terça-feira, 21 de março de 2023

Um poema de Céline Arnauld

 

OS MEUS TRÊS PECADOS DADA

 

Sobe, sobe a colina

oh roda esmagada roda

quebrada pupila amarga

amargo abrunho dos bosques

oh tu que sobes assobiando

e que és um cobertor velho

o hino das crianças amadas.

Os olhos dos papagaios são bolinhas enganadoras.

Vós não sois deuses, mantilhas

ou escuros guarda-chuvas, nem mecanismos de toque

de alvorada.

Vós sois o anfitrião dum Amphion sem lira

uma vela sem poesia

uma majestade sem reflexos de música

o nascimento semanal dum girassol

- o girassol da minha prece –

e os meus olhos de roda quebrada

que envio ao grande mágico Merlin.

Para me castigar irei imolar-me numa adega.

 

Este é o pecado do fogacho quase extinto.

 

Ah sorte malina!

Beber uísque numa flor-de-lis

discussão espiritual da minha traição a sós

com a sua imagem

e depois dormir, dormir até que uma esmola

dos olhos tombada deslizasse nas minhas veias

Mas o que dei ao papagaio

não, para vós não é –

Amizade não se escreve em estenografia.

 

E é sempre essa roda, esse suplício

quebrado que me atormenta.

Para consertá-lo tomo

Merlin como testemunha

a escada como ícone

o vidro como microscópio

o copo como microscópio

e as minhas belas pupilas

como a linguagem mais formosa.

 

E depois, já que tudo acabou

iremos deitar abaixo

o edifício construído

sobre uma prisão e um suplício

na adega das discussões espirituais

 

do seu calvário de uísque.

 

 

  (Este poema da co-fundadora e directora da revista “Projecteur” e mulher do poeta Paul Dermée foi extraído de “L’Aventure Dada”.)


Tradução de Nicolau Saião


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