segunda-feira, 29 de junho de 2020

Em torno de Picasso


Pablo Picasso, Desenho


   Há um bom par de anos, em Paris, numa bela manhã de sol, passando em frente da “Maison Georges Brassens”- pequeno centro cultural erguido em celebração da memória do grande cantautor - ofereci-me o prazer de durante uns gratos minutos deambular pelo jardim próximo que é meio mercado de livros meio entreposto de curiosidades, cifrado nalgumas dezenas de padiolas onde se encontram resmas de fólios do quilate e género mais diversos, desde edições vulgares, ainda que interessantes, até relativas raridades.
     A certa altura, compreensivelmente surpreso, extraí de entre muitos outros um tomo que relanceei excitado: tratava-se de facto do conceituado “Dessins” de Picasso, na exemplar edição de Albert Skira, impressa em Lausanne/1967 para a colecção por ele-mesmo estabelecida e dirigida, “Le goût de notre temps”. Com texto introdutório de Jean Leymarie, ostenta na capa encadernada em linho branco-mate um belo desenho a caneta, de linha clara, de uma mulher deitada no pleno ar livre de uma praia sugerida apenas por dois traços horizontais.
    Nunca fiquei indiferente ao seu método de renovação da visão, a essa sua realidade por detrás do aparente, essa que nele existe em todas as direcções. O que nele sobretudo distingo é que a imaginação se apoia no real quotidiano. Nesse que contudo é movediço e cuja face brilha sob mil luas diferentes.
    Nesta conformidade, um pouco trémulo preparei-me para esportular se necessário uma continha calada. Congeminei mesmo pedir o socorro da sua bolsa ao confrade que me acompanhava, caso o meu erário não fosse suficientemente poderoso... Mas tinha de ter aquele livro!
    É que, bastantes anos atrás, eu escrevera num suplemento da capital lusa um textozinho precisamente assinalando a saída, de que tivera menção e notícia, desse mesmo livro que tinha nas mãos. Escrevera eu:
   “A pintura, neste caso a pintura do mestre malaguenho, mais que antecipar-se ao tempo tenta a todo o custo ser um salvo-conduto para a grande viagem que não nos vincula às contradições da sociedade.(…).
    Com alguma tímida esperança aproximei-me da vendedora, uma bela moça claramente chegada do Senegal ou doutra ex-colónia francófona. Inquiri do preço e, com a alma a cantar, fui informado de que custava...15 francos!
    Paguei sem regatear.
    Há pedaço, estive a folheá-lo pela enésima vez. De tempos a tempos, volto a ele: não só as reproduções a cores e a tinta-china são belíssimas (várias delas fazem parte da Suite Vollard), como o prefácio é exemplar.
    Nisto de convívio com os alfarrábios tenho tido, pelo tempo fora, grandes desditas e fortes alegrias.
    Esta, que aqui partilho convosco, foi uma das melhores e mais saborosas.

                                                                                                                         ns

1 comentário:

Aos confrades, amigos, adeptos e simpatizantes

     Devido a um problema informático de última hora, não nos será possível fazer a postagem desta semana.    Esperando resolvê-lo em breve,...