CABEÇA DE CÃ
A minha
idade é já de senador.
Classicamente
quer dizer sou velho.
Pouco me
falta para o descuido inapto,
assim se
diz da hora de morrer.
Tanto me
faz pensar como sentir.
Prezo o direito
de não ter pudor
da minha
liberdade sem pachorra,
sem
explicações e outras atenções
para as
grandes frases ditas em poemas.
A vida é
natural sem literatura,
nem dela
mais precisa um ser comum,
que é o
que a morte faz de todos nós.
Por isso prezo
o meu descuido inapto,
quer
tenha feito ou não qualquer poema.
O mesmo
se dirá dum canastreiro,
quer
tenha feito ou não muitas canastras.
Tanto me
faz. Não tenho é mais pachorra
para as
grandes frases ditas em poemas.
A minha
idade é já de senador,
classicamente
quer dizer sou velho,
esclarecido
então para o tal descuido
de ser
poeta ou ser um canastreiro
DEDICATÓRIA
Quando à
noitinha vou ao nosso quarto,
de
algumas vezes sou quem abre a cama.
Um dia
mais passou, serenos restos
deixados
no carácter dado às roupas.
É uma
pausa adiantada ao mundo
que ali
se fica reduzido em dois,
à nossa
espera em vida o ser de sempre.
Aos pés
da cama deixo o meu pijama,
tua
camisa de dormir ao lado,
e é tudo
tão banal, tão repetido,
tão
preenchidos já os mesmos cheiros,
que não
percebo as erecções surgidas
(há mais
de quarenta anos condizentes),
de cada
vez que vou abrir a cama,
igual
bailado sedutor das aves.
Tua
camisa de dormir ao lado
por lá se
fica junto ao meu pijama,
há mais
de quarenta anos – monogâmicos
(como a
ciência diz de certos bichos).
Bem sei
que prezas estes rituais,
e eu
próprio à diligência tos conduzo,
com
perspectivas no armar das roupas
– voltar
à pausa adiantada ao mundo.
Para ser
sincero, eu nunca mais entendo
que a
Natureza venha assim concreta
e há mais
de quarenta anos permaneça
sabedoria
de animal com espírito
– quando
à noitinha calha abrir a cama.
Tua
camisa de dormir ao lado
por lá se
fica junto ao meu pijama.
Lençol de
cama é leve sem pijama,
tua
camisa de dormir soltou-se
– o abrir
da cama é cuidado eréctil
com
habilidade no armar das roupas.
Zoologia
exacta. É boa a sorte
que em
casa aqui passou, serenos restos
das roupas
corporais, quando à noitinha
se
alastra e se decide uma saudade.
Porquê,
mulher, abrir a nossa cama?
– se é
maldizer por dois com precaução
a
competência que às viúvas fica.
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