tímida esperança aproximei-me da
vendedora, uma bela moça claramente chegada do Senegal ou doutra ex-colónia
francófona. Inquiri do preço e, com a alma a cantar, fui informado de que
custava...15 francos!
Paguei sem regatear.
Há pedaço, estive a folheá-lo pela enésima
vez. De tempos a tempos, volto a ele: não só as reproduções a cores e a tinta-china
são belíssimas (várias delas fazem parte da Suite Vollard), como o prefácio é
exemplar.
Nisto de convívio com os alfarrábios tenho
tido, pelo tempo fora, grandes desditas e fortes alegrias.
Esta, que aqui partilho convosco, foi uma
das melhores e mais saborosas.
Os livros matam-nos... de amor.
ResponderEliminarAbraço,
JS