terça-feira, 28 de junho de 2022

Dois textos de José Ribeiro

 


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   Penso hoje na casa da infância e do que estava perto!

   Em frente a casa dos tios Margarida e Faria e das primas Fernanda, Maria dos Anjos e Talita. Em frente do portão da casa a rua que ia para a fonte da aldeia. Já nessa rua a casa dos vizinhos Bízaros, o ti Anacleto, e os filhos. Nomes? Não chego lá com facilidade. Ao lado direito da nossa casa mais um vizinho em que recordo aquele que emigrou e num regresso meteu o meu pai e os meus tios no seu carro novo para uma viagem em que o carro subiu contra uma oliveira onde morreu o meu pai, nos meus 20/21 anos e nos 58 do pai José Ribeiro. Herdei-lhe o nome e algo mais estou certo! Da mãe fui o único filho que herdou a alcunha, fiquei o Zé Feijão, o filho da Maria Feijoa. Nenhum dos meus irmãos herdou esta alcunha. Para além disso eu era o Zézito para muita gente na aldeia. Essa casa já não existe e em seu lugar está a bonita casa da minha sobrinha Rute. Em frente da casa da minha sobrinha está omnipresente a Capela de Nossa Senhora da Ajuda do séc. XVII.    Esteve sempre lá. Nestas ruas à volta da casa se desenrolavam as nossas brincadeiras: o jogo das escondidas, o jogo do berlinde e do pião, o jogo da bola com meias e trapos, o jogo da malha quando começámos a crescer! Havia depois o cruzeiro do outro lado da capela. Mais para cima da capela ficava a casa do tio Adelino, a casa da avó Jacinta e à esquina da entrada para este pátio havia um alambique onde no inverno se fazia aguardente. Na casa da avó Jacinta também viveu a tia Isaura que tomava conta da capela e que casou com Cristo. Um dia em que vim de férias do seminário dos Dominicanos de Aldeia Nova vim cumprimentá-la com um beijo e ouvi uma espécie de recriminação que ainda hoje ressoa aos meus ouvidos: "não é preciso cá beijos"! E pronto assim fiz depois sempre: aí vai um aperto de mão em nome dos bons costumes e de Deus! Quase em frente da casa da infância mais do lado esquerdo ficava a casa do Diamantino Varão, da sua mãe cozinheira de casamentos e baptizados e do pai que ouvi um dia lá no meu quintal dizer para o filho: " o bacalhau é para quem trabalha!". Assim sem tirar nada...

   Talvez um dia esta ladainha continue por aqui se Nossa Senhora da Ajuda quiser!

                                                             

                                                            *

    Penso nos avós maternos e paternos hoje e não sei bem como aqui cheguei!

    Pelo lado materno o nome da avó era Ana e lembro-me bem dela na vinha a dizer-me que os ovos dos ninhos que estavam nas videiras não eram para tirar porque deles iam nascer novos passarinhos! Do avô materno, de seu nome Teodósio Antunes, sei algumas coisas, a importância de como cozinheiro, sobretudo dos casamentos e baptizados, ter um enorme peso na sobrevivência familiar, mais tarde acho que foi abalroado por uma camioneta e daí ter desaparecido antes do tempo! De qualquer modo lembro-me de estar ao colo dele num local onde hoje está a casa de uma prima e eu teria talvez 2 anos e picos! Sei como eu estava e sei o local exacto onde estava.

   Do lado paterno a avó Jacinta recordo-a na sua casa durante muito anos já depois da morte do meu avô Teodósio Ribeiro, morto na floresta por um raio num dia de tempestade! Visitei muitas vezes a avó na sua casa sempre à lareira. Morreu com mais de 90 anos!

 

 

REFLEXÃO SOBRE LIVROS E AUTORES

 

   Gosto de bons livros. Todos os bons livros, diz ele. O critério para aferir os bons e os maus é sempre subjectivo mesmo para quem escreve do alto da sua cátedra cheio de certezas. O sujeito que escreve vem depois. Pode ser homem ou mulher. Não me interessa o que faz na vida nem se tem o cabelo grande ou curto, se tem ou não tem piercings, nem qual a sua orientação sexual. Pode até ser famoso ou desconhecido.

   Nem sempre um livro que vende muito é bom e um livro que não vende pode ser bom ou mau.

   O sujeito que escreve um livro pode até ser um escroque? Pode. Pode ser uma boa pessoa? Claro, mas nem sempre o é. Por mim prefiro que seja boa pessoa e que escreva bons livros, mas na hora da leitura passo bem sem a sua simpatia. O mundo está cheio de maus tipos que escrevem bem. Por vezes um autor demora anos a ser reconhecido. Muitos morreram antes do reconhecimento. E o mais grave é que muitos morreram na miséria.   Em muitos casos o reconhecimento e o dinheiro chegaram bem mais tarde. Outros (muitos!) jazem já no grande rio do esquecimento.

   Gosto de bons livros, dizia. E o que é um bom livro? Deve alguém que se atreva a escrever dominar os sinais da escrita e organizá-los com a sua própria voz. É na organização dos sinais que se encontra a gramática própria de quem escreve, um caminho próprio, uma arquitectura para o poema ou para o livro. Sem esse trabalho não pode existir um bom livro nem que venda milhões de exemplares. Alguém com presença assídua na televisão só por isso já tem garantido algum sucesso de vendas, mas isso nada acrescenta à qualidade de um livro mesmo que a pessoa saiba piscar bem o olho! A qualidade é o que é!

   Quando Gustave Flaubert publicou a 1ª. ediçao de " L' Éducation Sentimentale" vendeu 150 exemplares. Dez anos depois o mesmo livro vendeu 150.000 exemplares. Mudou alguma coisa nestes dez anos? Sim, alguma coisa mudou, e mudou radicalmente o horizonte de expectativas do leitor em relação a este Autor. Razões para isso acontecer? Se eu soubesse escrevia sobre isso um livro para a posteridade, de preferência um bom livro.

 

(JAR)

 

   (Renomado livreiro e editor da icónica ULMEIRO, José Antunes Ribeiro continua a ser como sempre foi: activo, solidário e atento à Cultura viva na esteira de um mundo mais aberto e fraterno.

   Ao darmos a lume colaboração sua, saudamos a sua postura intemerata que não se deixa vencer pelas dificuldades que nacionalmente se põem à verdadeira gesta que é dar livros à estampa. - ns


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