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Penso hoje na casa da infância e do que estava perto!
Em frente a casa dos tios Margarida e Faria e das primas Fernanda, Maria
dos Anjos e Talita. Em frente do portão da casa a rua que ia para a fonte da
aldeia. Já nessa rua a casa dos vizinhos Bízaros, o ti Anacleto, e os filhos.
Nomes? Não chego lá com facilidade. Ao lado direito da nossa casa mais um
vizinho em que recordo aquele que emigrou e num regresso meteu o meu pai e os
meus tios no seu carro novo para uma viagem em que o carro subiu contra uma
oliveira onde morreu o meu pai, nos meus 20/21 anos e nos 58 do pai José
Ribeiro. Herdei-lhe o nome e algo mais estou certo! Da mãe fui o único filho
que herdou a alcunha, fiquei o Zé Feijão, o filho da Maria Feijoa. Nenhum dos
meus irmãos herdou esta alcunha. Para além disso eu era o Zézito para muita
gente na aldeia. Essa casa já não existe e em seu lugar está a bonita casa da
minha sobrinha Rute. Em frente da casa da minha sobrinha está omnipresente a
Capela de Nossa Senhora da Ajuda do séc. XVII. Esteve sempre lá. Nestas ruas à volta da
casa se desenrolavam as nossas brincadeiras: o jogo das escondidas, o jogo do
berlinde e do pião, o jogo da bola com meias e trapos, o jogo da malha quando
começámos a crescer! Havia depois o cruzeiro do outro lado da capela. Mais para
cima da capela ficava a casa do tio Adelino, a casa da avó Jacinta e à esquina
da entrada para este pátio havia um alambique onde no inverno se fazia
aguardente. Na casa da avó Jacinta também viveu a tia Isaura que tomava conta
da capela e que casou com Cristo. Um dia em que vim de férias do seminário dos
Dominicanos de Aldeia Nova vim cumprimentá-la com um beijo e ouvi uma espécie
de recriminação que ainda hoje ressoa aos meus ouvidos: "não é preciso cá
beijos"! E pronto assim fiz depois sempre: aí vai um aperto de mão em nome
dos bons costumes e de Deus! Quase em frente da casa da infância mais do lado
esquerdo ficava a casa do Diamantino Varão, da sua mãe cozinheira de casamentos
e baptizados e do pai que ouvi um dia lá no meu quintal dizer para o filho:
" o bacalhau é para quem trabalha!". Assim sem tirar nada...
Talvez um dia esta ladainha continue por aqui se Nossa Senhora da Ajuda
quiser!
*
Penso nos avós maternos e paternos hoje e não sei bem como aqui cheguei!
Pelo lado materno o nome da avó era Ana e lembro-me bem dela na vinha a
dizer-me que os ovos dos ninhos que estavam nas videiras não eram para tirar
porque deles iam nascer novos passarinhos! Do avô materno, de seu nome Teodósio
Antunes, sei algumas coisas, a importância de como cozinheiro, sobretudo dos
casamentos e baptizados, ter um enorme peso na sobrevivência familiar, mais
tarde acho que foi abalroado por uma camioneta e daí ter desaparecido antes do
tempo! De qualquer modo lembro-me de estar ao colo dele num local onde hoje
está a casa de uma prima e eu teria talvez 2 anos e picos! Sei como eu estava e
sei o local exacto onde estava.
Do lado paterno a avó Jacinta recordo-a na sua casa durante muito anos
já depois da morte do meu avô Teodósio Ribeiro, morto na floresta por um raio
num dia de tempestade! Visitei muitas vezes a avó na sua casa sempre à lareira.
Morreu com mais de 90 anos!
REFLEXÃO SOBRE LIVROS E AUTORES
Gosto de bons livros. Todos os bons livros, diz ele. O critério para
aferir os bons e os maus é sempre subjectivo mesmo para quem escreve do alto da
sua cátedra cheio de certezas. O sujeito que escreve vem depois. Pode ser homem
ou mulher. Não me interessa o que faz na vida nem se tem o cabelo grande ou
curto, se tem ou não tem piercings, nem qual a sua orientação sexual. Pode até
ser famoso ou desconhecido.
Nem sempre um livro que vende muito é bom e um livro que não vende pode
ser bom ou mau.
O sujeito que escreve um livro pode até ser um escroque? Pode. Pode ser
uma boa pessoa? Claro, mas nem sempre o é. Por mim prefiro que seja boa pessoa
e que escreva bons livros, mas na hora da leitura passo bem sem a sua simpatia.
O mundo está cheio de maus tipos que escrevem bem. Por vezes um autor demora
anos a ser reconhecido. Muitos morreram antes do reconhecimento. E o mais grave
é que muitos morreram na miséria. Em
muitos casos o reconhecimento e o dinheiro chegaram bem mais tarde. Outros
(muitos!) jazem já no grande rio do esquecimento.
Gosto de bons livros, dizia. E o que é um bom livro? Deve alguém que se
atreva a escrever dominar os sinais da escrita e organizá-los com a sua própria
voz. É na organização dos sinais que se encontra a gramática própria de quem
escreve, um caminho próprio, uma arquitectura para o poema ou para o livro. Sem
esse trabalho não pode existir um bom livro nem que venda milhões de
exemplares. Alguém com presença assídua na televisão só por isso já tem
garantido algum sucesso de vendas, mas isso nada acrescenta à qualidade de um
livro mesmo que a pessoa saiba piscar bem o olho! A qualidade é o que é!
Quando Gustave Flaubert publicou a 1ª. ediçao de " L' Éducation
Sentimentale" vendeu 150 exemplares. Dez anos depois o mesmo livro vendeu
150.000 exemplares. Mudou alguma coisa nestes dez anos? Sim, alguma coisa
mudou, e mudou radicalmente o horizonte de expectativas do leitor em relação a
este Autor. Razões para isso acontecer? Se eu soubesse escrevia sobre isso um
livro para a posteridade, de preferência um bom livro.
(JAR)
(Renomado livreiro e editor da icónica
ULMEIRO, José Antunes Ribeiro continua a ser como sempre foi: activo, solidário
e atento à Cultura viva na esteira de um mundo mais aberto e fraterno.
Ao darmos a lume colaboração sua, saudamos a
sua postura intemerata que não se deixa vencer pelas dificuldades que
nacionalmente se põem à verdadeira gesta que é dar livros à estampa. - ns
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