Teixeira de Pascoaes
Passei a vida a falar de
ti
e nada sei de ti.
Nunca falei contigo
e nunca te vi. 
Passei a vida a falar dos
teus livros
e nada sei deles.
Nunca te li.
Passei a vida a falar do
teu verbo
e nunca te ouvi.
Passei a vida a falar da
tua terra 
e da tua casa
e nunca lá vivi.
Passei a vida a falar do
pico da tua serra
e nunca lá fui.
Olho os teus olhos numa
fotografia
a asa negra do cabelo
a testa fria
a finura dos lábios de
papel 
a brancura do rosto.
Contemplo a tua casa num
postal
e fico abismado.
És para mim o absoluto
desconhecido.
Quem és tu afinal?
Que livros são os teus?
Em que lugar moraste?
Que fundo poço há em ti?
Que escuridão é a tua?
Que corpo foi o teu?
Qual a terra que pisaste?
Que sentido tem o que
escreveste?
Em que serra tu andaste?
E que vida tu viveste?
Que Lua contemplaste?
Que mistério tão escuro e
tão grande foi o teu?
Outros e outros até ao
fim 
virão depois de mim
e sem melhor sorte 
passarão os sóis a falar
de ti
da tua casa e dos teus
versos
a procurar a origem do
teu rosto
e o pico da tua serra
no fim quando a noite
chegar 
e o osso da lua
os acompanhar no mar da
morte
dirão assombrados como eu
que nada sabem de ti.
Tudo passa 
e tudo esquece
a carne e o sangue
desaparecem na voragem
das eras
as pedras e as cidades 
desfazem-se em pó
tudo se perde
e tudo se vai
mas tu vences o tempo 
atravessas as camadas do
esquecimento
sobrevives às idades
levantas a mão
acenas um sinal e
permaneces
vives para sempre
ignoto, oculto, imortal.
                                                       
(2011)
                          (Poeta, ensaísta, novelista e investigador)

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