Henrik Edstrom, Em busca da estrela (col. ns)
Todo o verdadeiro pintor é
de facto um demiurgo. E, como referiu Pablo Picasso, “mais que o inspirado é
aquele que inspira”. Que inspira o desejo de uma nova visão, de uma nova
formulação e, ao mesmo tempo, fornece as faculdades interiores para que tal seja
não só possível como concretizável.
Mediante as cores e as formas com que se
erguem os sinais dos três reinos da natureza, o que este pintor lírico e
surrealista visa é transfigurar a existência em algo de significativo e de
salubre, indo para além das condicionantes sociais e humanas. Uma vez que a
pintura autêntica é uma alquimia espiritual, que transforma e que faz
permanecer na existência quotidiana os signos que a sustentam e através dela
permanecem no mundo.
Sendo um filho da Europa do Norte, Henrik
Edstrom. aprendeu bem cedo as lendas dessas terras onde os gnomos e as fadas
dos bosques vivem paredes-meias com os habitantes dos jardins, onde os
turbilhões de neve nos deixam adivinhar figuras mágicas ao crepúsculo das
povoações. Onde as cores e os traços, por seu turno, nas tardes de sol e de bom
tempo possuem uma exactidão precisa e luminosa.
Porque dá mais facilidade de manejo, sendo
mais libertador do gesto uma vez que confere mais rapidez à execução, o pintor
utiliza preferentemente o guache e a aguarela, como nas obras (uma série de 24
pinturas encantadoras e plenas de frescura) com que ilustrou os poemas do
grande poeta húngaro Attila Joszef.
Henrik Edstrom, através da sua paleta tão
sabedora e livre como o coração duma criança, viaja pelos mundos onde dá gosto
viver, mas com o conhecimento que de tal pode ter um animal quotidiano ou
fabuloso entre os bosques e jardins dos nossos afectos vitais.
Henrik Edstrom, O gnomo feiticeiro
Nele habitam o poeta e o artista - que as
cores e seus prestígios revelam como num encantamento que a todos é, afinal,
íntimo e comunicativo.
Tive o gosto de o conhecer na biblioteca
municipal, em Portalegre, onde veio há um par de anos expor uma surpreendente
série de 46 óleos, guaches, aguarelas e colagens. Eu cumpria ali os meus últimos
dias de funcionário.
Durante duas horas, na sua voz suavizada pela
idade, mas firme e sugestiva como os versos do Kalevaala que aliás teve o
ensejo de ilustrar, falou-me de lendas da sua terra, de projectos e de maneiras
de pintar – pois este pintor-poeta é de igual modo um fabro, um hacedor no
plano das matérias, da forma concreta pela qual se exerce a arte de efectivar
uma obra que haverá de andar nos dois planos do tempo: a que se palpa com os
olhos e a que se observa com os dedos das mãos. Adicionalmente, a que – como a
ars magna, a opus primae – reside e se reconhece no plano
da alma, como nos disse Eyrinée Philalète.
Dias depois – já ele voava de regresso a
Anneberg, onde nasceu em 1937 - sem que para tal eu houvesse feito algo de
assinalável vieram trazer-me ao gabinete um embrulho relativamente volumoso.
Abri-o com expectativa. Continha dois quadros belíssimos e, num bilhetinho,
vinham os seguintes dizeres: “Para o amigo NS intitular como achar melhor”.
Estão hoje na sala da minha casa de Portalegre.
Chamam-se, com efeito, “A partida para a ilha” e “O príncipe colhendo a
estrela” e epigrafam duas passagens do Kalevaala.
Foi a fórmula mais adequada que encontrei
para lhe agradecer.
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